Estou sofrendo, não sei por quê!

O Doom como estilo que cria vertentes.

Dark Reflections

Soube recentemente que haverá um lançamento extenso sobre o Doom Metal e fiquei bem interessado em adquirir pois, um pouco antes de saber sobre esse lançamento no Brasil, eu já tinha a intenção de escrever um texto sobre minhas memórias a respeito do estilo.

O Doom não é meu estilo predileto, mas sempre foi um estilo que uma banda aqui, outra ali, sempre me chamaram a atenção principalmente o fator musical, mais mesmo que as letras, não posso negar, mas a música hipnótica que o estilo favorece tem algum atrativo pra mim. Claro que eu vivi minha adolescência imerso em bandas como Paradise Lost, Asphyx, Cathedral, Anathema e My Dying Bride, isso para citar as bandas com tendencias ao Death Doom Metal, porém minhas melhores experiencias com estilo foram com Candlemass e Solitude Aeturnus, talvez as maiores representantes do estilo até hoje e Messiah Marcolin como o maior vocalista para o estilo em todos os tempos.

Claro que, Black Sabbath, como banda mestre chave do Metal, já trabalhou muito com essa sonoridade em seus álbuns e tornou-se a maior referência também para muitas bandas que se tornaram bandas exclusivamente Doom Metal. Inclusive, alguns bons anos depois, surge um projeto com integrantes e ex-integrantes do Black Sabbath criando uma banda no estilo a Heaven and Hell (título do seu nono álbum que contou nos vocais, na época, com o mestre da voz Ronnie James Dio). É notável melodias e riffes reproduzidos em muitas músicas e muitas vezes absorvemos isso como uma homenagem ou mesmo uma influência direta do Black Sabbath, daquelas em que os músicos não conseguem esconder numa nuance.

Já com relação as letras, depressão, melancolia, angústia, dor, perda, solidão, morte e temas sombrios são as principais tônicas do estilo que, com o passar do tempo passou a flertar com outros estilos musicais como o Gótico e a música clássica, principalmente a música que enseja tragédia como a ópera. Cabe ressaltar que o próprio Messiah Marcolin tem uma grande referência operística em sua vocalização e talvez isso tenha refletido diretamente nessas bandas que enveredaram pelos caminhos da música clássica mesclada ao Doom. Já com relação a bandas mais pesadas que usaram a música clássica como arranjo para suas músicas, principalmente as mais arrastadas, podemos citar o Celtic Frost que, por sinal, já vem de uma escola do Doom através da banda que antecede a Celtic Frost, Hellhammer! Ou seja, ambas contribuem muito para agregação de valores ao estilo através de vocalizações, tensão, peso e drive.

Eu diria que o Doom, além de tudo, teve um aspecto meio que maldito em suas bandas, principalmente o quesito experimental que a maioria delas tentaram e fracassaram no meu ponto de vista (fracasso no sentido de ter descaracterizado a sonoridade original das bandas, não me refiro à técnica musical ou êxito em criar novas características sonoras, ou mesmo a tentativa de ingressar em novos subgêneros musicais como aconteceu com a maioria delas), como a Cathedral, que começou a mexer demais com sua sonoridade original assumindo uma estética setentista nas músicas e também no seu visual de apresentação; Anathema, que mudou radicalmente sua sonoridade para algo beirando o Pop, exagerando nas vozes singelas, no instrumental com drives leves, acústicos e afins; Katatonia, que mudou radicalmente também sua forma de construir suas músicas; Tiamat, uma das bandas que eu mais admirava no estilo em seus primeiros registros ainda como Treblinka e iniciou um processo severo de transição musical assumindo uma influência direta do estilo Gótico; My Dying Bride, que suavizou sua linha sonora inclusive extraindo por completo as vozes guturais como no álbum “34.788%… Complete”, um verdadeiro fiasco, álbum de péssimo gosto e que conseguiu jogar terra na cova da banda, em minha opinião, claro! Mas que com o passar do tempo os mesmos resolveram resgatar o passado ainda que mesclando com essa fase de 1998, enfim, poderia aqui citar mais umas dez bandas que mudaram parcial ou completamente seu som original no decorrer da carreira.

