“A criatura criada pelo Homem e esquecida pela Natureza irá assombrá-lo para sempre!”
“Há mais de 100 anos, num vilarejo nas montanhas da Suiça, viveu um homem cujas bizarras experiências com os mortos tornaram-se uma lenda. Ela ainda é contada com horror em todo o mundo. É a lenda da Maldição de Frankenstein”
Com essa introdução tem início um dos dois maiores clássicos de todos os tempos do cinema de horror explorando a temática do famoso monstro criado a partir de pedaços de cadáveres humanos, através das mãos do cientista Dr. Frankenstein.
“A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein, 1957), dirigido por Terence Fisher, escrito por Jimmy Sangster e estrelado pela dupla ainda pouca conhecida na época Christopher Lee e Peter Cushing, é a mais consagrada versão colorida desse universo ficcional, produzida pelo saudoso estúdio inglês “Hammer”, sendo uma refilmagem com liberdade artística da versão em preto e branco da “Universal”, “Frankenstein” (1931), de James Whale e com Boris Karloff e Colin Clive (criatura e criador, respectivamente). Ambos são os principais representantes do cinema, entre uma infinidade de outras adaptações, para a famosa novela da escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851).
Autora de “Frankenstein, or a Modern Prometheus” (1818), ela nunca imaginaria que sua criação literária seria tão cultuada e uma das obras de horror mais filmadas e adaptadas em todos os tempos, e que a “criatura de Frankenstein” seria um dos maiores monstros sagrados e eternos do gênero, ao lado do vampiro “Drácula”, de Bram Stoker (1847-1912), além da “Múmia”, do “Lobisomem”, “Fantasma da Ópera”, “Monstro da Lagoa Negra”, e outros.
Em “A Maldição de Frankenstein”, a história inicia com o cientista Barão Victor Frankenstein (Peter Cushing) preso numa cela aguardando sua execução na guilhotina. Ele solicita a presença de um padre (Alex Gallier) para ouvir suas confissões, contando sobre suas experiências macabras que o levaram à prisão e tentar com isso conseguir a credibilidade de seus acusadores e se salvar da pena de morte.
A partir daí, ele narra sua história em “flashbacks” começando pela perda do pai quando ainda jovem, deixando-o sozinho no mundo, porém herdando a riqueza da família. O jovem Victor (Melvyn Hayes) providencia então um mentor que o acompanharia por muitos anos, Paul Krempe (Robert Urquhart), para aprender o máximo possível com ele, dedicando-se nos estudos e transformando-se num destacado cientista. Juntos, eles realizam inicialmente experiências de reanimação de animais mortos, conseguindo êxito com um pequeno cachorro. Não satisfeito, Victor decide aperfeiçoar suas experiências utilizando pedaços de cadáveres humanos para a criação de um ser perfeito, numa combinação do que há de melhor no homem. Mesmo com a desaprovação de Paul, o “cientista louco” roubou o corpo de um forte criminoso executado na forca e juntou com as mãos de um escultor habilidoso, os olhos roubados de um necrotério e o cérebro de um cientista inteligente, nem que para isso ele tivesse que conseguir cadáveres à força.
Numa noite de intensa tempestade, um acidente com uma descarga elétrica de um trovão acionou as máquinas do laboratório do Dr. Frankenstein, possibilitando a criação de um ser vivo, reanimado a partir de carne morta (interpretado magistralmente por Christopher Lee), com o rosto totalmente deformado e com o cérebro parcialmente danificado devido a uma briga entre Victor e seu mentor Paul, sobre desavenças quanto aos rumos que as macabras experiências estavam tomando.
Enquanto isso, uma bela prima de Victor, Elizabeth (Hazel Court), aparece para morar no castelo da família Frankenstein e se casar posteriormente com ele. Para protegê-la dos acontecimentos bizarros que se passavam no laboratório, Paul decide continuar hospedado no castelo, mesmo não auxiliando mais o cientista em suas experiências.
Após uma série de eventos envolvendo a fuga do monstro para um bosque nas redondezas, novas experiências do Dr. Frankenstein tentando dominar o monstro, enfatizando sua obsessão na criação de vida artificial e a manifestação de insanidade, e o desaparecimento suspeito de aldeões e empregados do barão, ocorre um confronto final entre o criador e a criatura nos telhados do castelo.
A produtora “Hammer” foi a responsável por ressuscitar novamente o horror no final da década de 1950, trazendo agora a cores e com o vermelho vivo do sangue os monstros clássicos da “Universal”, antes somente filmados em preto e branco. “A Maldição de Frankenstein” foi o primeiro exemplo dessa nova safra de filmes, revitalizando o gênero para o cinema (que enfrentava perdas significativas de audiência para a televisão) e investindo novamente no monstro do Dr. Frankenstein. O filme é uma pérola do cinema fantástico, com a introdução de fascinantes cenários góticos que seriam a marca registrada em dezenas de filmes seguintes, através do imponente castelo de cômodos imensos, a floresta fantasmagórica, o laboratório sinistro repleto de aparelhos elétricos e tubos de ensaio, e o modo de vida aristocrático das damas e cavalheiros da época.
