Venho há algum tempo falando que abordarei sobre a bifurcação sonora do Thrash Metal que, afinal, carrega junto desta sonoridade a abordagem lírica e isso tudo tem algumas possíveis origens as quais eu atribuo aos estilos sonoros e ideológicos que influenciaram o estilo Thrash na sua essência com o surgimento do Metallica e do outro lado o Slayer.
Faço esse paradoxo porque a análise entrega que estas duas bandas praticam e/ou praticaram o mesmo gênero, possuem praticamente as mesmas referencias, mas cada uma segue para uma identidade sonora e lírica que as colocam em pontos opostos e, inclusive, criando legiões que as seguirão formando subdivisões do Thrash Metal ao longo do tempo as quais carregarão consigo estas identidades, sonoras e ideológicas. No primeiro caso que, do que trouxe aqui sobre o Metallica, está a raiz da ideologia Hard Core, porém com menor teor político e radical, mas ainda assim crítico e realista, sobretudo que essa vertente tenha sido mais forte ao influir o Metallica e ter feito bandas que tivessem sido influenciadas, por sua vez, pelo próprio Metallica, que seguissem essa lógica, afinal trata-se de um estilo artístico e como preconiza os aspectos modernistas muito vivos ainda neste período da história, ter um discurso fazia com que seu objeto artístico fosse muito mais atraente, mais interessante.
Lidar com uma juventude em tempos difíceis imediatamente me reporta a ideia de que “tempos difíceis constroem sujeitos fortes e tempos fáceis constroem sujeitos fracos!” os anos oitenta do século vinte foi um período apropriado para construção de sujeitos de forte personalidade, pois estavam num levante cultural controverso onde o cenário político mundial era tenso e a implantação de ideologias bilaterais, polarizadas, também eram muito acentuadas. O Capitalismo não era, necessariamente, algo fácil de ser aceito, mesmo para os ocidentais, mais ainda para uma classe operária, periférica e oprimida que configurava o perfil daqueles que mais se identificavam com o estilo Punk e Metal ou mesmo Hip Hop e Skinhead entre outras, sobretudo nos Estados Unidos, portanto estar contra o sistema tinha uma origem que dizia respeito ao seu “modus vivendi”, também, imediatamente, associável ao embates entre os opostos, o ar de rebeldia e contestação e não há lugar mais propício para isso ser expresso que a própria arte enseja e viceja através dos costumes, através da fruição artística e, ademais, estar a margem dos padrões sociais era algo que cabia ao jovem moderno, assim como cabia perfeitamente a poética artística.
Questionar as instituições dominantes, aos homens que determinavam a sistemática social sem se quer saber qual seriam as necessidades de seu povo, firulas verborrágicas, hipocrisia, demagogia e afins, tão comuns e explícitas nessa época, davam conta de uma sociedade extremamente refém deste sistema que a engessava, a tornava inerte e imóvel diante de tudo aquilo que estava acontecendo e tudo que gerou aquele status do mundo bipolar. Seria de fato a contracultura a voz da rebeldia, a voz do antissistema e isso estava nítido naqueles jovens que eram classificados como desordeiros, mas era lógico porque eles não estavam enquadrados na ordem, ao passo que eles estavam contra o sistema político e social e sua música e suas atitudes, eram um grito de “chega! nós precisamos nos reconhecer como culpados de sermos apenas cordeiros e não lobos”.
Ao que tudo antecede essa postura está firmada através do que se tornaram as bandas de Rock e tudo foi ficando cada vez mais radical, mais profundo, mais agressivo. Refletir profundidade, agressão, estava em como estes jovens se vestiam, se comportavam e atuavam dentro dessa sociedade engessada, como sua música soava aqueles que não pertenciam àquele “modus vivendi” que não sabiam, não queriam saber e tinham raiva de quem sabia que tipo de manifestação era aquela e o que lhes cabiam era combater, diminuindo, invalidando, invisibilizando, ridicularizando, ou seja, transformando toda aquela manifestação em algo insignificante a sociedade, algo que não faria a menor diferença existir ou não existir e foi assim que se deu o processo, mesmo quando bandas como Metallica atingem o estrelado, sucesso mundial, eles se veem forçados a se enquadrarem ao sistema que aceita uma estética mais “clean” com cabelos bem cortados, roupas mais adequadas e músicas mais acessíveis, isso seria se render ao peso do sistema capitalista e imediatamente essas bandas já teriam seu reconhecimento no movimento underground como não mais um deles e sim, uma banda que se rendeu ao sistema, se vendeu ao sistema.
