ETERNAL SACRIFICE – Sabedoria de uma das bandas mais conceituadas da cena underground.

Entrevista

Eternal Sacrifice com tres decadas de existência mostrando que acima de tudo perfeição em seus trabalhos, uma das bandas de nosso cenário underground mais cultuada e respeitada que ao longo de sua existência vem nos brindando com excelentes trabalhos, vamos conferir uma entrevista cedida pelo zine italiano “Tradition Intolerance Militia” através do colaborador Giuseppe Belfiore e também com questões adicionais feitas por Alan Luvarth redator da Lucifer Rex Magazine, uma entrevista que explana sobre diversos assuntos, onde específica sobre o novo álbum  “Inclinavit Se Ante Altare Diabolvs Est Scriptor… Regere Sinister”, além de revelar bastidores de sua carreira. Vamos conferir…

T.I.M. – Naberius, Tradition. Intolerance. Militia. te dá boas-vindas.
Eternal Sacrifice é uma banda nascida em Salvador (Bahia), em 1993. Como mencionado na introdução, sua habilidade era transcrever uma cerimônia pagã em uma obra musical, tornando seu estilo único. Você pode explicar quais processos pessoais e musicais moldaram o estilo do Eternal Sacrifice?

Naberius – Falar de processo não é nada simples, é muito complexo porque parte de vários caminhos diferentes. Experiências, escolhas, perdas e ganhos e tudo que permeia uma vivência dentro da mão esquerda. A vivência na mão esquerda é repleta de obstáculos mundanos, morais, culturais e isso cria resistência simbólica no indivíduo que está sendo criado dentro de uma cultura judaico-cristã ocidental. Conseguir romper com essas barreiras é um ato de coragem e resistência, por isso não tem como resumir e simplificar essa gama de empirismo que molda a vida de alguém que nega sua própria existência para construir uma nova e ainda assim conviver nesse mundo de hipocrisia religiosa, ganância e construções consumistas de um mundo capitalista. No que cerne a música o Metal mais obscuro e sujo foi o que nos inspirou, apesar de entender que o tipo de Metal Negro que fazemos é polido e rebuscado, não direto e simplista, a escola em que fomos moldados está dentro deste curtume… deste certame que apropria de selvageria e pestilência.

T.I.M. – *Inclinavit Se Ante Altare Diabolvs Est Scriptor… Regere Sinister* (2022), é o quinto álbum que enfeita a discografia. Uma obra dividida em 2 álbuns que sublinha mais uma vez o sólido pacto entre os Eternos Sacrifícios e o caminho da “mão esquerda”. Segundo a tua análise, *Inclinavit…* é o trabalho mais maduro e articulado que fizeste até agora e que diferenças/paralelismos podes apontar em relação aos anteriores?

Naberius – A percepção simbólica que esse álbum carrega está de forma onírica. As diferenças estão nas composições na maneira como elas vão se apresentando cada vez mais complexas e cheias de detalhes, não estão muito distantes de nossos trabalhos mais antigos, porque eles só não conseguiram alcançar os limites que ainda não sabíamos que existia, portanto, o novo álbum entrega toda nossa experiência dos anos de trabalho aliado ao volume de coisas que vamos assimilando com o passar das épocas e a arte que transpiramos acaba sendo exposta nas nossas composições, então anos lendo livros, ouvindo novos discos, assistindo outros filmes/séries, descobrindo novas imagens ou revisitando o passado nos vai dando um arcabouço de intensidade  teórico e prático que podemos oferecer nestas canções. É disso que é feito nossas almas, de chamas incandescentes, apesar que entregamos aos ouvintes não chamas, mas cinzas do que queimamos ao nosso redor.

T.I.M. – Cada um de seus lançamentos tem uma conotação distinta na elaboração de títulos de álbuns e músicas. Essa característica é consequência de anos de estudo e dedicação ao universo das artes negras. Como nasceu a tua paixão pelo “lado negro” e que impacto teve na tua vida pessoal e musical?

