Em uma recente resenha apresentada aqui no portal da LUCIFER REX eu disse que o TORCHES OF NERO era uma das bandas mais interessantes que surgiram no Brasil nos últimos anos.
Reitero essa afirmação: Donos de uma sonoridade crua, ardida e, de certa maneira despojada, o TORCHES OF NERO cativa não apenas pelo som, mas pela expectativa da nova surpresa que cada lançamento vai trazer. Hoje, no “06 Perguntas para” recebemos o vocalista e guitarrista do TORCHES OF NERO, Baal Seth Penitent!
1 – Salve Baahl, seja bem-vindo às paginas da LUCIFER REX e obrigado por aceitar o meu convite!!Gostaria de começar a nossa conversa, falando do mais recente lançamento da TON, o 7″ EP “The Key of Denial“. Achei genial o conceito que embasa o trabalho, que envolve a negação de Cristo por parte de Pedro e ainda dá uma paulada no papa emérito Joseph Ratzinger. Você poderia, por favor, apresentar o conceito? E mais, qual a correlação entre os dois papas dentro desse conceito?
R – Baal Seth Penitent: Saudações meu grande amigo Prophanator! Sempre uma honra ter a oportunidade de conversar contigo e com a Lucifer Rex!!
Somos muito gratos a tudo que vocês dedicam a nós, tempo, paciência, atenção e conhecimento técnico, troca de ideias acerca de músicas extrema.
O conceito do 7ep é apresentar uma introdução ao tema da Falsidade do Messias, Rei dos Judeus e Profeta do Islam. Para isso, nada melhor que uma negação vinda da fundação da igreja, pedra fundamental cristã, Kepha ou Pedro.
Essa música, The Key of Denial introduz o tema que vai ser expandido no full album Martyr of Disbelief.
Há uma relação histórica entre os papas de todas as épocas: depravação, abuso de poder, perseguição dos opositores, mecanismos diversos os quais fizeram a instituição Igreja, manter-se no poder desde a decadência de Roma.
O Papa Ratzinger não foi imune ao processo e se colocou como figura histórica da mesma forma. Foi uma criança do Fuhrer e também foi a Pedra de Cristo, Nazareno, que representa uma religião do deserto, “nascida” na Galileia, na atual Israel como disse o Imperador Juliano em seu escrito Contra Galileus.
Só essa relação já demonstra tamanha contradição. Ao final do dia, somos todos Escravos do nosso passado que nos açoita e fundamentamos a história com nossas falhas.
O tempo corrói tudo, inclusive a fé. E com as pedras da Igreja não foi diferente.
2 – Falando um pouco sobre a sonoridade da TORCHES OF NERO, eu sinto um espirito meio de gravação ao vivo, nos trabalhos da banda, o que deixa a música de vocês mais dolorosa, mais ardida. Acredito que o termo usado seja “overall“, onde tudo é gravado junto. Vocês realmente fazem uso desse modo de gravação?E o que vocês buscam com isso?
R – Baal Seth Penitent: Sim perfeito!! Concordo com essa observação plenamente. Até o momento todas as nossas gravações foram feitas ao vivo em poucos takes eu diria (honestamente não consigo lembrar de uma grande dificuldade em algum momento). Somos favorecidos pela rotina de ensaios acredito.
Acho que não é nada pensado de forma deliberada mas sim, de forma sincera executar e soar como gostamos e de acordo com o metal que gostamos. Eu sempre digo que para mim o ápice da gravação é o Painkiller do Judas. Um disco de metal sem soar plastificado.
Na minha concepção metal extremo não pode soar plastificado ou bonito. Perde muito da mensagem. E isso não tem a ver com o uso de melodias ou não. Transilvanian Hunger do Darkthrone tem um bela melodia, Prision of Mirrors do Xasthur também, são músicas que te levam ao êxtase, à uma conexão com algo mais obscuro.
O disco do Evil, Hammerstorm, o Fall do Amen Corner, Goetia do Mystifier, Evil Shall Burn... do Murder Rape são belíssimos exemplos nacionais de como a produção valoriza a música feita e a proposta. Nada ali é plastificado e são acima de tudo discos “maus” no sentido conceitual, artístico e até mesmo espiritual da palavra.Transmitem a escuridão na forma mais primitiva.