Por tanto, os padrões sonoros moldados pelo Metallica nos anos 80, formaram uma linha seguida por uma boa parcela de bandas de Thrash Metal assim como muitas delas fracassaram no final da década e outras entraram nos anos noventa, em nova fase da ordem mundial, bem diferente do que preconizou os anos 80. No anos 90 os reflexos do fim da guerra fria, a queda do muro de Berlim e da assombração de uma doença sexualmente transmissível e incurável, a AIDS, vai dar tons diferentes sobre a sociedade vigente que já tinha outra configuração sobre a música àquela altura a pluralidade de estilos que os anos 80 deixaram como legado estavam estampadas na TV e na propaganda, fazendo com que a música deixasse de expressar apenas arte e ia além, era um produto de consumo que poderia estabelecer novos padrões. Fisgar os jovens era algo que estava muito bem traçado pelas agências de propaganda e a visão comercial das gravadoras que, ainda nos anos 80, usaram a espontaneidade das ruas em produtos vendáveis como o comportamento, as roupas, os acessórios, as gírias e a imagem das bandas através de curtas cinematográficos, os famosos videoclipes.
Ao passo que do outro lado do paradoxo tínhamos bandas como Slayer que rasgava o véu da hipocrisia religiosa criando uma estética visual e sonora que afrontava o cristianismo institucional, que enveredava pelo imaginário sobrenatural e fantasioso que o Venom deixou tão mais extremo, mais que o próprio Black Sabbath não teria ousado tanto. Slayer vai inaugurar uma vertente que também era antissistema, no mesmo peso que criticava a política, ser oposição ao cristianismo, sendo que é/era a mais expressiva e influente religião que a humanidade experimentava em séculos a fio, sobretudo os ocidentais forçados por missões e estratégias que giravam entre sedução, riqueza, poder e morte.
Slayer, que por sua vez, teve sua inspiração maior no Venom, deu vazão a um tipo de sonoridade que segue para uma segunda vertente sonora do Thrash Metal, mais rápida, mais violenta e, ao mesmo tempo, sombria, perversa chegando ao ideal de blasfêmico, profano. Essas percepções estão misturadas, tanto na música quanto nas letras e isso vai ser seguindo por outra legião ao mesmo passo que também vai ditar uma segunda estética que, de um lado é político do outro é religioso. Não há como não fazer comparações históricas com esses comportamentos porque as duas grandes “instancias” que a humanidade criou como elementos de poder: política e religião, sempre foram esses arquétipos de manipulação e determinação de padrões sociais e, do outro lado, está uma massa que pensa de forma contrária e tende a criar estratégias de combate a essas sistematizações, caso da contracultura aqui representadas por essas classes oprimidas e, estreitamente, relacionadas com a juventude do final dos anos 70 e toda a década de 80 do século passado.
É com essa configuração também bipolar, que o Thrash dará seus primeiros passos com o seu estilo, de um lado Metallica, Megadeth, Anthrax e outras dando um padrão sonoro, estético e lírico nas questões sociopolíticas, de outro lado Slayer, Dark Angel, Sodom, Destruction e outras com um padrão anticristão, fantasioso, sobrenatural e até mesmo metafísico (filosoficamente falando). Tudo isso começa a ficar mais difuso no final dos anos 80, principalmente quando algumas bandas começam a flertar com outros subestilos de Metal ou mesmo mesclar com outras células sonoras e aí começa a descambar para algo muito mais arriscado. Arriscado no que diz respeito a descaracterização do Thrash, ao passo que também propõe inovações e conquista de novos públicos, certamente os públicos que não são mais os mesmos dos anos 80 e sim os filhos dos anos 80.