A interpretação de Peter Cushing é fenomenal, num papel que ele repetiria várias outras vezes, como um homem da ciência que perde o controle sobre sua macabra criação, que passa a ser uma ameaça para a humanidade. Cushing ficou conhecido como “O Cavalheiro do Horror” justamente por sua classe natural e os vários personagens que deu vida no cinema. Quanto à Christopher Lee, mesmo sem dizer uma única palavra no filme, ele já mostrou sua capacidade de interpretar um monstro atormentado por sua horrível condição, um ser criado a partir de pedaços mortos de outros corpos, reanimados artificialmente. Ele também encarnou de forma magistral outros vilões similares como “Drácula” e a “Múmia”. Como a maquiagem da criatura no filme da “Universal” em 1931, desenhada por Jack Pierce, estava protegida sob direitos autorais, para o filme da “Hammer” foi necessário imaginar uma concepção alternativa do monstro, criada por Phil Leakey, obtendo um resultado final igualmente interessante numa semelhança com um zumbi, e apesar de completamente diferente daquele visual conhecido e utilizado pelo ator Boris Karloff.
Como curiosidade, vale reproduzir dois trechos interessantes narrados pelo velho e sábio Professor Bernstein (Paul Hardtmuth), um dos mais célebres cientistas da Europa, numa conversa com Victor Frankenstein, refletindo sobre suas atividades como homens da ciência, suas motivações, objetivos e o perigoso destino do resultado de seus trabalhos:
“Passamos grande parte de nossas vidas trancados em salas sombrias em busca de verdades obscuras. Procurando, pesquisando, até que se fica velho demais para aproveitar a vida.”
“O mundo está preparado para as revelações dos cientistas? Há uma grande diferença em saber como as coisas são e saber como usar o conhecimento para o bem da humanidade. O problema dos cientistas como nós é que nos cansamos de nossas descobertas muito rapidamente. Nós as passamos para pessoas que não estão preparadas para elas, enquanto nos embrenhamos novamente na escuridão da ignorância buscando outras descobertas que serão utilizadas da mesma maneira quando chegar a hora”.
Dentre os incontáveis filmes produzidos ao longo de mais de 100 anos de história do cinema, utilizando a história de Mary Shelley como base para seus argumentos, uma série se destaca em especial, lançada logo após o enorme sucesso de “A Maldição de Frankenstein” pela “Hammer”. A partir do fim dos anos 1950, o estúdio inglês iniciou uma produtiva safra de filmes com a criatura, e vieram “A Vingança de Frankenstein” (58), “O Monstro de Frankenstein” (64), “Frankenstein Criou a Mulher” (67), “Frankenstein Tem Que Ser Destruído” (69), “Horror de Frankenstein” (70) e “Frankenstein and the Monster From Hell” (74). Nesta série de sete filmes, Peter Cushing fez o papel do Dr. Frankenstein em quase todos, exceto por “Horror de Frankenstein”, onde o papel ficou com Ralph Bates. Já o monstro foi interpretado, entre outros, por Michael Gwynn, Kiwi Kingston e Dave Prowse (o “Darth Vader” da primeira trilogia filmada de “Star Wars”).
“A Maldição de Frankenstein” foi lançado em DVD no Brasil pela “Warner” numa edição caprichada com uma bela capa trazendo uma ilustração colorida do filme, fazendo referência à criatura monstruosa e ao “cientista louco” que a concebeu em seu laboratório, e tendo como material extra um trailer original de cinema, sem legendas em português (e com esse detalhe corretamente informado na capa). A única falha é a inclusão de uma pequena foto em preto e branco que não tem nenhuma relação com o filme.
O diretor inglês Terence Fisher nasceu em Londres em 1904 e morreu aos 76 anos vítima de um ataque cardíaco. Sua filmografia com mais de 50 trabalhos é em sua maioria composta por filmes de horror da produtora inglesa “Hammer”, sendo o responsável pela criação de uma infinidade de clássicos e obras menores indispensáveis para a história do gênero em todos os tempos. Além de “A Maldição de Frankenstein”, o cineasta assinou várias outras películas preciosas como “O Vampiro da Noite” (58), “A Vingança de Frankenstein” (58), “O Cão dos Baskervilles” (59), do livro de Arthur Conan Doyle, “A Múmia” (59), “O Homem Que Enganou a Morte” (59), “As Noivas do Vampiro” (60), “O Monstro de Duas Caras” (60), da obra de Robert Louis Stevenson, “A Maldição do Lobisomem” (61), “O Fantasma da Ópera” (62), do romance de Gaston Leroux, “The Earth Dies Screaming” (64), “A Górgona” (64), “Drácula, o Príncipe das Trevas” (66), “Island of Terror” (66), “Frankenstein Criou a Mulher” (67), “Night of the Big Heat” (67), “As Bodas de Satã” (68), “Frankenstein Tem Que Ser Destruído” (69), “Frankenstein and the Monster From Hell” (74), e outros mais.
