Capítulo 03
O REGIMENTO DA MORTE RUMA PARA O CAMPO DE BATALHA
Agora sim estava caracterizado definitivamente o War Metal. As letras são descrições dos horrores da guerra em sua acepção mais brutal e cruel. A logo, remetendo a uma cerca de arame farpado, desenhada por Igor Cavalera, foi usada no WARFARE NOISE, enquanto uma versão aprimorada foi feita pelo conhecido artista catarinense, Anderson Hellthrasher. Já a capa foi desenhada pelo amigo “Gavião”, ficando eternizada no álbum “Campo de Extermínio”.
E os pseudônimos dos combatentes já tinham se definido: O HOLOCAUSTO era composto por Rodrigo Führer no vocal principal, Valério Exterminator na guitarra, Anderson Guerrilheiro no baixo e vocal e Nédson Warfare na bateria. Dentre os pseudônimos dos integrantes, alguns tem uma origem mais elaborada, como “Exterminator”, visto que, Valério era o único do grupo que praticava o que chamavam de “musculação”, e, por influência do ator Arnold Schwarzenegger, que entre seus filmes de sucesso na época, protagonizou um chamado “O Exterminador do Futuro”. Então, Valério acabou ligando os pontos: Exterminador, Campo de Extermínio, Holocausto… assim, surgiu Valério “Exterminator”.
O pseudônimo de Rodrigo fica um pouco mais evidente, visto que, o HOLOCAUSTO (como sugere o nome), falava não só de Guerras em si, mas, do Nazismo, e, como um ato provocativo e chocante para a época (e até hoje assim o é), escolheu “Führer”, alcunha do Chanceler da Alemanha Nazista, Adolf Hitler, que em tradução para o português significa “líder”, sendo “apropriado” para um vocalista e frontman, que “dita” as letras da banda, então, Rodrigo “Führer”. Já Anderson “Guerrilheiro” foi nada mais que um termo altamente temático escolhido pelo mesmo, assim como o de Nédson “Warfare”.
Curiosamente o mesmo termo foi sugerido para o compor o título do Split, que findou “WARFARE NOISE”. O convite para integrar o elenco da coletânea WARFARE NOISE I se deu por conta do Vladimir “Korg”, vocalista do CHAKAL, que conhecia o HOLOCAUSTO e indicou a banda ao João da Cogumelo, que aceitou. Em 30 de novembro de 1986, fechando o lado dois da coletânea WARFARE NOISE, nascia o War Metal! Nestas gravações, embora já existissem imagens da banda utilizando simbologia nazista, ainda não existia a polêmica que tentou vincular o HOLOCAUSTO com o nazismo. Várias outras bandas usavam a simbologia, como forma de agredir a sociedade, sendo exemplos clássicos Igor Cavalera – ainda uma criança de 13 ou 14 anos – e o baixista dos SEX PISTOLS, Sid Vicious.
A respeito dessas imagens aliás, vale ressaltar que as primeiras são da mesma seção de fotos que marcou a história de outra das maiores lendas do metal nacional: o SARCÓFAGO. Segundo consta, a mãe de Valério era uma das administradoras do tradicional Cemitério do Bonfim, hoje um ponto turístico do metal mundial. Sabendo disso, Wagner Antichrist, então vocalista do SARCÓFAGO, perguntou para Valério se este não conseguiria, através de sua mãe, uma permissão para fotografar no cemitério. Como curiosidade vale ainda citar que as fotos foram tiradas pela Pat, da Cogumelo e que os membros de SARCÓFAGO e HOLOCAUSTO, eram tão amigos que, inclusive, compartilharam indumentaria. O resto é história.
Outro ponto importante a ser abordado é com relação ao pioneirismo do uso do termo “War Metal”. Bandas que falam do tema da guerra, na música extrema, sempre existiram. É só ver clássicos como War Pigs, do Black Sabbath, o Sodom, a temática de várias músicas de bandas punk/hardcore como Discharge, GBH, Exploited, Olho Seco e RDP. Existe uma certa hipótese, levantada em discussões aleatórias sobre a banda americana AT WAR.
Trabalhando com fatos, converge o fato de os gêneros de primeira onda, como citado, muitas vezes se denominarem pela temática? Sim. Existe uma citação, no álbum “Ordered to Kill” do AT WAR, do termo War Metal, mas o álbum citado saiu em 1986, assim como a WARFARE NOISE. Mas em toda a minha pesquisa, não encontrei mais nada relacionado ao termo War Metal antes da sua utilização pelo HOLOCAUSTO.
