“O Horror encontrou um novo lar. Entre por seu próprio risco”
Um filme que reúne de uma só vez três nomes conhecidos do cinema de horror americano produzido durante a saudosa década de 1980, Steve Miner, Sean S. Cunningham e Fred Dekker. Os dois primeiros com envolvimentos nas produções iniciais da série “Sexta-Feira 13”, e o último reconhecido como o diretor do divertido filme de zumbis “Noite dos Arrepios” (1986). Trata-se de “A Casa do Espanto” (House, 1986), com direção de Miner, produção de Cunningham e história de Dekker, mesclando elementos de horror sutil e humor negro, além de monstros, assombrações e universos paralelos.
Na história, um decadente escritor de livros de horror como o popular “Blood Dance”, Roger Cobb (William Katt), está enfrentando uma série de crises pessoais depois que seu filho Jimmy (Erik e Mark Silver, irmãos gêmeos que alternam o papel) misteriosamente desapareceu na casa de sua tia idosa, Elizabeth Hooper (Susan French). Ele divorciou-se de sua esposa Sandy (Kay Lenz), uma bela atriz de sucesso, está sendo pressionado por seu editor a lançar um novo livro, e recebe a notícia do suicídio de sua tia em circunstâncias estranhas, pois foi encontrada enforcada em sua própria casa.
Para tentar reorganizar sua vida e como Cobb acaba herdando a enorme casa de sua falecida tia, local onde ele próprio viveu sua infância, ele decide voltar a morar no casarão, se isolando para escrever um livro sobre suas amargas experiências como um soldado na Guerra do Vietnã, ao lado do paranóico companheiro de farda Ben (Richard Moll), contrariando seu editor e fãs, que preferiam outra história de horror. Uma vez novamente na casa, o escritor conhece um inoportuno vizinho, Harold Gorton (George Wendt), e uma belíssima vizinha, Tanya (Mary Stavin), e começa a enfrentar uma série de acontecimentos bizarros envolvendo a casa, como visões de sua tia enforcando-se e de seu filho pedindo ajuda, além da descoberta da existência de forças sobrenaturais como um monstro ameaçador atrás do armário e de obscuros universos paralelos com passagens secretas para outras dimensões, em eventos relacionados com uma pendência mal resolvida em seu passado como veterano de guerra na selva.
Particularmente eu não aprecio muito os filmes que misturam horror e comédia, mas “A Casa do Espanto” acabou tornando-se uma exceção principalmente por sua história atrativa envolvendo universos paralelos, um tema fascinante e que possibilita uma infinidade de situações interessantes. O filme possui momentos de pura diversão como as cenas com o temível “demônio da guerra”, que deu muito trabalho para a equipe de efeitos especiais, o outro demônio alado que lembra muito o do “Evil Dead 2”, e todas as sequências com o vingativo soldado sobrenatural, além dos portais de ligação entre os diferentes universos da casa. Porém, uma série de outras falhas contribuíram também para depreciar o filme, como o início onde um garoto entregador de encomendas, numa péssima atuação, está entrando na casa aparentemente vazia sem praticamente demonstrar emoções como ansiedade e medo do desconhecido, ou a trilha sonora horrível, com músicas insuportáveis e mal adaptadas à história, ou ainda a bruxa em que se transformou a esposa de Cobb, mais parecendo uma fantasia ridícula de “Halloween”, e finalmente pelo desfecho decepcionante, forçado, totalmente previsível e asqueroso pela falta de ousadia do diretor Steve Miner em mostrar alguma coisa um pouco diferente do trivial.
Curiosamente, o ator Kane Hodder trabalhou na produção de “A Casa do Espanto” como coordenador da equipe de dublês e atuou também como um deles. Ele, que mais tarde se destacaria por interpretar o famoso psicopata mascarado Jason Voorhees, da série “Sexta-Feira 13”, em quatro filmes da extensa franquia de dez partes. Outro detalhe curioso é o fato de que o pequeno filho do diretor Steve Miner foi quem fez o papel do garoto Robert, filho da bela loira Tanya, vizinha de Roger Cobb na sua “casa do espanto”. E parece que o menino se divertiu bastante na pequena participação que teve, conforme nota-se em sua “interpretação” descontraída e bem à vontade. É interessante notar também como os filmes podem se tornar datados apenas reparando em detalhes simples como o forno de microondas ou o computador utilizado por Roger Cobb, que nitidamente eram modernos na época e hoje são completamente obsoletos comprovando a incrível velocidade do desenvolvimento tecnológico dos aparelhos eletrônicos.
“A Casa do Espanto” foi lançado em DVD no Brasil em Dezembro de 2002 junto com a primeira sequência, “A Casa do Espanto II” (House II: The Second History, 87), em dois discos numa mesma caixa, através da revista “DVD Premium” ano 2 número 21, da “nbo Editora”, com distribuição em bancas e um preço popular. Como material extra veio uma galeria de fotos, sinopse, notas sobre o elenco principal (a dupla de atores William Katt e George Wendt), dois trailers promocionais e um interessante “making of” de 12 minutos, tudo devidamente legendado em português. O pequeno documentário dos bastidores traz depoimentos de William Katt e George Wendt, além de detalhes sobre a concepção dos efeitos especiais e das criaturas do filme, como a bruxa (transformação da esposa de Roger Cobb) e o ameaçador “demônio da guerra”, uma complexa parafernália movida por máquinas elétricas e pneumáticas. O filme teve também um título alternativo quando foi lançado nos Estados Unidos no mercado de vídeo, “House: Ding Dong, You’re Dead”.