Naberius – Ainda criança, nas histórias o que sempre me chamou a atenção foi a reportagem à magia como algo maligno, coisas que esse universo cristão disseminou como “verdade” dentro de sua cultura patriarcal. Ou seja, tudo que não fosse cristão, era amaldiçoado e malfazejado, isso sempre foi um universo interessante para mim e me fez querer conhecer melhor tudo isso, ainda que fosse só por curiosidade. De outro lado, o obscuro sempre me fascinou, simplesmente por ser obscuro, não estar disponível, ser misterioso e distante, longe do alcance de qualquer pessoa, ao contrário de muitas coisas que nos são oferecidas, o oculto não nos era oferecido, sempre foi algo que, na minha visão, deveria ser conquistado, desbravado, devassado e descoberto. Assim, aos 13 anos de idade tive contato com meu primeiro livro sobre ocultismo, não era nada de excepcional, mas para mim, na época, era bastante significativo e abriu portas para que eu conhecesse outros títulos e outros autores através das referências bibliográficas, então não foi simplesmente ler um livro, mas ter a condição de ir navegando por mares turvos até encontrar a luz, a chama do conhecimento oculto e da sabedoria pagã. Naturalmente um ouvinte de Metal, se interessa por ocultismo por causa das bandas de metal que falam sobre o assunto, no meu caso isso se deu ao contrário, eu me interessava por ocultismo e um dia na minha escola um colega me falou de uma banda que falava sobre o Diabo (risos), era o Possessed, e isso despertou minha curiosidade, não pela música a princípio, mas pelo que a letra dizia na música, isso era 1985 então conheci o Possessed, Slayer, Exodus e Dark Angel, depois disso, não tive como parar. Além de toda essa narrativa sobre meu ingresso no lado oculto, eu sempre fui diferente dos que estavam ao meu redor, muitos diziam que eu sempre era do contra, na verdade eu sempre fui muito anti-sistema, fazer parte de um padrão sempre me incomodou.

T.I.M. – De 1996 até hoje, muitos músicos passaram pelas fileiras do Eternal Sacrifice, o que sugere que manter uma formação estável e duradoura é uma tarefa difícil. Por qual ditado você escolhe as pessoas para embarcar em seu navio pagão?

Naberius – Uma banda underground passa por diversas provações no decorrer de sua história e no seu processo construtivo, lidar com pessoas também é um processo árduo, partindo do princípio que cada mente é um universo, esses universos quando convergem eles giram dentro de uma lógica, porque estão alinhados. Quando essas mentes divergem e a harmonia sistêmica desse universo desalinha entram vários parâmetros que fazem essas mentes incomodarem ou pior, se sentirem fora de linha. As pessoas que saíram das nossas formações não estavam mais alinhadas com o processo, queriam coisas que não faziam parte da convergência e isso nos trouxe muitas experiências amargas, porém necessárias para encontrar equilíbrio e força motriz para continuar em busca da transmissão de raios luzentes. Muitas vezes eu não consigo escolher as almas que ingressam nesse recipiente áspero e cheio de pedras, é o ente que se apresenta e consegue se adaptar ao recipiente feito água que se acomoda nos espaços e fendas, chegou um momento em que não mais invoco as almas elas tomam posse dos corpos feito possessão e assumem seus postos como algo que já estava predestinado, por isso considero a Eternal Sacrifice uma entidade que está num eixo paralelo em que a música que fluímos, os dizeres que proliferam e as imagens que criamos são reflexos dessa entidade que faz luzir estes fragmentos perpétuos.

T.I.M. – Me conecto com a pergunta anterior. Na juventude quase toda banda é uma explosão de ideias e energias que são canalizadas para a música, mas com o passar do tempo, fatores como: trabalho, família, etc etc, fazem com que a maioria das pessoas mude. Quais foram os maiores desafios que você teve que enfrentar para manter a chama dos Eternal Sacrifíce sempre acesa?

Naberius – São os mesmos obstáculos que expus na primeira questão, são fatores culturais que criam esses obstáculos e é necessário que criemos fórmulas de burlar esse sistema para conseguir expressar a arte que queremos. A principal chama que nos move é a satisfação destes entes que formam essa egrégora, ou seja, tudo que produzimos primeiro nos serve e o que respinga nos demais é uma mácula obscura sem similares, sem nada que possa ser comparado porque é uma emanação cheia de energia criativa, vontade de potência, fogo interior. Ao passo em que ter uma vida mundana nos força a saber, de fato, driblar ou destruir os obstáculos para dar vazão a tudo que nos queima por dentro.