As bandas de Thrash nos anos 1990 perderam as referências que tinham (talvez o termo não seja perder, mas deixar para trás), ficaram meio que alheias ao que estava por vir quando bandas que primavam constantemente por experimentalismo como Sepultura que grava um álbum como o “Chaos A.D.” 1993 (Roadrunner Records) e Overdose “Progrress of Decadence” 1993 (Cogumelo Records) que passa a flertar com outras sonoridades como sons tribais, o famigerado groove, o industrial e um ar muito diferente do que eles faziam em seus álbuns mais Thrash a partir do “Schizophenia” 1987 (Cogumelo Records) e “Addicted to Reality” 1990; “Circus of Death” 1992 (Cogumelo Records). É muito importante dizer que a maioria das bandas de Thrash nos anos 1990 tiveram alguns caminhos trágicos, ou acabaram, ou seguiram caminhos similares ao que o Sepultura e o Overdose tentaram trilhar, assim como surgiram bandas que ganharam público e mercado usando o Thrash Metal como bandeira, caso do Pantera e do Machine Head… bandas que usaram e abusaram nas inovações sonoras e, no caso do Pantera usou recursos novos em timbragem das guitarras por exemplo e tecnologias de gravação que as bandas dos anos 80 não tiveram para cativar esse público e fazer as bandas tradicionais se renderem a sua visão de mundo a sua visão de novo Thrash Metal, o Pantera produziu uma sonoridade dentro do nicho que fez com que seus músicos passassem, inclusive, a serem cobiçados por bandas como Megadeth.
Apesar do Pantera ter sido a banda que deu destaque ao famigerado groove (uso essa expressão famigerada por não gostar dessa identidade sonora, por questões portanto pessoais eu sempre vi essa vertente como destoante do que eu considero a essência do Thrash Metal e sempre tive muita dificuldade de assimilar essa sonoridade e ela estar associada ao estilo, porém o que temos aqui são fatos e minha abordagem precisa extrapolar meu gosto pessoal ainda que ela se manifeste no texto aqui, ali! Também reconhecer que Sepultura e Overdose foram bandas que romperam barreiras do preconceito e entenderam, de alguma forma, como é a pressão de tocar algo que não está em conformidade com um padrão preestabelecido, acredito que pessoas negras dentro do Metal entendam melhor o que quero dizer!).
A banda que carrega a responsabilidade dessa linha sonora aparecer no Thrash Metal é a norte-americana Exhorder. Exhorder foi fundada ainda em 1985, no auge do Thrash Metal em New Orleans, Luisiana, a banda lançou duas demos, uma em 1986 “Get Rude” e outra “Slaughter in the Vatican” em 1988. Exhorder aumentou sua fama rapidamente após as gravações da demo, mas foi reformulado com o novo guitarrista Jay Ceravolo (que substituiu David Main).
O primeiro álbum veio em 1990 usando de capa e título polêmico àquela altura, basta lembrar que algumas bandas de Thrash precisaram revisar capas e títulos de álbuns para que não causassem algum tipo de problema comercial com seus lançamentos, principalmente a pedido ou exigência das gravadoras. “Slaughter in the Vatican” 1990 (R/C Records – uma das subdivisões da Roadrunner), o tal da incursão do groove neste álbum ainda praticamente não existe, é um álbum com características tradicionais que usa fielmente das principais marcas do estilo, inclusive flertando muito com o Dark Angel, um disco cheio de vigor e muito bem feito, bem gravado e guitarras extremamente pesadas e aqui, ali! você consegue perceber qual foi a fonte que o Pantera foi buscar sua inspiração para transitar seu estilo, sim senhores! O Pantera era uma banda de Glam Rock, aquele estilo tão odiado pelos thrashers dos anos 80, aqueles que o Paul Baloff arrancava as camisas e transformava os retalhos em pulseiras, ou seja, o Pantera foi a banda que se rendeu aos seus algozes e, pior, se tornou a principal referência e inovação do estilo nos anos 90.
