Lembro-me, em detalhes vívidos, das histórias que minha avó materna costumava contar-me, enquanto eu ainda era uma criança ingênua e facilmente impressionável. Ela narrava esses contos com uma habilidade perturbadora, e os protagonistas eram sempre animais que conversavam, carregando consigo lições morais profundas e obscuras. Mas o que mais me aterrorizava era quando ela pontuava o início de suas narrativas com a sentença arrepiante: “essas coisas aconteceram há muito tempo atrás, na época em que os bichos ainda falavam…”
Para aumentar minha angústia infantil, no quarto de minha avó, havia um grande quadro de uma gatinha em pé sobre as patas traseiras, usando um vestido colorido e uma tiara na cabeça, uma imagem que deveria ter um apelo infantil, mas que, em mim, incutia estranhos terrores subconscientes e puro medo.
Certa noite, após ter ouvido um de seus curiosos contos, acordei na madrugada, já no quarto de meus pais, e percebi um estranho movimento em um canto. A porta estava entreaberta, permitindo que a luz da cozinha iluminasse um contorno sinistro que se movia lentamente em minha direção. Meu coração acelerou, e meu corpo ficou tenso, enquanto a silhueta se aproximava de minha cama, revelando um grande felino antropomorfizado que caminhava sobre as patas traseiras. Ele carregava um sorriso demoníaco no rosto, que parecia se aprofundar a cada passo que dava.
Em minha inocência e desespero infantil, cobri a cabeça e comecei a gritar, mas meus pais vieram acudir-me, tentando acalmar-me com a afirmação de que havia sido só um sonho. Mas eu sabia, em meu coração, que aqueles olhos arcanos, com chamas azuis, que haviam me fitado tão intensamente, nunca desapareceriam de meus pesadelos. A presença maligna daquele felino antropomorfizado continuaria a me assombrar, e aquela enigmática risada sádica ecoaria em minha mente, por décadas a fio…
por Juliano Bonacini