T.I.M. – *Musickantiga… Prédicas do Vero Báratro (Cantata Lúgubre, the Revive Rapture of the Shadows Cult)* (2003). Já se passaram exatamente duas décadas desde seu primeiro álbum. Quais são suas considerações a esse respeito e qual é o valor espiritual e emocional do Eternal Sacrifice hoje?

Naberius – Esse material foi construído e erguido após muito esforço e tomadas de decisões muito definitivas, foi o momento em que a banda passou por sua mais profunda mudança de entes que faziam parte do círculo e, o momento em que tivemos a coragem de investir no nosso delírio empurrando os obstáculos para o precipício. Foi a mudança de chave que precisávamos para poder seguir em frente naquela época, já que estávamos estagnados em formatos que já havíamos esgotado todas as nossas energias. A renovação, os novos passos eram necessários que acontecessem naquele momento que representavam o amadurecimento simbólico de nosso íntimo criativo. Ali estava se concretizando nosso divisor de águas, aquele artefato que nos mostraria, feito um oráculo, o que nos reservava o futuro. Assim ele foi, a mola propulsora para o estágio em que estamos hoje e tenho certeza que se não tivéssemos lançado aquele material, naquele momento, teríamos perecido e hoje seríamos lembrados como uma banda que lançou quatro demos nos anos 1990.

T.I.M. – No Brasil, o Eternal Sacrifice goza de uma merecida estima graças ao trabalho que realizou ao longo dos anos. Como você descreveria a banda para uma nova audição?

Naberius – Acredito que você quis se referir à um ouvinte de Metal Negro que ainda não conheça o som da banda, seria muito difícil de descrever o nosso som, tamanha a diversidade sonora que impregnamos nessas canções, não há como dar referencias, exatamente porque as referências estão diluídas nas construções sonoras e nas simbologias que colocamos nessas construções. Esse ouvinte pode esperar por uma sonoridade que te carrega para lugares diferentes o tempo todo e intensamente, entregando uma massa maligna que não está numa receita, não tem manual porque sempre fomos livres, sem amarras, ainda que estejamos no nicho do Black Metal, que confio ser o rótulo mais apropriado para o que fazemos, talvez não musicalmente, mas liricamente, justamente por não termos um padrão sonoro de fácil identificação como as escolas brasileiras ou suecas, e norueguesas, ou gregas etc… nós erguemos o nosso próprio império de sentidos através das nossas músicas. Claro que o ouvinte vai conseguir identificar as referências que usamos para compor nossos hinos, mas isso não determina uma linha sonora homogênea, não somos homogêneos na nossa sonoridade, não há como sermos.

T.I.M. – Cada uma das suas canções é conjugada a um conceito ritualístico pertencente a várias culturas do passado. Se você tivesse a capacidade de se teletransportar para uma era histórica, qual seria e por quê.

Naberius – O passado é um ponto de inspiração, porém nunca tive essa vontade de voltar ao passado e vive-lo, eu sempre achei que temos obrigação de entender as lições que o passado nos trouxe para ressignificar o presente e pavimentar uma estrada diferente para o futuro. Eu admiro o passado escrito nos livros, traduzidos nos filmes, nas obras de arte, mas nunca quis estar lá, no passado.

T.I.M. – A cultura ilumina o caminho e a razão o segue. Aplicando esta máxima ao Black Metal podemos definir uma fusão sublime entre Cultura e Música. Em uma sociedade cada vez mais deslumbrada pela superficialidade cotidiana, a música Metal pode ser um “trampolim” de alienação espiritual e mental, bem como de crescimento pessoal?