“The Law” 1992 (Roadrunner Records) do Exhorder é o tal álbum que inaugura o groove no Thrash Metal, e quando você escuta você tenta encontrar as diferenças entre Pantera e Exhorder, e é muito difícil encontrar, garanto. Por outro lado, Pantera costuma cadenciar mais suas músicas que o Exhorder, mas a timbragem é muito similar e sem sombra de dúvidas Exhorder foi pai e mãe do Pantera. “The Law” rendeu uma turnê de divulgação ao Exhorder, mas não foi o suficiente para coloca-los no mercado da música extrema, e mesmo porque, esse álbum não foi tão exitoso quanto o anterior e a banda não deu sequência em sua carreira, porém, como toda boa banda de Thrash de segundo escalão eles se reuniram algumas vezes e chegaram a lançar novos álbuns como “Mourn the Southern Skies” 2019 (Nuclear Blast) e um novo está prestes a ser lançado (esse artigo está sendo escrito em 05/03/2024) com a data de 08/03/2024 sob o título “Defectum Omnium” (Nuclear Blast), pelos singles e o álbum de 2019 é possível perceber que a banda abandona o groove e resgata a sonoridade do Thrash, porém dando um ar atualizado ao som, algo que vem ocorrendo com uma série de bandas do estilo, uma atualização em sua timbragem, técnica de gravação, de execução e de ideias que não tomam muita distancia da essência do estilo como aconteceu nos anos 1990.
O Thrash navegava por novas águas quando constatamos que nas ondas de bandas como Sepultura outras começam a enveredar como Machine Head, Grip Inc., Prong e outras que vão dando nova configuração ao estilo ao passo que as bandas mais tradicionais estão decaindo, ou no ostracismo, ou terminando, ou ainda pior, em estado de decadência. Já foi aqui ventilado algumas vezes, em textos anteriores, que o Thrash dos anos noventa perde espaço para as bandas de grunge que, ironicamente, haviam iniciado seu movimento abrindo para as consideradas gigantes do Thrash Metal sendo hostilizadas e depois ocupando espaços de visibilidade que jamais uma banda de Thrash, exceto o Metallica, ocupou e nada fez por esse mesmo estilo que lhe deu chances antes, mas ok! Sem choro para os grunges.
Bom então falemos do Pantera, foi fundada em 1981 pelos irmãos Vinnie Paul (baterista) e Diamond Darrell (o apelido “Dimebag” só começou a ser utilizado já na década de 1990) (guitarrista) e lançaram alguns álbuns durante a década de 80 ainda como uma banda de Glam Rock/Metal: “Metal Magic” 1983, “Projects in the Jungle” 1984, “I Am the Night” 1985 (Metal Magic) todos com o vocalista Terry Glaze, um dos fundadores do Pantera que, em 1987 vai ser sacado da banda e substituído por Phill Anselmo, que integrará a banda sob a promessa de que tornará o som mais pesado lançando o álbum “Power Metal” em 1988 (Metal Magic) ainda no estilo Glam Rock/Metal.
A banda assina com uma nova gravadora, a Acto Records em 1989 e vai dar a guinada na sua carreira definitivamente lançando seu primeiro álbum de Groove Thrash Metal em 1990 “Cowboys from Hell” (Acto Records) fazendo com que essa guinada seja completa, sonora, lírica e visual, muda a logo, a estética da capa do álbum segue uma linha completamente diferente e junto o figurino da banda se aproxima daquilo que compreendemos mais como o headbanger fã de Thrash Metal do final dos anos 80, ou seja, o Pantera entra na moda! A expectativa criada por essa radical mudança surte um efeito, que é colocar a banda dentro de uma cena que, até então, eles não passavam de ilustres desconhecidos, mesmo porque, a cena thrash metal ainda tinha alguma rusga com os posers e, sim! Pantera era uma banda poser que queria redenção e fama na cena Metal de outra maneira.