O roteirista Jimmy Sangster nasceu no final de 1924 na Inglaterra, e teve uma participação significativa principalmente como membro da equipe de produção da “Hammer”. Escreveu as histórias para vários filmes indispensáveis do cinema fantástico, alguns deles dirigidos por Terence Fisher, e outros como “O Estranho de Um Mundo Perdido” (56), “Blood of the Vampire” (58), “Jack, o Estripador” (59), “Horror de Frankenstein” (70), entre outros.
O elenco de “A Maldição de Frankenstein” é formado pela dupla Christopher Lee e Peter Cushing, num dos primeiros trabalhos juntos e que se repetiriam numa infinidade de filmes posteriores, trabalhando na maioria das vezes interpretando personagens rivais como “Drácula” e seu eterno inimigo o caçador de vampiros Prof. Van Helsing. Completam o time principal ainda a bela Hazel Court e o escocês Robert Urquhart.
O ator inglês Christopher Lee nasceu 1922 em Londres, e é o único astro ainda vivo de uma geração de ícones do gênero que ainda inclui nomes consagrados como Peter Cushing, Vincent Price, John Carradine e Donald Pleasence. Com quase 250 filmes no currículo, Lee tem sua imagem eternamente associada ao amaldiçoado vampiro “Drácula”, papel que interpretou com maestria única em diversos filmes marcantes entre o final da década de 1950 e início dos anos 70, e ele ainda está na ativa participando de grandes produções como vilão de duas das mais expressivas franquias do cinema de entretenimento do momento, “Star Wars”, como o Conde Dookan / Darth Tyranus, e “O Senhor dos Anéis”, interpretando o mago Saruman. Alguns outros filmes de horror memoráveis de sua carreira são “O Vampiro da Noite” (58), “A Górgona” (64), “Teatro dos Horrores” (66), “A Maldição do Altar Escarlate” (68), “O Ataúde do Morto-Vivo” (69), “Grite, Grite Outra Vez” (69), “A Casa que Pingava Sangue” (70), “O Soro Maldito” (71), “A Essência da Maldade” (73), “O Homem de Palha” (73), “O Expresso do Horror” (73), “Uma Filha Para o Diabo” (76), “A Mansão da Meia-Noite” (83), e “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99).
Peter Cushing também é inglês e faleceu em 1994 aos 81 anos de idade após participar de mais de 130 filmes, e em sua vasta carreira no cinema as performances mais significativas foram com as produções de horror, interpretando muitas vezes “cientistas loucos”, porém nobres aristocráticos. Sua imagem ficou eternamente associada especialmente pelos papéis do caçador de vampiros Prof. Van Helsing, e pelo cientista Dr. Frankenstein. Alguns filmes divertidos em que participou e ainda não citados foram “O Monstro do Himalaia” (57), “A Carne e o Diabo” (59), “A Guerra dos Daleks” (65), “As Torturas do Dr. Diábolo” (67), “Carmilla, a Vampira de Karnstein” (70), “Contos do Além” (72), “Asilo Sinistro” (72), “A Câmara de Horrores do Abominável Dr. Phibes” (72), “Vozes do Além” (73), “A Casa do Terror” (74), “O Carniçal” (75), “No Coração da Terra” (76), “Guerra nas Estrelas” (77), etc.
A atriz Hazel Court nasceu em Birmingham, Inglaterra, em 1926, e em sua carreira relativamente curta (35 filmes), ela participou de algumas produções do gênero fantástico como “Devil Girls From Mars” (54), “O Homem Que Enganou a Morte” (59), “The Premature Burial” (62), “O Corvo” (63) e “A Máscara Mortal” (64).
A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, Inglaterra, 1957). Hammer / Warner (distribuição). Duração: 83 minutos. Filmado em locações dos “Bray Studios”. Direção de Terence Fisher. Roteiro de Jimmy Sangster, baseado em obra de Mary Shelley. Produção de Anthony Hinds, Anthony Nelson Keyes e Max Rosenberg. Produção Executiva de Michael Carreras. Música de James Bernard. Fotografia de Jack Asher. Edição de James Needs. Desenho de Produção de Ted Marshall. Maquiagem de Phil Leakey. Elenco: Peter Cushing (Barão Victor Frankenstein), Christopher Lee (Criatura), Hazel Court (Elizabeth), Robert Urquhart (Paul Krempe), Melvyn Hayes (Jovem Victor), Valerie Gaunt (Justine), Paul Hardtmuth (Professor Bernstein), Noel Hood (Tia Sophie), Fred Johnson (Avô), Claude Kingston (Garoto), Alex Gallier (Padre), Michael Mulcaster, Andrew Leigh, Anne Blake, Sally Walsh, Middleton Woods, Raymond Ray.
(Texto escrito em 2003)
Editor do fanzine de horror “Juvenatrix”, publicado desde 1991. Colaborador com textos sobre cinema de horror e ficção científica nos sites “Boca do Inferno” e “Gore Boulevard”.
Contatos: renatorosatti@yahoo.com.br