Naberius – A cultura de um povo é recheada de elementos e a Arte é um desses elementos… o metal nos parece um elemento cultural com referências universais sem aquele dito relativismo, ele vai se apropriando de diversas culturas e rompe com as fronteiras físicas e virtuais que as nações, os povos, o mundo construíram na sua história e evolução. Por tanto eu enxergo a expressão artística que a música faz através do metal, algo sem linhas que separam essas aparentes culturas formais. A música como este elemento de construção de expressão, por sua vez, deixa também de se referir a uma só ideia cultural ao passo que elementos de inserção universalizantes que encurtam as diferenças como uma linguagem escrita em comum (inglês em geral) uma estética nas produções, temáticas e comportamentos, fazem do Metal em si uma cultura paralela, um universo paralelo onde as pessoas se identificam, se reconhecem independente de onde estejam e que língua falam (se expressem) que costumes e hábitos tenha, a mensagem por trás da arte expressa através do Metal será compreendida onde for, já sobre o crescimento pessoal e/ou alienação depende de outros fatores alheios a expressão artística que é uma construção sobre família, vizinhos, parentes, amigos, colegas de escola, de faculdade, de trabalho isso vai compondo o indivíduo além de onde ele se sinta influenciado ou influente, creio que o Metal pode ser um desses agentes influentes na vida de uma pessoa, porém não determinante, não sei se o Universo Metal pode definir caráter, inteligência ou aspectos morais/éticos de alguém.

T.I.M. – No campo musical, o Brasil é reconhecido mundialmente por ser o berço de bandas imortais. A cena Underground parece continuar crescendo apesar dos vários obstáculos sociais e econômicos que assolam o país. Na sua experiência, quais são os cânones que tornam essa cena tão respeitada e única?

Naberius – Fato que a cena metal brasileira sempre teve altos e baixos, mas nunca parou de surgir novas bandas, apesar de todas as dificuldades que você citou na pergunta. Além dessas questões existem outras mais profundas, que foram forjadas na transição entre os anos de 1980 e 1990 que foi o radicalismo, se por um lado o radicalismo foi o principal alicerce criado para a manutenção do underground, por outro ele foi extremamente nocivo na medida em que produziu uma cegueira periférica naqueles que fizeram parte daquela história, fatores que impediram do presente ter espaços organizados para eventos, selos/gravadoras com força e representatividade e profissionalismo, conexões entre os estados que facilitassem a cooperação entre os integrantes e que isso representasse verdadeiramente uma cena e não negócios, enfim, muitas coisas que foram sendo sabotadas por essas atitudes do passado e que são estes frutos amargos sendo colhidos hoje. Ao mesmo passo, não podemos negar que bandas como Sepultura, Sarcófago, Vulcano e Mystifier foram bandas que levaram o nome do país para o mundo e conseguiram carregar o nome de outras inúmeras bandas, creio que hoje o Krisiun seja um desses nomes que foram alçados ao mainstream graças a estas bandas que citei anteriormente. Claro que estou usando essas bandas como referência porque fazem parte do que entendo como Metal Extremo, mas a lista de bandas que fazem jus a esse legado é extensa e não para de crescer.

T.I.M. – Cada membro da banda escolheu um nome muito particular, por exemplo o seu é: Magister Templi Lhorde Haadaas Naberius. Como aconteceu esse batismo?

Naberius – A maior parte dos pseudônimos dos integrantes foram feitas por mim, em verdade é buscada uma conformidade que harmonize com a ideologia que cerca a banda e o batismo se dá através dessas ideias, também tento alinhar com a personalidade do ente para que haja essa identificação tanto do pseudo quanto da satisfação do ente, porém, em alguns casos, o ente já traz seu pseudo consolidado, principalmente se ele passou por outra banda antes.

T.I.M. – Eternal Sacrifice é um ato hierático solene. O uso de túnicas pretas e objetos ritualísticos associados mostram sua devoção. De forma concisa, como você pode descrever sua conexão ou “fé” em conjunto com o que sua música professa?