Quem diria que em 1989 o Sarcófago faria o Rotting e que mesmo hoje, 35 anos após, tu consegue olhar para ele e dizer que, ali, tem tudo que foi copiado posteriormente e que a produção desse disco é perfeita, melhor que do INRI e do Laws.
O Rotting transmite o que deseja.
Enfim, estamos muito mais perto dos velhos Venom, Hellhammer, Celtic Frost, Bathory, Mayhem, Thorns das demos, Rotting Christ da primeira fase, Doom do final dos 80/ início 90, Death, Morbid Angel, Deicide, Autopsy, Obituary, Sadistik Exekution, Profanatica, Von e as bandas nacionais dos 80 e início 90 na forma de pensar como transmitir a sonoridade do que na forma atual- matemática e plastificada.
Isso não quer dizer que em algum momento não usemos elementos mais novos como a dissonância (exemplo Gallhammer do Japão, Xasthur…)e não gostemos de bandas atuais mas para a Torches a proposta é fazermos o que fez e faz sentido para nós. Crescemos com essa sonoridade e talvez seja uma forma de homenagear os que vieram antes de nós.
E continuaremos fazendo dessa forma.
3 – Ainda sobre esse novo EP, eu percebo uma diferença bem clara entre as duas faixas, sendo que o lado A, com a faixa “The Key of Denial” me pareceu mais próxima do som da segunda onda, inicio dos anos 90, e o lado B, com a faixa “Heil Ratzinger” tem aquela pegada mais caótica, mais punk, tão cara ao metal extremo brasileiro do final dos anos 80. A faixa “The Key of Denial”, alías, pra mim, é a melhor composição da TORCHES até hoje. Alguma das duas faixas pode ser considerada como um prenúncio do novo album que vem por ai, ou sempre devemos esperar uma surpresa? Esse novo album vai sair pela HOD também? Alias, o que vocês tem de merchandising – camisetas, patches, vinis, cds – e como adquirir?
R – Baal Seth Penitent: As músicas são diferentes mesmo na execução e parecidas na essência.
A “The Key of Denial” tem uma execução meio tempo com uma ideia de transe no riff inicial- principal. E em cima dela Pedro expressa a sua negação. Tem frases muito fortes na letra e que são expostas de forma quase discursada, com desprezo. Todos fizeram um grande trabalho nessa música, cozinha simples mas cheia com um ótimo trabalho de bateria e baixo (sim, somos um banda de black metal com baixo audível e marcante). Acho que a época citada é uma bela época para vincularmos essa música.
Já a outra música “Heil Ratzinger” é uma música irônica, satírica, mal-humorada que homenageia o Venom e Carnivore. Como tu dissesse bem presa ao início dos 80.
Sem Venom provavelmente nenhum de nós estaria aqui apesar das pessoas desejarem praticar revisionismo sobre a sua importância na história do metal extremo.
E o desejo de homenagear Peter Steele e Carnivore é por que acredito que a acidez das suas letras e a forma simples com que executavam as músicas nos representam e muito. Heil Ratzinger é nossa “Jesus Hitler” com certeza.
Crescemos com essa merda toda, alguns de meus melhores amigos são desprezíveis, ácidos, irônicos, cínicos então essa música também tem um pouco deles e dos grandes momentos que passamos juntos ouvindo Venom entre outras coisas corrosivas.
Sobre a Hammer of Damnation a resposta é muito simples: enquanto estivermos vivos e Warlord e sua família que acabam gerindo toda o “sinagoga” desejar contar com a gente estaremos juntos. Soa romântico em um mundo de negócios mas somos leais a quem nos abriu a porta e nos deu uma chance. Não custa repetir o quanto a Hammer, Black Metal Store, Necropole Hall nos representam. São pessoas que trabalham muito e oferecem um serviço de Muita qualidade e isso afeta, causa inveja em muita gente. Mas a cachorrada late e a caravana passa.