Pouco antes do lançamento da coletânea WARFARE NOISE, o HOLOCAUSTO fez sua primeira apresentação ao vivo, em 16 de abril de 1986. E logo após o lançamento da coletânea, a banda sofre uma baixa: O baterista Nédson Warfare resolve deixar a banda, segundo ele próprio, para não atrapalhar a banda, devido à problemas pessoais com drogas. Nedson fez apenas este show com o HOLOCAUSTO. Num primeiro momento, a bateria foi assumida por Rodrigo Fuhrer – um excelente baterista que, inclusive, chegou a gravar e tocar ao vivo com outra lenda do metal mineiro, o IMPURITY -, mas logo veio a ser ocupada por outro músico lendário da cena extrema nacional: Armando Sampaio, ou Armando Nuclear Soldier.
Armando havia acabado de gravar a WARFARE NOISE por outra banda: Ele era ninguém menos que Leprous, o então baterista do SARCÓFAGO, que substituía o lendário baterista D.D. Crazy, ou Dudu, que havia deixado a banda por estar morando longe dos demais na época. Segundo o próprio, embora honrado em participar do SARCÓFAGO, as músicas da banda, devido às suas particularidades, dariam pouco espaço para seu desenvolvimento enquanto músico. Nisso, Dudu se mudava novamente para Belo Horizonte, voltando ao SARCÓFAGO, o que também culminou na saída de Armando “Leprous” da banda, então, ao ser convidado por Rodrigo a participar do HOLOCAUSTO, ele não titubeou: Nascia Armando “Nuclear Soldier”.
E foi com essa formação – Rodrigo Führer nos vocais, Valério “Exterminator” na Guitarra, Anderson “Guerrilheiro” no baixo e vocal e Armando “Nuclear Soldier” na bateria – que, em setembro de 1987, nascia um dos mais brutais e mais polêmicos álbuns da cena extrema mundial: Campo de Extermínio. Quando Armando entrou para a banda, apenas as músicas da WARFARE NOISE e a musica Massacre faziam parte do repertório da banda. Um processo de ensaios quase diários resultou na composição, quase em escala industrial de todas as outras músicas do álbum. O maior motivo para este processo acelerado de composição é que o sucesso da coletânea WARFARE NOISE incentivou a gravadora Cogumelo a lançar álbuns individuais com cada uma das 04 bandas participantes. E como ninguém se dispôs – acredito que por ainda não ter repertório pronto. Se verificarmos o Campo de Extermínio saiu pouco mais de um ano depois da WARFARE NOISE – o HOLOCAUSTO se prontificou.
Campo de Extermínio é um álbum sui generis, não só pela temática polêmica que vamos abordar em seguida, mas pela própria estrutura musical. As faixas do HOLOCAUSTO eram caóticas, sendo que as interações entre guitarra, baixo e bateria não são sempre retas. Segundo o próprio Valério ele não seria um guitarrista: Seria o guitarrista do HOLOCAUSTO. Seus solos,bases e riffs são peculiaríssimos e inconfundivelmente caóticos. A repercussão à época, foi o que era de se esperar: Em um mercado nacional mais próximo do heavy metal de bandas como Judas Priest e Iron Maiden, praticamente toda a primeira leva do metal extremo foi execrada, tanto pela mídia comum, quanto pela especializada. Nomes como VULCANO, DORSAL ATLANTICA, SEPULTURA, SARCÓFAGO, CHAKAL, MUTILATOR, PANIC, e é claro HOLOCAUSTO, foram taxados simplesmente como barulho.
A mídia estrangeira, como se veio a saber muito depois, rendia homenagens a esses pioneiros da brutalidade mas, localmente, quem abraçou a barulheira foi a molecada! Shows underground lotados com cerca de 2 a 3 mil pessoas, em cidades como Belo Horizonte e Americana, era coisa que a mídia e o publico da geração anterior, não conseguiam entender.
O HOLOCAUSTO, na sua primeira encarnação War Metal, fez shows por cerca de um ano e meio ou 2 anos. Fazendo uma análise simples, se o primeiro show foi em abril de 1986 e a banda se esfacelou no segundo semestre de 1987, foi esse o período em que o War Metal original pode estar nas estradas. A banda fez cerca de 13 a 15 shows pelo Brasil, nesse período, incluindo cidades como Belo Horizonte, Jeceaba, Presidente Prudente, Jundiaí, Santos… e, um dos shows mais memoráveis certamente foi em Jeceaba, interior de Minas Gerais, para um público com mais de 500 pessoas.