Naberius – A imitação é uma premissa muito interiorizada pelos seres humanos, nós admitimos que imitamos a aparência daquilo que admiramos e que perpetuamos ou ressignificamos com nossas expressões. Os sortilégios são arquétipos que nos inspira, que nos identifica e que integra o nosso imaginário. Nesse sentido voltamos a falar de aspectos culturais intrínsecos que fazem parte de nosso subconsciente e de nossas experiencias sobre o conhecimento do oculto no decorrer do tempo, é sobre esse tipo de simbologia que buscamos dar atmosfera ao que representamos através de nossa música, nossa imagem é o reflexo dessa cultura ocultista que cultivamos interiormente e que ela nos fala mais alto, em outros momentos também já direcionamos nossa aparência estética para o metal tradicional, por exemplo assumindo os spikes, o couro e o metal, mas, vez por outra, nós sentimos que nossa verdadeira essência são os mantos negros, os capuzes, as mortalhas conversam melhor com o tipo de som que emanamos e o tipo de mensagem simbólica que nós nutre e nos motiva a expressar, é um conjunto de coisas que culminam com o que queremos através de nossa música.

T.I.M. – Dados os seus anos de caminhada no caminho do Underground, posso dizer que você é um veterano. Quando você começou a espalhar a palavra pela banda, você esperava que hoje o black metal fosse se tornar um fenômeno global (infelizmente)?

Naberius – Quando comecei a produzir uma música voltada para o Metal Negro, o estilo era considerado maldito e poucos queriam associar seus nomes ao estilo, principalmente pelo fator que cerca uma banda de Metal Negro da segunda geração (1990), que eram bandas que já não eram tão caricatas quanto as dos anos 1980, que queriam mais impressionar com pirotecnia e causar polemicas por causa de um impacto sonoro ou visual, as bandas dos anos 90 queriam tudo isso, porém menos teatrais e mais próximas de uma realidade, um estilo de vida e não uma fantasia que se tira e coloca. Foi por essas e outras que naquela década de 90 o radicalismo era a força motriz do movimento que causava repulsa e mantinha afastada uma gama de pessoas que não compreendiam o que era feito, então o Black Metal circulava no meio restrito e fechado, acredito que nos anos 2000, o Black Metal foi entrando no mainstream sendo mais aceito, mais visto e até mais “popular”, cresceu vertiginosamente o número de bandas, assim como a quantidade de lançamentos, de shows e isso, evidentemente faz crescer a quantidade de público e o  Black Metal deixa de ser um nicho “artesanal” e passa a fazer parte de uma indústria. Fatalmente esse passo não estava nas minhas visões mais aterradoras, mas isso aconteceu de fato e não há como retroceder, há como analisar, criticar, encontrar caminhos alternativos, desconstruir estereótipos e buscar sair dos rótulos. Além dessas mudanças terem acontecido, outro fator preponderante para a massificação do estilo tem sido a rede mundial de computadores, o que facilitou demasiadamente o acesso às músicas, as bandas, a exposição visual, ideológica e tudo mais sobre um estilo que era meio que guardado dentro de uma arca que foi arrombada e ficou sem tranca.

T.I.M. – Hoje o uso da internet e das redes sociais conectadas tornaram tudo mais usável, porém fazendo desaparecer a emoção natural de descobrir uma banda como antigamente. O underground com o conceito da sua geração é apenas uma miragem nostálgica hoje?

Naberius – Eu vejo a internet como uma ferramenta super útil, eu não acredito que seja a ferramenta a ruína de algo, e sim quem a utiliza, quem manipula a ferramenta é o verdadeiro corruptor das ações que fazem determinada manifestação se tornar corrompida, promíscua. Existe um fio de navalha que divide estes dois pontos, acredito e testemunho, ao menos aqui no Brasil, vários pontos de resistência às novas tecnologias que a rede de computadores enseja, como círculos onde bandas só gravam em mídias analógicas, que fazem o possível pare evitar que isso caia nas redes, uma busca por fidelizar seus ouvintes como membros destes círculos e que pactuem em manter íntegra essa permuta analógica sem que ela seja corrompida, apesar de compreender que isso é algo extremamente difícil, mas há uma tentativa de se manter esse som produzido como restrito e que circule dentro desse meio restrito. Não há como negar, do outro lado do fio, que as novas tecnologias facilitaram muito a velocidade com que vivemos a vida hoje, é tudo muito instantâneo e extremamente superficial, a geração que aponta não se dedica às coisas com o mesmo prazer que a minha se dedicava, é uma geração de 15 segundos e que descarta as coisas com muita facilidade, uma memória cerebral difusa, com pouca retenção e uma deposição, uma apostas na memória virtual das máquinas, das nuvens e o underground não está e não foi projetado para ser assim, eu vejo as sociedades adaptáveis, porém não arruinadas pela tecnologia como ela tem sido nociva a contraculturas como a do Metal.