Na Hammer temos toda a liberdade artística e hoje, temos uma relação além da música e dos discos. Por fim, todo o nosso trabalho pode ser encontrado na Black Metal Store, exceção feita as nossas tapes do Live Ritual que estão disponível na Unholy War.
4 – Falando um pouco sobre a capa do EP, o conceito me pareceu o de pegar imagens de pinturas clássicas e, literalmente profanar, haja vista a corpse paint que sempre é sobreposta aos personagens. Nada é sagrado e tudo deve ser profanado? Onde as tochas de nero se inserem no contexto? E de quem foi a ideia?
R – Baal Seth Penitent: Acho que o corpse paint feito em sangue (representado pela cor vermelha da pintura) profana de forma singular as imagens e sempre tem a mensagem subliminar do sangue derramado ou sacrificado pelas religiões.
A primeira vez que vi alguém fazer pinturas em imagens “sacras” foi o Michel Barinacho Martins, nosso desenhista e pintor de 90% das artes nossas. Isso em 1996 no sul do país. Desde então vi que é uma ferramenta importante de profanação pois atingimos o que na verdade são as representações de uma ampla idolatria, imagens que em si carregam o significado e a esperança de muitos.
Nada mais Profano do que retirar a esperança das pessoas através de ataque as suas fontes de luz. Tudo pode ser profanado, seremos satíricos com tudo, com todas as religiões do deserto, com todas as abominações que as representam.
Tudo deve ser profanado. Todas as concepções de idolatria, das divindades até o homem, das religiões até as concepções políticas (religião nada mais é que política com uma tonalidade de transcendência, “iluminada”).
As Tochas de Nero representam essa possibilidade. A profanação como forma de libertação. E como Nero nós assistiremos elas queimarem nas ruas, iluminando os céus com suas chamas e escurecendo com suas cinzas o Sol de Tipharet transformando- o, assim, no Sol Negro de Daath, aquele que nos guia. As ideias e os conceitos são minhas mas todos auxiliam no processo dando vida assim a essas aberrações teóricas.
5 – Eu tive a oportunidade de acompanhar – pela internet – um show da TON, na Necropole Hall. Impressionante o cuidado que a banda tem com o aspecto visual e com a coerência temática da apresentação. Como você descreveria um show da TORCHES OF NERO? Aliás, algum evento em vista? E como agendar uma apresentação como TORCHES?
R – Baal Seth Penitent: Olha a palavra mais próxima disso é um Ritual. Tudo ali tem um significado e um propósito. Quando Antimatter levanta a criança nascida do pecado em sacrifício…todos os símbolos feitos à mão por Blackpest cada um com um sentido diferente, quando eu sou chicoteado ou jogo dinheiro abraamico aos espectadores…tudo tem uma mensagem própria e que faz sentido para a Torches. Eu espero através disso uma conexão, a abertura de um nexion. Sobre como agendar: pode ser diretamente atraves do instagram da Torches ou da HOD/ Black Metal Store.
6 -E chegamos a nossa ultima questão. Nesta, eu procuro trazer uma “pergunta padrão” para todos os convidados: Baal Seth Penitent, embora a TORCHES OF NERO seja uma banda recente, você já tem uns bons 25 anos de estrada no metal, tendo tocado em outras bandas e organizado eventos. Quais foram os pontos marcantes da sua trajetória?Por que você se mantém inserido no underground? E, no final, VALEU A PENA?
R – Baal Seth Penitent: Antes de tudo gostaria de agradecer o espaço e a possibilidade de conversar contigo Marcel e com a Lucifer Rex!!Somos muito gratos por tudo que a Lucifer Rex fez e continua fazendo por nós!! Então, comecei a ouvir heavy metal aos 9 anos no segundo semestre de 1988. Em 1992 iniciamos o sonho de ter uma banda e isso foi plenamente realizado com Feto, Seth Domain e Torches of Nero. Meus amigos são em sua maioria vinculados ao heavy metal. Dividi o palco e bons/ maus momentos com eles. Acho que na balança da existência os benefícios foram maiores que os prejuízos. Valeu a pena? Com certeza. As nossas vidas, decisões e frustrações foram pautadas pelo heavy metal. Prefiro acreditar que sim.