É no rastro do Exhorder que o Pantera faz frente ao que iremos conhecer como Groove Thrash Metal e se tornará algo extremamente conhecido dali para frente, seu segundo álbum “Vulgar Display of Power” 1992 (Acto Records) apresenta um Pantera ainda mais pesado e o que seria o tal do Groove? É uma sonoridade calcada do RAP (rhythm and poetry – ritmo e poesia é uma vertente musical que foi criado pelos negros norte-americanos em meio a uma manifestação popular que engloba a música através do RAP, a arte visual através do Grafitte e a dança através do Breake, foi um cultura que sofreu forte retaliação social passando por momentos de marginalização, perseguição nas esferas civis e criminais, além de sofrer muitos ataques da sociedade branca norte americana nos anos 1980) norte-americano que influenciou bandas de hardcore/crossover como Biohazard ainda na década de oitenta, o baixo fica mais suingado, mesclando um ritmo próximo do percussivo e aumentado o diapasão a ponto deste som ganhar uma levada diferente do que as outras bandas que criaram em cima de células mais ríspidas como a NWOBHM, esse som, essa timbragem ficou conhecida como uma espécie de nova onda do Metal norte-americano que produz cortes mais curtos e uma sincronia que também é constante entre bateria e baixo, extraída como já disse do RAP e do jazz ou fusion, no Thrash o groove ganha com o envenenamento do baixo que se sobressai nas músicas o que força a guitarra acompanhar na afinação mais baixa e nas camadas de distorção também mais graves, quebrando o que o Thrash tinha como trunfo os tons mais agudos… assim como os vocais dessas bandas dos anos noventa irão variar para outro tipo de recursos que são vozes mais raivosas e gritadas em gutural, ou em radical vozes mais macias em algumas transições como fazia muito o Machine Head.
“Far Beyond Driven” 1994 (Eastwest), vai ser o álbum mais pesado e o mais famoso do Pantera, alçando os números da banda a estratosfera e atingindo escalas como da Billboard como uma das bandas mais populares do heavy metal na história atingindo a marca de 20 milhões de álbuns vendidos. Esta é uma cifra inimaginável para aqueles que fundaram o Thrash Metal nos anos 80, mas foi na mesma década que, como já disse acima, a música ganhou um aliado implacável: a mídia. Pantera era um produto muito rentável e que foi exemplo de como seria o headbanger dos anos 90, ainda mais que a proximidade visual entre Pantera e o Grunge eram muito estreitas e muito fácil de se associar, os caminhos traçados por suas gestões de carreira foram muito assertivas nesse sentido e deram a banda a visibilidade de mercado que, certamente, outras bandas não foram e não tiveram a competência que os mesmos tiveram, para isso basta fazer uma lista de quantas bandas encerraram a carreira sem ter sido sucesso de venda, sem ter cativado o grande público e nem ter chagado a década de 90 ou chegar e não suportar o fracasso.
Pantera foi a banda de “Thrash Metal” de maior expressão dos anos 90 e ainda gravou mais dois álbuns antes de encerrar em 2003. O desgaste na banda se deu com o vício de Phill Anselmo em heroína e sua dependência fez com que a banda perdesse o ritmo de produção, tivesse dificuldades em gravar novos materiais e fazer shows tirando a banda da evidência tão exigida pela mídia, afinal era uma banda que servia muito bem as estratégias de marketing e associar tudo isso ao consumo de drogas, a irresponsabilidade ou a falta de produção cairia muito mal para qualquer banda do mainstream àquela altura. Outro fator deprimente e inconcebível de Phil Anselmo tem relação com seu “posicionamento de orgulho à cultura sulista americana, e bem como uma das identidades visuais do Pantera, o uso da bandeira Confederada como símbolo recorrente. Com certa frequência fez discursos que envolvem forte teor racial e racista, já tendo discursado durante shows contra o rap, alegando que este estava “mijando sobre a cultura branca”, tendo dito no final de um concerto em Montreal em 1995 que este era “uma coisa de brancos”, tendo também dito “que se foda o Black Power”. Em 22 de Janeiro de 2016, ao fim de seu concerto no Dimebash Festival no estado americano da Califórnia, Anselmo gritou “white power!” para a plateia, fez a saudação nazista com a mão direita e se retirou do palco, tendo posteriormente alegado que era uma “piada interna” sobre músicos terem bebido vinho branco nos bastidores e alguns dias após, postou no YouTube um vídeo de desculpas por sua “atitude infeliz”. A banda Down cancelou sua turnê europeia no ano devido ao incidente.” (Paul Brannigam (28 de junho de 2022). loudersound.com, ed. «Why Phil Anselmo’s ‘White Power’ outburst shouldn’t be ignored». Consultado em 05 de março de 2024)
Outra banda responsável por essa transição sonora e por criar um novo nicho dentro do Thrash e na cena musical “jovem” da década de noventa é a já citada Machine Head, criada pelo vocalista Robb Flynn (Vio-Lence, seminal banda de Thrash dos anos 80 já abordada aqui na série) em 1991, podemos dizer que a banda, ao longo dos anos 1990, conseguiu angariar uma legião de fãs e, principalmente, por estarem praticando algo que estaria na ordem da época, um som juvenil e inovador, cheio de referencias atuais e em conformidade com o que a mídia teria para vender sobre eles. Parece irônico, mas o sucesso do Machine Head nessa época se deu muito mais na Europa que nos Estado Unidos, apesar da banda ter muito da cultura jovem norte-americana em sua aparência, em seu discurso e em sua música. As capas dos discos, por exemplo, apresentavam uma manifestação artística mais arrojada, usando recursos tecnológicos digitais e fotografia, efeitos de sublimação e máscaras de cores que não eram comuns nos anos 80, aliás as capas dos discos tendiam muito mais para as telas de pintura que para inovações como as montagens feitas por computação gráfica.
