INRI: normalmente em meus editoriais há uma foto minha, um registro da presença… mas desta vez não. Essa edição é uma oferenda — uma celebração fúnebre a tudo que vivi naquela noite de escuridão e comunhão ao lado de irmãos do subterrâneo. Agradeço profundamente a Wilson, Jade, ZArtan e toda a produção, com destaque ao Wilson, que acolheu e respeitou meu trabalho com um zelo raro, e sem o qual você talvez nem estivesse lendo estas palavras. Espero sinceramente cruzar novamente com esses espectros em futuras empreitadas. Também agradeço às bandas — muitas adquiriram meu zine, e isso é o verdadeiro significado de apoio. Conheci muitas almas obscuras, tive o privilégio de conversar com figuras tão lúgubres quanto admiráveis, todas guiadas pelo mesmo pulsar que me faz escrever agora — o mesmo que levou você até aquele evento, e até estas linhas: o subterrâneo.
In Nomine Satanis
In nomine satanis foi uma maldição invocada sem piedade… uma horda necro, antiga, que exalava a podridão lúgubre de décadas de negação e ódio… sua força esmagava a espinha dorsal da fé como se pisasse em ossos ocos de mártires esquecidos… o necro metal negro ludovicense emergiu como uma entidade primitiva, urrando das cavernas da desgraça… não devia nada às hordas internacionais, pelo contrário, cuspia de volta com a mesma intensidade… cada faixa era uma prece invertida, uma oferenda ao vazio… a bateria soava como o coração de uma criatura enterrada viva, pulsando raiva… e logo na abertura do evento, foram eles que com sua crueza e blasfêmia ergueram o altar… ali não se abriu um show — se abriu um túmulo… e de dentro saiu a In Nomine Satanis, arrastando correntes, mordendo o pescoço da moral cristã, e cuspindo na cara da normalidade.
Que show poderoso… senti que espectros milenares, corpos calcinados pela memória e ossos esquecidos em solo profanado, se ergueram de suas lápides para atender ao chamado das sombras, as pessoas ali estavam estáticas, assombradas, como se suas almas fossem sugadas pouco a pouco pelas melodias necromânticas de Susane Hécate, aquela mulher, ereta diante do teclado, não apenas tocava: ela conjurava, seus murmúrios soavam como lamentos de um passado pré-colonial, um tempo onde o sangue dos povos originários corria livre, antes de ser derramado por cruzes e espadas, cada grito era um uivo de dor ancestral, cada nota vinha coberta de lama e ossos, como se os grilhões de eras fossem quebrados diante de nossos olhos, o instrumental parecia ter sido moldado com cinzas de aldeias queimadas, o baixo retumbava como tambores cerimoniais esquecidos, a guitarra soava como o aço da degola colonial, e a bateria era o próprio trovão dos que nunca descansaram, havia algo de mórbido, de imundo, de profundamente ritualístico, eu vi olhos em prantos, vi corpos se contorcendo, vi o medo, aquele medo antigo que não se explica, que vem das entranhas, Miasthenia não tocou, Miasthenia invocou, e o que aconteceu ali foi um desabafo dos mortos, uma maldição contra tudo que tentou apagar sua existência, um culto à desgraça histórica, um monumento à resistência do horror.
Arkanus ad Noctum
Esse show foi uma estaca cravada no peito apodrecido de um cristo em decomposição — um ato de guerra contra séculos de controle e mentira, aqueles demônios vindos de Teresina não apenas tocaram: invocaram forças que se arrastaram pelas paredes do recinto como vermes em carne podre, o terror foi real, quase tátil, a presença deles era nauseante e abençoada pelo caos, a banda assustou, esmagou e despiu todas as camadas de normalidade, aquilo foi um ritual de degradação espiritual, o instrumental era denso, úmido, como entranhas esfregadas em pedra, os vocais rasgavam como lâminas na garganta da fé, Marden, com sua guitarra, parecia um sacerdote de uma seita esquecida, fazendo da distorção um cântico de perversão e ruína, cada riff perfurava como pregos em cadáveres frescos, eles não tocaram — eles amaldiçoaram, refizeram o sacrifício do porco nazareno sem misericórdia, o sangue escorreu metaforicamente de cada amplificador enquanto o ódio antigo se misturava ao suor dos corpos no salão, cada faixa era uma marreta de aço contra o crânio místico da divindade morta, cada segundo, uma explosão de espasmos que celebrava o vazio, uma missa negra onde todos comungaram do sofrimento.