T.I.M. – Quanto ao aspecto vivo, Eternal Sacrifice realiza uma cerimónia mais do que um simples conceito, transfigurando o palco num altar de sacrifício. É difícil para uma banda underground tocar ao vivo com frequência e como você se prepara antes de uma apresentação ao vivo?

Naberius – Infelizmente tocar ao vivo no Brasil é um complexo raciocínio que inclui interesses diversos, desde amizades até a lucratividade que esse evento pode propor à quem o produz. Nós tocamos muito pouco, provavelmente porque não devemos ser uma banda comercial e isso dificulta os produtores brasileiros se interessarem em promover algum evento conosco, ao passo que percebemos que fazem o possível e o impossível para realizar eventos com bandas estrangeiras aqui no Brasil… Não posso afirmar que isso acontece com outras bandas, posso falar apenas pela Eternal Sacrifice, que é uma banda que requer que seu show seja cercado de um cenário, que se crie uma atmosfera, se tenha um bom palco e equipamento de boa qualidade. Já ouvimos, diversas vezes, que temos muitos músicos e que isso encarece os eventos e que por esse motivo fica difícil tocarmos fora de nossa cidade (é muito importante comentar para quem não tem noção das dimensões continentais do Brasil, os estados são bem distantes uns dos outros e passagens aéreas aqui são muito caras). Enfim, bancar um show com nossa participação, em geral, não faz parte dos planos da maioria dos produtores de eventos no nosso próprio país.

T.I.M. – Ouvindo Eternal Sacrifice pela primeira vez, tive a impressão de me encontrar imerso em uma obra antiga que de alguma forma me lembrou o Carmina Burana. Além do metal, você se inspira ou ouve outros gêneros como música clássica e ópera?

Naberius – Sim, considero muito importante, agora falando como músico, que tenhamos a capacidade de pesquisar expressões musicais diversas e entender como essas células musicais podem ser inseridas nas nossas, ou mesmo, não apenas por pesquisa, mas por curiosidade. Aprecio opera e isso foi um dos fatores que me inspiraram para compor peças operísticas na Eternal Sacrifice, é nesse momento que me sinto um solitário num campo de centeio que tem visões aterradoras sobre o mundo e dá significado a esse império de sentidos, uma espécie de Van Gogh do Black Metal, sem cortar a orelha ou sem se suicidar, ao passo que essas cenas trazidas pelo universo musical fora do metal aguçar nosso senso crítico, nos dá experiência de querer aproximar os ganhos sonoros ou repulsa aquilo que não coaduna com o que ansiamos, é muito mais fácil emitir juízo de valor sobre aquilo que conhece, do que sobre aquilo que não experienciou. O gosto precisa ser também uma construção racional, não apenas intuitiva como, geralmente, nossa sociedade impõe, o gosto deve ser regado de experiências, ainda que amargas sobre as coisas e é nesta intenção que vou construindo meu gosto também de forma racional, buscar o conhecimento das coisas para não emanar preconceito.

T.I.M. – Naberius, você também faz parte do projeto Diabolism, com o qual lançou um Ep *Sidvs* (2021). Conte-nos sobre este projeto e planos futuros relacionados.

Naberius – Diabolism é uma horda que foi criada há mais de 10 anos atrás, porém com o nome Diablerie, mas o nome acabou soando estranho para o ideal que a banda pretendia emanar e porque já existiam outras bandas que já tinham esse nome. Passado algum tempo, mudamos para Frost Drakkul Dungeons e o nome também soava distante do que realmente estávamos passando nas composições, ou melhor, o que eu pensava em expressar nas letras e a sonoridade do projeto era outra, por volta de 2018 nós conseguimos uma formação e voltamos com o nome Diablerie, e ainda assim eu achei que soava mal e então sugeri o nome Diabolism e foi acatado pelos demais. Passamos algumas dificuldades que davam conta das ideias sonoras e o tempo de dedicação ao trabalho e houve uma reformulação que acabou sendo a melhor escolha. A partir dessa reformulação, fizemos uma brusca modificação na sonoridade da banda, gravamos um EP que foi lançado em dois formatos: CD e K7, de lá pra cá estamos trabalhando na pré-produção de um álbum completo, já está todo composto, mas temos outros planos na frente antes de concretizarmos o material da Diabolism com a Eternal Sacrifice, então as coisas ainda vão demorar um pouco para conhecer a luz.