“The More Things Change…” 1997 (Roadrunner Records) é um disco que não pode ser chamado de Thrash e sim um disco de New “Nu” Metal (Nu Metal foi um estilo que também surgiu nos anos 1990 e ditou regras de comportamento, sobretudo o jovem norte-americano, era um som que carregava a mão nos recursos do groove e do RAP, mas mantinha as guitarras distorcidas com timbragem de baixa afinação). “The More Things Change…” parece ter sido um álbum arrojado para a banda e mudado os rumos sonoros que a banda havia proposto em seu antecessor, aqui as músicas são muito diferentes do que podemos acreditar que seja o Thrash Metal. É um álbum em que o vocal fica mais próximo do RAP, a sonoridade do groove fica mais acentuada o que mescla com vocais “limpos” e a ideia do que seria um thrash metal mais tradicional vai ficando muito diluída dentro destas características e, não apenas o Machine Head, mas o próprio Pantera chega a utilizar destes recursos de experimentalismo, se encaixando no rótulo do Nu Metal e carregando várias outras bandas nesta árvore de Natal, toda enfeitada.
Definitivamente, eu tenho grande dificuldade de continuar classificando o Machine Head como uma banda de Thrash Metal, porque não consigo mais identificar o estilo em sua essência e, talvez, porque também não acompanhei a carreira da banda durante a década de 90, mas sempre vi alguma coisa deles em algum momento, porém sem que isso repercutisse a ponto de me interessar em adquirir o material, enfim… outros álbuns foram lançados seguindo a ordem dentro do que disse. Consta em sua história que seu álbum lançado em 2001, foi bastante polêmico, para a cena thrash isso soaria muito bom, “Supercharger” (Roadrunner Records) que foi lançado três semanas após os ataques de 11 de setembro; seu único single, “Crashing Around You”, e seu videoclipe (que apresentava prédios em chamas) foram retirados de todos os meios de comunicação. A banda quase se separou em 2002 após romper com seu selo Roadrunner Records como resultado da polêmica, no entanto, a banda acabaria por assinar novamente com o eles.
Machine Head ainda insistiu naquele tipo de música que estava lotada das influencias do groove e do tal nu metal, mas sucumbiu as suas “raízes” Thrash Metal em seu sexto álbum “The blackening” 2007 (Roadrunner Records), não por acaso, os anos dois mil foram muito interessantes para o Thrash Metal, pois houve uma fenomenal onda de “revival’ do estilo naquele momento, surgindo muitas bandas novas e resgatando o velho Thrash Metal, não foi exatamente um resgate para o Machine Head, mas foi uma forma de voltar a ter aquilo que os formou de volta depois de mais de 10 anos investidos no groove e no nu metal.