From the Abyss
Que desgraça foi aquela que emergiu diante dos meus olhos… Aquela figura trajada como um bruxo ancestral, ou algo ainda mais obscuro, tomou o palco com a imponência de uma entidade que nunca deveria ter escapado de onde estava. O instrumental soava como um ritual antigo, um cântico ancestral de evocação que enraizava ainda mais o temor que crescia dentro de mim. Cada nota era como um punhal cravado na razão, desmantelando a lógica e a sanidade. Aquilo que se movia ali, diante de nós, não parecia humano — era um espectro faminto que se alimentava da nossa inquietação, do nosso silêncio atônito. Não era um show. Aquilo era uma abertura, um rasgo nos véus do que entendemos como real. A criatura nos fitava com olhos que não refletiam luz, mas absorviam nossas certezas. Éramos instrumentos de sua sádica diversão. O som hipnótico, dissonante, nos arrastava como se um idioma antigo estivesse sendo sussurrado nas entranhas de nossas mentes. A realidade se dissolvia aos poucos e nos víamos presos em espirais de carne e pavor.
A From the Abyss não apenas tocou — ela canalizou forças ocultas e proibidas. Usou artifícios antigos, moldados com precisão ritualística, para nos lançar dentro de uma experiência que nos desumanizou por alguns minutos. Era como se os próprios deuses esquecidos se movessem por entre os acordes, como se algo mais antigo que o tempo tivesse roçado nossas almas. Demorei muito para encontrar palavras minimamente humanas para descrever aquilo. No fundo, nem sei se foi possível. Foi grandioso, foi apavorante, foi fascinante. Era uma entidade saciada pelo delírio coletivo, pelos espasmos de um público mergulhado em medo e fascínio. Aquela coisa que nos encarava de cima do palco… aquilo não era desse mundo. Aquilo veio do abismo — e por um momento, todos nós também pertencemos a ele.
Terror Fetus
Que show nojento uma celebração visceral ao apodrecimento da alma uma execução fétida onde cada acorde soava como carne necrosada sendo rasgada por garras ferrugentas os riffs vinham como chicotadas feitas de tripas secas estalando contra a pele de um cristo morto os tambores eram batidos com ossos de mártires e cada baquetada fazia pulsar o pus invisível que empesteava aquele recinto a guitarra cuspia sons que pareciam saídos do esôfago de uma criatura sufocada em seu próprio vômito o baixo vibrava como se cordas fossem tendões arrancados à força de cadáveres ainda quentes o vocal não era humano era uma secreção quente e espessa que escorria da boca de um íncubo envenenado por sangue cristão e fezes sagradas o cheiro metálico da atmosfera se misturava com o suor empedrado de corpos que giravam no mosh como se dançassem ao redor de uma fossa séptica em combustão os olhos dos presentes pareciam vidrados como de cadáveres recém-mortos ainda com o reflexo da agonia estampado no globo ocular ali não havia música havia extermínio uma purgação feita com som e nojo um batismo de vômito bile e pecado as cordas vibravam como intestinos sendo puxados por corvos famintos a bateria invocava o som do coração apodrecendo dentro de um peito aberto pelo tempo e o vocal rasgava a realidade como se gritasse com uma garganta infestada de larvas aquele não foi um show foi um ritual de decomposição encenado por criaturas que já abandonaram o pulso vital há muito tempo e agora regurgitam morte em forma de arte profana.
O evento
Foi ali onde o chão pulsava como carne viva e o ar fedia a sangue velho e suor apodrecido que a comunhão se fez as bandas não subiram ao palco elas emergiram como aberrações cuspidas pelas entranhas do próprio inferno cada acorde era um osso triturado cada grito um feixe de nervos arrancado à força o público se contorcia como larvas em febre esmagando-se num ritual de dor êxtase e entrega a fumaça encobria os rostos mas os olhos reluziam com um ódio ancestral e faminto Cristo foi dilacerado ali cuspido e pisoteado entre riffs dissonantes e urros que arrancavam a crosta da realidade o mosh era um redemoinho de crânios quebrados e costelas estouradas o palco exalava algo mais antigo que a própria morte o som das guitarras soava como unhas rasgando o véu entre mundos aquilo não foi um show foi uma oferenda um batismo em pus e luxúria um deleite podre doce de sentir e amargo de saber esse evento foi uma placenta imunda onde renascemos como filhos malditos da noite e o gosto disso ainda fermenta como sangue seco na língua dos que estavam lá.
Agradecimento exclusivo para a Lucifer Rex
Neste pântano onde as palavras apodrecem antes de nascer, deixo meu agradecimento pútrido e sincero a Hiodrman Zartan e Lúcifer Rex, coveiros do verbo e senhores do espaço profanado onde está resenha tomou forma e a mensagem se fez evidente como carne exposta ao tempo.
A todos os espectros e apreciadores do Necro Subterrâneo, eu vos saúdo entre vermes e ecos.
E já vos digo: retornarei… com mais um lúgubre presságio de um show envolto em mofo, fumaça e miséria ritual.
Review por INRI.
(98) 98155-6225.