A capa do DVD anuncia os filmes com a frase publicitária “A espantomania em dose dupla!”. Esse termo foi criado no Brasil por volta de meados dos anos 1980, para agregar uma enorme quantidade de filmes de horror que estavam chegando ao país e que estavam recebendo títulos com o prefixo “A HORA”, como por exemplo “A Hora do Pesadelo” (A Nightmare on Elm Street, 84), “Re-Animator – A Hora dos Mortos-Vivos” (Re-Animator, 85), “A Hora da Zona Morta” (The Dead Zone, 83), “A Hora do Lobisomem” (Silver Bullet, 85), “A Hora do Espanto” (Fright Night, 85), “A Hora do Calafrio” (Savage Weekend, 79), “A Hora das Criaturas” (Critters, 86), entre outros.
De forma praticamente inevitável, “A Casa do Espanto” acabou gerando uma franquia, com a primeira continuação lançada no ano seguinte em 1987, novamente produzida por Sean S. Cunningham e com direção e roteiro de Ethan Wiley, o mesmo roteirista do filme original. A história não tem nenhuma relação com a anterior e apresentou um enorme desfile de besteiras, apesar da interessante premissa do argumento em explorar universos paralelos e outras dimensões dentro da misteriosa casa. Porém, com a inclusão de um humor intragável, personagens insuportáveis e uma incrível sucessão de eventos absurdos misturando dinossauros, um bárbaro troglodita, um grupo de sacerdotes astecas, criaturas ridículas como um filhote de pterodáctilo e um cachorro mutante com corpo de lesma, além de elementos de western, o filme tornou-se completamente descartável e dispensável, não merecendo receber o nome de uma continuação do filme de Steve Miner. E para reforçar ainda mais a obscura carreira de Ethan Wiley, ele escreveu e dirigiu um dos filmes da série “Colheita Maldita”, a parte 5, “Campos do Terror” (1998).
Ainda houve mais dois filmes da franquia. Em 1990 tivemos “House III – A Casa do Espanto” (The Horror Show), sem grandes atrativos também e tendo como única relação com a série o fato de ser produzido por Cunningham. E em 1992 veio “House IV: Home Deadly Home”, dirigido por Lewis Abernathy e com William Katt repetindo seu papel como o escritor Roger Cobb.
O cineasta americano Steve Miner nasceu em 1951 em Connecticut, e sua filmografia possui quase 30 trabalhos, muitos deles voltados para o horror e com filmes importantes para o gênero, fato este que associou sua imagem ao cinema fantástico. Ele começou sua carreira trabalhando com diretores importantes como Wes Craven e o próprio Sean S. Cunningham, explicando sua fascinação pela tema e além de “A Casa do Espanto”, Miner dirigiu as partes 2 e 3 da série “Sexta-Feira 13” no início da década de 1980, e ainda “Warlock, o Demônio” (89), “Halloween H20” (98) e “Pânico no Lago” (99).
O produtor Sean S. Cunningham, nascido no final de 1941 em New York, é mais conhecido como o diretor do primeiro filme da série “Sexta-Feira 13” em 1980, e que originou uma das mais extensas e famosas franquias da história do cinema de horror. Na direção ainda assinou outros trabalhos do gênero como “Terror nas Sombras” (Striking Back, 85) e “Abismo do Terror” (Deep Star Six, 89). Ele tem se dedicado mais na produção e além de “A Casa do Espanto” e de suas 3 sequências, seu currículo ainda inclui as partes 9 e 10 de “Sexta-Feira 13” e o crossover “Freddy x Jason” (2003), além do provável “Halloween 9”, já anunciado para 2004.
Fred Dekker é de 1959, nascido em San Francisco, California. Além de escrever a história de “A Casa do Espanto”, ele ainda dirigiu e foi o roteirista de outros filmes do gênero como “Noite dos Arrepios” (86), “Deu a Louca nos Monstros” (87) e “Robocop 3” (93), e um episódio da série de TV “Contos da Cripta” (89).
O ator William Katt, nascido em 1951 em Los Angeles, California, é mais conhecido pelo papel principal na hilária série de TV “O Super Herói Americano” (1981). Sua filmografia é grande, em torno de 65 trabalhos, e no gênero fantástico atuou em “Carrie, a Estanha” (76) e “Piranha” (99), produzido por Roger Corman. Já George Wendt, americano de Pasadena, California, nasceu em 1948 e é mais conhecido como um comediante de televisão, com passagem pelo fantástico com as duas partes da comédia de FC “Alien Avengers” (96/98), produções especiais para a telinha lançadas pelo lendário Roger Corman.
A Casa do Espanto (House, Estados Unidos, 1986). New World Pictures. Duração: 93 minutos. Direção de Steve Miner. Roteiro de Ethan Wiley, a partir de história de Fred Dekker. Produção de Sean S. Cunningham. Música de Harry Manfredini. Fotografia de Mac Ahlberg. Edição de Michael N. Knue. Desenho de Produção de Gregg Fonseca. Efeitos Especiais de James Cummings. Efeitos Visuais de Hoyt Yeatman. Elenco: William Katt (Roger Cobb), George Wendt (Harold Gorton), Richard Moll (Ben), Kay Lenz (Sandy), Mary Stavin (Tanya), Michael Ensign (Chet Parker), Erik Silver e Mark Silver (Jimmy), Susan French (Tia Elizabeth Hooper), Alan Autry, Steven Williams, James Calvert, Mindy Sterling, Jayson Kane, Billy Beck, Bill McLean, Steve Susskind.
(Texto escrito originalmente em 2004)
Editor do fanzine de horror “Juvenatrix”, publicado desde 1991. Colaborador com textos sobre cinema de horror e ficção científica nos sites “Boca do Inferno” e “Gore Boulevard”.
Contatos: renatorosatti@yahoo.com.br