HORROR TALES – Conto XVI: De Volta à Cena do Crime

Por Rodrigo Leonardi

Horror Tales

Analisei todos os passos da entrada da casa até o cômodo onde estava. Precisava desvendar tal fato antes que a polícia local chegasse pois, como um detetive particular, tinha que dar as melhores informações para meus clientes.

A cansada polícia não se importava mais com esses crimes bárbaros, se distanciaram disso com receio de ser algo macabro, envolvendo algum tipo de bruxaria. Todos na cidade são supersticiosos, cidade pequena, interiorana dos confins do mundo.

Voltando para o cômodo, um quarto grande com uma cama luxuosa. Um abajur moderno, daqueles que acendiam apenas com um toque, estava na luz média, dando a sensação de paz, mesmo ali, com aquele pedaço de perna. Cortado cirurgicamente aparentava. Fiz essa análise pois estava serrado no joelho, bem nas cartilagens. Mais fácil de desmembrar acredito eu. Uma poça de sangue no meio da cama, nos lençóis claros, ficava evidente aquela época com seus respingos. Talvez tenha uma digital por ali. Meu parceiro apenas fumava encostado na porta, olhando para o nada, sem sentimento algum.

Pensando apenas no dinheiro que ganharia com meus esforços. Eu não me importava, ele é um bom amigo. Bebemos juntos quase todas as tardes, ele tem as melhores piadas. Um amigo leal porém, sem algum dom para perícia. Para mim, apenas ele estando por perto já valia os trocados que lhe pagava para me acompanhar.

Aquela perna continuava ali. Alguns hematomas, unhas pintadas. Leva a crer que esse crime fora algumas horas antes.

Sinto uma dor de cabeça bem forte. Vejo alguns flashs. Me concentro outra vez e fixo meus olhos naquela perna. Imagino uma bela mulher. Talvez ruiva natural. Encosto meu nariz na cama e sinto um cheiro de perfume, exalava algum tipo de flor que não me recordo agora, cheiro bom, cheiro leve. Sentia que há menos de 5 horas ela estaria ali deitada. Talvez se masturbando.

Não consigo chegar à conclusão exata sobre qual pensei na masturbação. Apenas pensei. Sem nada de óbvio que dissesse isso, penso que também pudera ser. Mas isso não muda nada no caso.

Onde estaria o corpo? Depois de quase uma hora me dei conta do corpo, só pensei na perna, de como ela seria, só pensei no que ela poderia estar fazendo antes de morrer. Outra dor de cabeça, outro flash.

Esse último flash foi pesado. Quase desmaio. Meu fiel amigo me segurou para não cair.

Ele me pergunta se está tudo bem, se quero continuar com isso.

Olho sério para ele e não respondo.

Ele já sabia a resposta apenas pelo meu olhar.

Volto minha atenção para o cômodo. Olho de novo aquela perna.

Quem fez isso era profissional. Acredito, pois, tenho um dom nesse tipo de crime.

Falta agora achar aquele fio de cabelo que eles sempre deixam para trás. Olho bem a fundo todo o quarto. Tenho uma visão de um homem entrando pela porta. A vítima estava se masturbando e balbuciando o nome de outro homem. Esse homem, furioso que ficou, a atacou com suas próprias mãos. Apertou seu pescoço até ela parar de respirar. A matou de tantos ciúmes que sentiu quando ouviu ela chamando o nome de outro bem na hora de seu orgasmo. Orgasmo esse que ela nunca tivera com ele. Ele a matou, a enforcou. Esperou seu corpo esfriar. Sentiu o cheiro de seu perfume mais forte, cada vez mais. A abraçou. Fez sexo com seu cadáver.

Ejaculou dentro.

Minutos depois, ele a esquartejou e deixou apenas um pedaço de sua perna para trás. A colocou em uma mala, pedaço por pedaço, pegou seu carro e as jogou no bueiro mais próximo. Me intrigava não saber o porquê tivera deixado só a perna. Esse flash que tive dessa história é apenas para quem nasce com esse dom. sempre me gabo de tê-lo.

A perna solta ainda não faz sentido. Talvez não tenha. Assassinos sempre deixam suas marcas, talvez essa fosse a marca dele.

Me viro para meu fiel amigo. Ele olha no relógio e diz que em menos de quatro minutos ela estaria aqui no local.

Sem questionar os fundamentos que levaram ele a crer em tal precisão sobre a chegada da polícia, me viro e olho outra vez para todo o cômodo. Apenas o cheiro que exalava me prende. Não consigo mais analisar nada. Não ia ter tempo para deixar sair esse cheiro para poder focar nas outras coisas.

Três minutos, disse o amigo.

Penso rápido e isso me faz ter outra crise de dores.

Apago. Essa foi a pior que já tive. Talvez esse meu trabalho tenha me deixado assim.

Desacordado no chão, entre meios a sussurros, escuto passos rápidos e pesados entrando pela porta, que esqueci de comentar, ficava a 8 passos até a porta do quarto. Ainda em estado letárgico naquele chão frio, penso nesses passos, que me dão uma noção de sete ou oito metros, que daria cerca de oito segundos para chegar até o cômodo.

Eles chegam, oito segundo depois. Me agarram e me levam para fora.

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Dias se passaram e eu acordei. Estava em uma cama de hospital.

Abro vagarosamente meus olhos, a luz do dia me cega de tanto brilho. No primeiro momento, não me lembrava de muita coisa. Principalmente daquela perna, daquele homicídio.

Me conforto com aqueles pequenos raios de luz entrando pela janela entreaberta. Me sinto bem.

Me espreguiço. Sinto algo em meu pulso.

Uma algema. Olho para meu braço direito. Está algemado na cabeceira de pesada cama de ferro. não entendo

Me viro para meu braço esquerdo, também algemado.

Me apavoro. Começo a gritar. Segundos depois, um médico e dois policiais entram na sala.

O médico me dá um calmante na veia. Me acalmo.

– Seu progresso em se lembrar está indo bem. – disse o médico.

Os policiais me olham com desprezo. Entendo tudo.

Eu matei aquela mulher por ciúmes. Isso foi há quase dez anos.

– Ainda não sabemos porque deixou apenas a perna. Seu crime foi tão perfeito que se não tivesse a perna, nunca descobriremos quem a matou. – disse um dos policiais.

Em estado de choque, disparo palavras aleatórias, que diziam algo.

“Deixei aquela perna porque fui mais forte que minha outra personalidade, apenas um minuto de consciência me fez deixá-la lá. Para poder me prender, para poder me tratar.”

– Um grande avanço rapaz… Mas ainda temos medo de suas outras personalidades. Até então descobrimos nove delas. Apenas essa foi agressiva. – disse o médico – Você às vezes é um cantor, às vezes é um homem comum, às vezes é uma mulher… chegaremos lá.

(Publicado originalmente na Antologia, Edgar Allan Poe- Inspirações Macabras, pela Editora DarkBokks. Organizador da antologia: Alessandro Diniz. 2021).

Rodrigo Leonardi.

Escritor, músico e entusiasta do cinema.

Como escritor, tenho 5 livros publicados, participação em diversas antologias.

Como músico, fui baixista e vocalista da banda Abuso Verbal e atualmente vocalista da banda de Metal Punk “Roto”.

No cinema, já escrevi críticas para o site Cineset, diversos fanzines como, Sindicato dos Assassinos e também divulgo análises no feed do meu instagram.

@rodrigoal81/