T.I.M. – Como você é uma pessoa muito espiritual e não plana, você tem sua própria concepção sobre o que nos espera depois desta jornada terrena?

Naberius – eu acredito que essa expiação é um espaço, a morte é repleta de mistérios que fez com que o homem, inquieto, pensasse sobre de que forma ele iria conseguir explicá-la e de fato isso nunca ficou muito claro, tantas religiões e poucas respostas. Não me considero capaz de dar uma explicação para algo tão inexplicável, apesar da morte ser uma sentença, um fato em que todo o ser vivente vai passar, não sei se para um plano em outra dimensão similar ou estranha, não apenas a morte, mas a vida é um mistério que vez por outra eu tento compreender e refletir sobre a existência, até que ponto essa existência tem algum sentido, a morte se tem sentido. Ao passo que me considero demasiadamente racional em muitos aspectos, relatos sobre a vida pós morte me causa muita estranheza.

A. Luvarth – O novo álbum …Regere Sinister já vinha um bom tempo sendo trabalhado, e foi lançado com uma certa demora, deixando os admiradores da banda na expectativa, qual o motivo dessa demora?

Naberius – nós passamos por algumas questões com os selos, pois existia um projeto para ser lançado em 2022, era um prazo que datava por volta de dezembro, mas foram acontecendo mudanças na arte e essas mudanças demandaram algum tempo, além disso houve alguns atrasos na entrega de alguns itens do box, enfim… foi o suficiente para atrasar. De fato, a data inicial do lançamento era outubro de 2022… mas foi adiando, adiando e saindo em maio de 2023.

A. Luvarth – A capa de “…Regere Sinister” foi feita pelo artista Rubens Snitran, um artista consagrado, como foi essa escolha?

Naberius – eu fiquei a par do trabalho do Rubens através da capa de um álbum do Spell Forest, então fui pesquisar e cheguei a contatá-lo, sondei outros artistas também na mesma época, mas eu já tinha em mente que eu queria o trabalho dele porque possuía o jeito que eu gostaria que fosse a aparência da arte para o álbum, ao mesmo tempo eu não queria intervir na produção da arte, pois todas as vezes eu vou direcionando o que quero pra poder ficar de acordo com o que eu quero expressar nas músicas, queria que a visão sobre todo o material fosse do artista a partir dos textos que escrevi para a obra. Então eu pedi primeiro que ele fizesse uma logo, depois dez gravuras e por fim a capa, foi um material realmente trabalhoso que ficou pronto mais de um ano depois que encomendei, aliás ele é extremamente detalhista e por isso ele já nos deixa cientes que não vai ser rápido, além dele ter outras atividades e não ser exclusivamente artista plástico, fora as encomendas das outras bandas.

A. Luvarth –  Ainda sobre a belíssima capa de “…Regere Sinister”, que é uma obra impressionante, com muitos detalhes simbólicos na arte, comente sobre esse contexto artístico, foi uma criação sua ou você deixou o artista livre para a criação?

Naberius – a criação foi total de Rubens Azoth, como eu disse, eu entreguei as letras e ele fez o trabalho inspirado nesses dizeres, claro que um conhecedor de arte vai notar que houve uma inspiração na obra do artista Albrecht Dürer (artista do século XVI Renascentista Alemão, excepcional xilogravurista), principalmente na sua obra “O último julgamento” de 1511. Mesmo trazendo essa referência ele foi magistral, criativo e capturou a verdadeira essência do que versam as letras do trabalho.

A. Luvarth – “…”Regere Sinister” é um trabalho conceitual dividido em dois cds, comente sobre esse “conto” que daria um livro e até mesmo um filme para aqueles mais curiosos na temática?