As desistências ou arrependimentos também aconteceram com outras bandas como a própria Paradise Lost, diria que a partir do seu décimo quarto álbum “The Plague Within” de 2015, e a banda lançou outros depois que comprovam essa mescla de fases. Com relação particular ao Paradise Lost, quando o quarto álbum “Icon” foi lançado, inclusive em vinil aqui no Brasil na época, foi um dos álbuns que eu torci o nariz imediatamente, foi uma sonoridade que eu não compreendi e resisti veementemente, pois eu não tinha condições de entender aquele tipo de sonoridade vindo de uma das bandas que eu mais admirava e respeitava justamente por sua competência em destilar um Doom Death Metal de excelência e aquele som me parecia um Metallica piorado, aliás, se muitos conseguirem se lembrar, foi justamente a época em que o Metallica mudou os rumos sonoros também, tentando entrar no mundo da música Pop e conseguiu! Se bem que o “Icon” é de 1993 e o “Load” do Metallica é de 1996, mas que soava parecido aquela voz de Nick Holmes com a voz de James Hetfield isso é fato. Custou muito para que eu me acostumasse com esse “novo” Paradise Lost, mas a muito custo eu consegui ouvir e até apreciar o “Icon” e o “Draconian Times”, consegui encontrar aspectos positivos nestes registros, mas não consegui ouvir alguns que vieram depois e nem lembro seus nomes…

Aqui no Brasil as primeiras bandas de Doom que tive contato foi a Pentacrostic, banda original de 1989 que lançou um álbum chamado “The Pain Tears” em 1992, talvez o primeiro do gênero no Brasil, assim como Asaradel com a demo “of Satanas” de 1991, banda muito sinistra, foi uma das bandas que mais me cativaram com sua sonoridade estranha, formada em Barbacena interior de Minas Gerais, por sinal a banda oscilou entre idas e vindas e lançamentos mais estranhos como “Paradise Dry Branch” material praticamente gótico e muito pouco fazia menção ao que o Asaradel nos apresentou nas primeiras demos, depois de um tempo uma nova banda que se chamou O Oráculo de Asaradel e depois apenas Oráculo, lançando uma demo fantástica chamada “Astral Door Ways”. Recentemente Asaradel anunciou lançamento de um álbum, diria que seu primeiro álbum na carreira nestas idas e vindas, que se chamará “Kanashibari”. Desmodus Rothundos, banda de São Paulo fundada em 1990, mas conheci apenas uma demo. Eris Maestus, grande banda também de São Paulo que tinha uma linha mais Doom Black Metal assim como Asaradel e depois fui acumulando o conhecimento de muitas bandas undergrounds ao longo dos anos 90.

Finalmente, ainda em 1994, surge a Mythological Cold Towers que trouxe em sua formação ex-integrantes da Desmodus Rothundus e Pentacrostic, aliás uma das bandas mais perfeitas da cena nacional com grandes lançamentos e uma fidelidade sonora fantástica, só vi aprimoramento na carreira da Mythological Cold Towers, ademais, criatividade é que não falta a uma banda que tem a perspicácia de ter esse nome; e a banda do sul do país, Santa Maria, a Serpent Rise que trazia um Doom mais lento e mais atmosférico chegou a anunciar um lançamento pela Sound Riot e houve algo que o lançamento ficou em suspense. De fato o álbum só saiu anos depois pelo selo Megahard, mas a banda já tinha uma música do álbum que circulou muito na cena e umas demos que dava boas amostras do poder sonoro deles. Todas as bandas tendiam muito mais para o Death Metal ou o Black Metal nos anos 90, conheci poucas bandas brasileiras que faziam Doom Heavy Metal nessa época, em verdade eu não me lembro de nenhuma especificamente, mas talvez a Imago Mortis do Rio de Janeiro se enquadre como uma banda de Doom Heavy Metal mais tradicional.

Claro que, em se tratando de Brasil, rapidamente outras bandas começaram a enveredar pelo estilo Doom nos anos 90, além das supracitadas: Cetennial, banda de são Paulo que chegou a lançar uma demo “Celestial Serenity” 1996 e um álbum “The Rotten Beauty” de 1999; Adágio, outra banda de São Paulo/Araraquara, que lançou dois álbuns “Romantic Serenades” 1999 e “The Birth Misery” de 2001; Monasterium, banda de Teresina/Pi que chegou a lançar um álbum no final da década de 90 “Innocent Rise”; Pettalom, ainda em atividade e já lançou dois álbuns, o que mais conheço é o primeiro lançado em 2000 “The Wine of the Night” uma sonoridade mais próxima do Gótico; The Cross, banda de Salvador/Ba surgida por volta de 1991, com uma mistura inusitada Thrash/Doom que marca suas primeiras demos e depois a banda assume apenas o Doom com grandes influencias do Death Metal, tem uma larga lista de lançamentos, porém apenas dois álbuns lançados e o mais recente nos mostra um trabalho primoroso e muito bem feito; Eternal Sorrow, banda paranaense de extrema qualidade, contém uma demo e três álbuns, conheço mais a demo e o primeiro álbum, por sinal excelente trabalho chamado “The Way of Regret” de 1998. . Guehenom, banda de São Paulo qual tive contato com sua demo “The Rise of Innominate Forces” e depois perdi algo pelo caminho, da formação da Guehenom também saiu Shamash que integrou a Mythological Cold Towers mais tarde. E ainda Deep Silence (BA), Perpetual Tears (SP), Aqueronte (BA), A Sorrowful Dream (RS) e outras que não tive contato ou apenas não me recordo agora.