Outra banda de Thrash que teve repercussão maior nos anos 1990, justamente por ter adotado o industrial e o groove em seu som foi o Prong, que foi fundada em 1986 pelo guitarrista Tommy Victor, que também tocou no Danzig. As origens da banda foram muito calcadas no Crossover Thrash e tinha todos os requisitos básicos do estilo, lançando dois materiais muito bons ainda na década de oitenta: “Primitive Origins” 1987 (Spigot) e o álbum “Force Fed” 1988 (Spigot), por sinal um excelente álbum e talvez um dos que mereciam ter sido mais exaltados na época, assim como o vocal principal lembra o vocal do Jeff Bezerra (Possessed) em muitos momentos deste primeiro álbum. A banda, depois de lançar seu primeiro álbum, conseguiu um contrato com a gigante Epic e com isso lançaram o seu “Bag to Differ” 1990, disco muito Thrash Metal cheio de referencias de Anthrax, Megadeth e Testament, muito bem gravado, mas com algumas falhas de composições, escolhas erradas de músicas sem impacto no álbum o que custou um pouco para cativar o público do estilo, aliás, não podemos esquecer que esses anos de transição do estilo foram cruciais para que os novos ouvintes se sentissem pouco a vontade com o que lhes pareciam “mesmice” e o Prong era um fiel retrato disso. “Prove Your Wrong” de 1991 (Epic), provavelmente foi seu lançamento mais maduro e que chamou mais atenção do público, aliás, muitas bandas só conseguiam conquistar público tocando ao vivo, mais que simplesmente lançando discos, as bandas precisavam pescar seus admiradores olho no olho.
Se o álbum anterior havia chamado atenção, principalmente dos programas de TV especializados em Metal dos Estados Unidos como Headbangers Ball da MTV, eles estavam preparando algo que poderia mudar tudo em 1994. “Cleasing” (Epic) é aquele disco que segue a moda, as mudanças que assolaram as bandas mais modernas do Thrash Metal e, o Prong, não ficou de fora de assimilar o groove e intensificar os recursos do estilo industrial, bom, mas o Prong está mais próximo do Thrash do Pantera que o nu-metal do Machine Head, sem sombra de dúvidas! Até aqui, algumas mudanças ficaram bem acentuadas, não apenas nas músicas, mas na ideia de fazer com que sua comunicação visual fosse mais direta, então a logo fica mais limpa, sem muita distorção na imagem, assim como o próprio Machine Head, Pantera, Sepultura, aliás foi uma onda em massa deixar as logos mais embaçadas para traz. Seu álbum “Rude Awakening” 1996 (Epic), foi seu último antes da banda encerrar as atividades em 1997, mas, como a maioria das bandas do gênero, eles retornariam em 2002 e continuam em atividade. Prong, após retornar já lançou mais seis álbuns, sendo o mais recente o “State of Emergency” pela lendária Steamhammer, lançado em 2023.
Os anos noventa foram momentos muito estranhos, até o Rob Halford se atreveu a tocar o tal do groove e criou uma banda/projeto chamado Fight, composta basicamente por músicos jovens e com experiencia em outras bandas de estilos variados de metal. Rob havia acabado de sair do Judas Priest, e conhecido o Pantera na sua turnê do “Cowboys from Hell”, eles se tornaram amigos e Rob se inspirou na sonoridade do Pantera para criar algo similar, moderno e ao mesmo tempo um desafio, enquanto escrevia e gravava demos no início de 1993. Halford conheceria Jay Jay, seu tatuador, que descobre que ele era baixista de uma banda de hardcore local de Phoenix chamada Cyanide. Depois de assistir a um de seus shows, ele o contratou e o guitarrista Brian Tilse. O guitarrista Russ Parrish da banda War & Peace de Jeff Pilson juntou-se logo depois e foi finalizado com a adição do baterista Scott Travis do Judas Priest, que ainda era membro da banda na época. Fight fez muito sucesso com seu primeiro álbum “War of Words” 1993 (Epic) que misturava o Thrash Metal, o Crossover e o Groove, assim como possuía muita influencia o Metal Tradicional, mas a essência era a referência retirada do Pantera, que por sua vez retirou do Exhorder… um ciclo vicioso.
Fight chegou a lançar um segundo álbum, mas não teve a mesma repercussão que o primeiro, o público não teve o mesmo interesse e o selo também passou a desistir de investir no trabalho do Fight. “A Small Deadly Space” (Epic) foi lançado num período de crise na indústria, ainda que o poder do nome de Rob Halford estivesse envolvido em tudo, a banda não conseguiu cravar, ainda que estivessem em turnê em 1996 e com projetos para o terceiro álbum, a Epic rompeu com a banda e, aos poucos, os músicos foram ficando sem estímulo, até que a banda finalizou suas atividades.