Naberius – É uma história sobre um errante que deseja prolongar a sua vida e para isso fará um pacto através do sacrifício de uma mulher intocada. Foi um trabalho bem grande e de fato tem um roteiro de filme, não é um filme de suspense, mas diria que é na visão do assassino, pois não envolve investigação, nem perseguição da polícia… É o passo a passo de um ritual de sacrifício que leva algum tempo para se concretizar. Esses passos são contados em dois atos, uma peça que poderia ser facilmente encenada. Vale ressaltar que nós sempre trabalhamos com peças operísticas, apesar de algumas adaptações para que a música tenha clímax, se a peça sofrer uma roteirização para teatro ou cinema teria toda a base construída. A narrativa se dá através de poemas metafóricos, outra característica que temos desde que surgimos e uso três línguas básicas: inglês, português e latim. É possível também perceber que uso língua ritual em partes das músicas que são as inspirações ocultistas que impregnou na obra.

A. Luvarth – Quais foram as inspirações musicais e temáticas para a criação de “…Regere Sinister”?

Naberius – Esse álbum foi um resgate sonoro próprio, buscamos inspiração nas nossas primeiras demos “The Magician Alcandro” e “Aradia… O Segredo Pagão de Elêusis”, naquela época nossas maiores inspirações eram bandas como Master´s Hammer, Opera IX, Candle Serenade, Mortuary Drape, King Diamond/Mercyful Fate, Rotting Christ na sua melhor fase do “Passage to Arcturo” e “Thy Might Contract”, Varathron, Necromantia e Samael. Claro que essas influências todas também se aliaram a outras do decorrer do tempo, além de termos uma forte conexão com bandas de Doom como Memento Mori, Candlemass e Solitude Aeturnus, tudo isso e mais nossa própria forma de compor e construir as canções resulta no “Inclinavit Se…”.

A. Luvarth – Pela excelente qualidade musical, gráfica e temática este foi o trabalho mais difícil da banda? ou prazeroso pelo complexo geral?

Naberius – eu não diria que foi o mais difícil, porém foi o mais trabalhoso, desde a pré-produção, até todo o período de gravações em plena pandemia, ao passo que compreendo ele como um disco complexo na sua completude, como um todo, seja nas músicas que tem uma elaboração muito meticulosa, cheia de detalhes, arranjos e andamentos que mudam constantemente, na construção das vozes e das descobertas de novas formas de cantar, inclusive em crise de rouquidão (risos). As letras que foram as mais profundas que já havia escrito, que superou o trabalho que tive em “Ad Tertivm…” e ter enfrentado algumas crises nesse processo internamente (em relação a conflito entre os integrantes, desavenças etc.). então a dificuldade se apresentou nesse contexto e não na composição, digamos assim, e o prazer foi ter conseguido finalizar com uma baita arte gráfica, com uma materialização de excelência, mas somos um tanto quanto exigentes e ainda poderia ter sido um pouquinho mais, esse mas fica sempre pra próxima, compreendendo que arte é sempre um sarrafo que sobe a cada tentativa.

T.I.M. – Magister Templi Lhorde Haadaas Naberius, a cerimônia atingiu seu pico. Agradecemos e desejamos que você prolifere com sua arte sombria. Conclua a entrevista com uma última mensagem.

Naberius – Quero aqui expressar todo meu agradecimento pelo convite e por este valoroso espaço em seu magazine. Agradeço também por essa extensa entrevista a qual pude devagar sobre meus pensamentos mais profundos. Aqui quero deixar as palavras do abismo que vos cubra de escuridão, dizer que a horda Eternal Sacrifice é uma entidade maligna que propaga apenas dor e sofrimento, sombras, cinzas, chagas, fumaça e vazio… não estamos aqui para trazer a luz e sim emaná-la através de nossas almas incandescentes, uma por ser uma luz ofuscante apenas de olhos fechados é que serão capazes de nos enxergar já que não há luz sem escuridão e é lá que nos verão, na escuridão que o reino dele… que as hostes mais perversas persigam incessantemente aquele que se dispuser a conhecer os dizeres sem pertencer de corpo e alma a Satã ou mesmo sem ter feito pacto com a Suprema Inteligência Universal.

Ahar Ethan