Como praticamente toda minha história dentro do metal circulou dentro do underground, foi mais difícil ter acesso a algumas bandas de Doom fora desse circuito e, também, não era o meu maior interesse no metal em si. Cabe citar algumas bandas que marcaram época aqui no Brasil como: Symbolic Immortality do Rio de Janeiro que fazia um som bem esquisito, mas muito bom, muito eficiente, gostava muito dos seus lançamentos, principalmente o trabalho dos vocais, inclusive, tem uns dois anos, circulou a notícia que seus materiais seriam relançados, mas parece que ficou apenas no virtual. E, outra banda que merece atenção, principalmente suas demos e os dois primeiros álbuns é a Silent Cry, uma das bandas que conseguiu reunir em sua sonoridade o Death Metal, o Heavy, a Opera e o Gótico, fazendo uma grande miscelânia em seu som, mas que surtiu muito efeito, aliás, foi uma grande tendencia de bandas lançando material com esse perfil sonoro, essa mescla de estilos e, muitas delas, ficaram conhecidas como uma estética associada ao conto da “bela e a fera” por causa do uso extremo entre vozes guturais (geralmente masculinas) e vozes doces (em geral femininas) que causam essa associação direta.

Nesse gênero de “a bela e a fera” eu acredito que a primeira banda que desencadeou essa “ideia” foi a Theatre of Tragedy em seu álbum de estreia de nome homônimo lançado em 1995, mas já haviam bandas da cena underground que faziam essas experiencias como The Gathering e Tristania, The Sins of thy Beloved, diria que não fizeram com a mesma elegância e categoria que a Theatre of Tragedie (musical e liricamente falando), mas que estavam na vanguarda do Doom Metal nesse momento dos anos noventa, com certeza! Nessa linha surgiram logo bandas como Within Temptation, After Forever (anos dois mil), Trail of Tears, Epica, Delain, Xandria, Nightwish e até bandas que tinham exclusivamente vocais femininos como Dreams of Sanity em seu álbum de estreia de 1997 “Komodia”.

Assim como o Death Metal, o Black Metal também utilizou largamente os recursos do Doom Metal como fonte de inspiração, fossem para arranjar as músicas, fossem para fincar um estilo arrastado as músicas e isso ficou aparente em algumas bandas, como principalmente os primeiros álbuns da Samael “Worship Him” 1991 e “Blood Ritual” 1992, apesar de achar que Samael tinha um estilo muito próprio é possível perceber fortes células do Doom Metal em sua estrutura que, aos poucos, foram sendo diluídas em seus álbuns seguintes. Nesse nicho voltado para o Doom Black Metal, nos anos noventa, com certeza, o maior expoente do estilo foi a alemã Bethlehem, o álbum “Dark Metal” de 1993, pode ser considerado um marco do estilo, além de extremamente estranho para as sonoridades mais comuns da época. Outra banda que apreciei demais ter conhecido nesta mesma época foi sem sombra de dúvidas a Unholy, banda finlandesa que lançou dois álbuns maravilhosos em sequência o “From the Shadows” e o “The Second Ring of Power” 1993 e 1994 respectivamente. Unholy é uma daquelas bandas em que muitas bandas de Doom deveriam se espelhar porque conseguiu reunir toda atmosfera mais sombria possível em suas canções, uma voz extremadamente bem encaixada a sonoridade e que dão um tom perfeito ao que se pretende no álbum.

Outra banda finlandesa, mas que estava mais para o Death que para o Black, era a Thergoton, banda de carreira curta que lançou apenas um álbum, por sinal, um bom álbum em 1994 chamado “Stream from the Heavens”, com uma carga energética funesta que mais tarde vai ser rotulada de Funeral Doom, aliás uma tendencia que vai também se espalhar rapidamente através de bandas que farão com que esse gênero ganhe mais e mais adeptos. Nesse nicho do Funeral Doom eu posso citar duas, a Esoteric e a Desire. Esoteric é uma banda inglesa da primeira metade dos anos noventa, a conheci através de um álbum duplo contendo três músicas em cada um dos discos, o álbum se chama “Epistemological Despondency” e acho que foi o meu primeiro contato com um boxe acrílico duplo, naquele tempo ainda não era aquela bandeja fininha dupla face, era o equivalente a duas caixas acrílicas e foi assim que conheci a Esoteric e foi uma experiencia ímpar, nunca tinha escutado uma única banda de Doom por tanto tempo. Para se ter uma ideia a música que abre o álbum tem pouco mais de vinte minutos e a que fecha pouco mais de vinte e seis minutos de duração, de um som quase parando, ali sim tive a experiencia atroz do que é o Funeral Doom.

