BLOOD INCANTATION – Absolute Elsewhere

CD 2024 – Century Media / Mutilation Records

Álbum

Dentre os diversos lançamentos relevantes de Death Metal em 2024, o último álbum do Blood Incantation, Absolute Elsewhere, tem sido um dos mais comentados, já que furou a bolha do Death Metal e do Metal Extremo em geral, atingindo grande repercussão e sendo bem recebido sobretudo para os apreciadores do Metal progressivo. Nome constante em lista de melhores do ano em todo o mundo, ganhou ainda mais notoriedade ao ser escolhido álbum de Metal do ano pelo ex-VG da MTV, Gastão Moreira, em seu canal do YouTube.

Recebido com grande expectativa após o lançamento de um clipe cinematográfico contendo toda a primeira parte do álbum chamada “Stargate”, o terceiro Full-lenght do quarteto do Colorado mostrou a banda expandindo sua viagem cósmica para além de todos os limites imagináveis. Evidentemente, essa viagem vertiginosa iria causar algum estranhamento e não faltou quem torcesse o nariz para essa simbiose de Death Metal Old School e psicodelia setentista.

A influência de bandas como Pink Floyd  e Tangerine Dream ficou evidente não apenas no vídeo acima mencionado, mas também na capa do álbum que remete não apenas a regiões remotas do espaço, mas à época dos álbuns A Saucerful of Secrets (1969) e The Dark Side of the Moon (1973). A arte é assinada por Steve R. Dodd.

O álbum é divido em duas grandes partes: “The Stargate” e “The Message”. Cada uma dessas partes é subdividida em outras três com o nome “Tablet” I, II e III, respectivamente. Enquanto a primeira parte narra a viagem para outras dimensões do tempo e do espaço, a segunda tenta decifrar o significado dessa experiência. Conforme a explicação oferecida pela própria banda, a primeira parte “apresenta a saga de um artefato misterioso e suas vítimas em uma síntese alucinatória de ficção científica e terror popular, onde imagens alucinantes e atmosferas perturbadoras convergem em um conto surreal de magia de sangue primitiva, viagens interdimensionais e tecnologia grotesca sobrenatural, começando na Idade das Trevas e viajando para o vazio do espaço profundo”. A segunda parte recolhe as impressões dessa viagem cósmica e desenvolve aquela que parece ter sido sua principal mensagem: “Toda vida é temporária, o que perdura é a consciência”. Inicialmente com o questionamento: “o que significa ser humano? E a natureza da consciência?” As respostas são encontradas numa espécie de transe místico típico das filosofias e religiões monistas. Hegel chamava esse tipo de monismo, como o de Espinosa, de “orientalismo” (não por acaso uma expressão como “karma” aparecerá mais a frente na letra da “Tablet III”). A resposta à questão do sentido da passagem do vazio absoluto para o absoluto em toda parte surge então com os imperativos expressos em letras garrafais: “SEJA! CRIE! CONHEÇA-TE A TI MESMO! DOE!” Mas o trecho final (Tablet III) também termina com as interrogações: “Seria tudo isso por nada? Ou nossa vida é parte de algo? Poderia toda escolha de pensamento ser uma oferenda? Poderia cada passo te levar mais longe no caminho?”

Reflexões filosóficas à parte, o que cativa o público em geral é a viagem sonora, sobre a qual vale dizer que o álbum foi produzido pelo onipresente Arthur Risk, jovem produtor também guitarrista da banda Eternal Champion que assinou trabalhos com bandas como Cavalera Conspiracy, Soulfly, Crypta, Crypt Sermon, Cirith Ungol, Municipal Waste, Tomb Mold e dezenas de outras. O álbum foi gravado em Berlin no Hansa Tonstudios que já hospedou gravações importantes do Rock Progressivo e a banda acabou de lançar um documentário sobre essa estadia com os bastidores da gravação. Esse documentário será lançado em Blue Ray na versão Deluxe do álbum, que conterá também com o single “Luminescent Bridge”, lançado ano passado. Nesse documentário fica evidente as duas grandes inspirações da banda nesse álbum: o álbum Force Majeure do Tangerine Dream (1979) e Morbid Angel (os membros do quarteto aparecem invariavelmente com camisetas dessa banda). Thorsten Quaeschning que atualmente lidera o Tangerine Dream faz uma participação especial na “Tablet II” da “Stargate”. A busca por aquela sonoridade clássica do Rock Progressivo dos anos setenta levou a banda a explorar muitos sintetizadores, mellotrons e toda a parafernália típica do gênero. Além disso, é possível escutar ao longo do álbum bongôs, gongos e outros instrumentos que tentam nos levar para absolutamente toda parte.

O resultado de todo esse empreendimento é sem dúvida um excelente álbum que marcará época, mesmo com algumas reações negativas da crítica (ao ler as resenhas no Metal Archives se vê o quanto esse álbum é divisivo). O entusiasmo de alguns é justificado, mas também se percebe uma certa supervalorização, afinal, muitas outras bandas de Death Metal já exploraram essa trilha cósmica (Atheist, Cynic, Nocturnus, para falar das antigas ou Rivers of Nihil e Horrendous para falar das novas). Além disso, se temos passagens belíssimas e otimamente executadas, também temos algumas transições questionáveis como aquela indigesta passagem de Death Metal para Reggae logo no segundo minuto do álbum. Mas o quarteto estadunidense conseguiu ao fim e ao cabo levar a bom termo sua viagem cósmica e deixar uma impressão duradoura para seus cada vez mais numerosos ouvintes.