De fato, os anos noventa não foram muito bons com as bandas de Thrash Metal e, as bandas mais tradicionais perderam a linha durante a década ou em algum momento laçaram algum material extremamente equivocado. Bandas como Overkill se renderam ao groove e mudaram sua sonoridade como em “Horroscope” 1991 (Megaforce Records), “I Hear Black” 1993 (Atlantic Records) e “W.F.O.” 1994 (Atlantic Records), Kreator passou a escrever músicas baseadas na sonoridade do Industrial como no álbum “Renewal” 1992 (Noise Records), “Cause for Conflicts” 1995 (GUN Records) e “Outcast” 1997 (GUN Records) e olha que ainda tem o esquisito e meio gótico “Endorama” 1999 (Drakkar Records), Destruction lançou álbuns pífios que, aliás, eles fizeram questão de esquecer, “The Least Successful Human Cannonball” 1998 (Brain Butcher) é um desses álbuns, um dos dois lançados pela banda durante a década e um disco muito ruim, espelho do estilo durante aquela década. Metallica lançava álbuns irreconhecíveis como “Load” 1996 (Elektra Records) que disco péssimo! e, como se não bastasse, lançam o “Reload” 1997 (Elektra Records), aliás, esses são o retrato bem feito do que a banda pretendia em relação a cultura de massa da época que estava mais preocupada em som comercial, imagens mais “Cleans” dos músicos e identidade visual mais “limpas” como deixar a logo mais “legível” e menos agressivas, ou seja, tudo que o estilo Thrash Metal ditou como padrão foi por água abaixo.
Por outro lado, bandas como Sodom, Exodus e Megadeth conseguiram manter alguma dignidade sonora, principalmente o Sodom, o Megadeth fez bons álbuns no início da década de noventa, mas depois lançou discos fracos e a banda entrou no ostracismo. A resistência dessas bandas não foi suficiente para sustentar a cena, e neste período estilos como Black Metal e Death Metal, assim como o Doom foram os subestilos de metal que mais se desenvolveram e cresceram em número de bandas, em variações aceitáveis de sonoridade e que, de fato, sustentou o underground do Metal aquela época, enquanto o Thrash enveredou por águas turvas e descaracterizara muito a essência do som, da intensidade e da naturalidade sonora que eles possuíam.
Como força do hábito, irei indicar uma discografia que pode retratar bem a cena thrash dos anos noventa, para qualquer dos lados, seja para as novas configurações musicais ou para a manutenção das ideias iniciais.
Lista de Recomendações:
Exhorder – “Slaughter in the Vatican” 1990 (R/C Records)
Exhorder – “The Law” 1992 (Roadrunner Records)
Pantera – “Cowboys from Hell” 1990 (Acto Records)
Pantera – “Vulgar Display of Power” 1992 (Acto Records)
Observação: essas sugestões dos discos do Pantera cabem apenas como registro histórico, mas, pessoalmente, não reconheço esses discos como relevantes e, principalmente diante do posicionamento ideológico do vocalista desta banda, estes não fazem parte de nenhuma de minhas listas nem acervo. E a proposta das listas é muito mais sobre conhecimento que sobre gosto.
Machine Head – “Burn my Eyes” 1994 (Roadrunner Records)
Prong – “Primitive Origins” 1987 (Spigot)
Prong – “Force Fed” 1988 (Spigot)
Prong – “Bag to Differ” 1990 (Epic)
Sodom – “Better Off Dead” 1990 (Steamhammer)
Sodom – “Tapping the Vein” 1992 (Steamhammer)
Sodom – “Masquerade in Blood” 1995 (Steamhammer)
Sodom – “’Til Death Do Us Unite” 1997 (GUN Records)
Sodom – “Code Red” 1999 (Drakkar Records)
Megadeth – “Countdown to Extinction” 1992 (Capitol Records)
Megadeth – “Youthanasia” 1994 (Capitol Records)
Testament – “The Gathering” 1999 (Spitfire Records)
Slayer – “Season in the Abyss” 1990 (Def American Recordings)
Slayer – “Divine Intervetion” 1994 (American Recordings)
Exodus – “Force of Habit” 1992 (Capitol Records)
Anthrax – “Sound of White Noise” 1993 (ElektraRecords)
Anthrax – “Stomp 442” 1995 (Elektra Records)