Já a segunda banda é a portuguesa Desire, que conheci através de demos, uma advance na verdade e, depois, conheci o primeiro álbum “Infinity… A Timeless Journey Through an Emotional Dream” de 1996, um belíssimo álbum, não tão arrastado quanto Esoteric, mas bem arrastado e talvez com um pouco mais atmosfera criada pelos teclados. Como bom observador e admirador da arte e cultura underground, devo ressaltar a beleza que é a logo da banda Desire, uma verdadeira obra de arte.

Como disse um pouco antes de falar de algumas bandas, o Doom fez com que surgissem muitas ramificações dentro de estilos já consagrados como o Death e o Black, estes mesmos por sua vez darão novas roupagens ao Doom através de subestilos que incorporam algum sentimento conectado com a narrativa, como por exemplo o Depressive Suicidal Black Metal (DSBM) um estilo que pode se dizer que é mais recente e que sofreu influência direta do Bethlehem como Nocturnal Depression e Forgotten Tomb, ou bandas mais cheias de controvérsias como a Shining. Tal tendencia ganhou muitos adeptos e uma avalanche de bandas foram surgindo ao longo dos últimos vinte anos, fazendo com que essa vertente se tornasse sólida, apesar de não ser um conhecedor e consumidor do estilo, algumas bandas eu até aprecio, guardadas as devidas proporções.

Por outro lado, algumas bandas também provocaram algum alvoroço nestes mesmos anos noventa, mas ficaram meio que, esquecidas por grande parte do público ou mudou muito do início aos trabalhos mais recentes, nesse quesito mudanças drásticas eu posso citar a Opeth, que inicia sua carreira mesclando um Death Metal cadenciado e técnico com as células tristes do Doom e vai lançando álbuns fantásticos um atrás do outro conseguindo traduzir muito bem e com originalidade sua sonoridade dando uma grande identidade a mesma, até os mesmos começam a exagerar na estética sonora e fluir para o progressivo cada vez mais e mesclando o Fusion, o Jazz e o Progressivo, o que vai ficando um pouco de lado aquela massa sonora que o Death Metal entrega. De outra parte eu cito Celestial Season (HOL), Monumentum (ITA), Ras Algheti (ITA) e a Neolithic (POL) como bandas muito boas, promissoras, mas que foram caindo no esquecimento, aliás, estes anos de 1994, 95 e 96 pôde nos proporcionar conhecer uma grande quantidade de bandas que enveredaram por caminhos calçados pelo Doom, graças também alguns selos/distros que trouxeram verdadeiras pérolas para nossas terras como a Sound Riot, bandas como Decoriah, Orphanage, Sadness, Mysanthrope, Crematory, On Thorns I Lay, Tristitia, Mystic Charm e outras.

Com certeza, o Doom é um estilo dentro do metal que pode nos propor muitas facetas, várias vertentes interessantes com bandas muito expressivas, ampliando ainda mais o leque do universo musical em que estamos imersos, evidente que não fui capaz de discorrer sobre muitas bandas que um adepto do estilo tenha mais conhecimento e apreço que eu, ou mesmo outras vertentes como o Stoner, qual também não sou tão interessado assim, mas ao mesmo tempo, é um estilo que gosto o suficiente para reconhecer seu valor e sua contribuição sonora a outras linhas de metal. Aproveitarei para fazer uma breve lista de álbuns que marcaram essa minha trajetória, ainda que não tão profunda sobre o Doom Metal.

Candlemas – “Epicus Dominicus Metalicus”

Candlemass – “Nightfall”

Solitude Aeturnus – “Through the Darkest Hour”

Penance – “Parallel Corners”

Pentagram – “Pentagram”

Pagan Altar – “Volume 1”

Memento Mori – “Rhymes of Lunacy”

Paradise Lost – “Lost Paradise”

Paradise Lost – “Gothic”

Anathema – “Serenades”

Katatonia – “Ihva Elohim Meth”

My Dying Bride – “As the Flowers Withers”

Opeth – “Orchid”

Tiamat – “Sumerian Cry”

Asphyx – “The Rack”

Soulburn – “Feeding on Angels”

Neolithic – “The Personal Fragment of Life”

Celestial Season – “Forever Scarlet Passion”

Heaven & Hell – “The Devil You Know”