A banda Eternal Solitude nasceu no ano de 1995 em Franca ,interior do estado de São Paulo tendo como mentor o então guitarrista Danilo que explorava em suas composições um Death Metal repleto de melodias melancólicas e que flertava com alguns aspectos do Doom Metal principalmente em suas abordagens líricas. A banda lançou em 1997 a memorável demo “Celestial Empire of Dark Age” e algum tempo depois entrou em longo período de hibernação e só voltou a despertar há alguns anos quando Danilo resolveu retomar a banda , dessa vez assumindo todos os instrumentos e deixando os vocais a cargo de Samuel, que também vocalista da banda Masturbator. O resultado desse retorno foi o álbum “The Gates of the Beyond” lançado no ano passado e que figurou em várias listas de melhores lançamentos de 2022. Com uma sonoridade mais sinfonica e que abraça elementos do Black Metal o álbum traz 14 faixas sensacionais e só vem recebendo elogios dentro da cena e para falar desse retorno, bem como desse fantástico àlbum nós da LUCIFER REX fomos obrigados a procurar o multi instrumentista Danilo que prontamente nos recebeu…
A musica do Eternal Solitude carrega em sí uma grande carga emocional e acredito que isso possa ser um reflexo (consciente ou não) de seu estado interior no ato da composição.
-O que te inspira a compor, em quais momentos você se sente confortável em escrever uma música e como se dá esse processo de composição ?
Dan: Com certeza o estado interior é a principal chave, a mente tem que estar totalmente ligada somente na musica, nas horas vagas, sem estar preocupado com outros deveres, consigo me inspirar, extrair e trabalhar muito bem no silêncio noturno e madrugadas .
A maioria das composições do “the gates of the beyond” o processo inicial era sempre nos teclados, buscando melodias e combinações para depois transpor para as guitarras, mas gosto de trabalhar por partes, escutar o que ja está feito e ir aprimorando as ideias até finalizar a música, isso as vezes leva semanas, nem sempre as inspirações estão ativas, gosto de trabalhar na diversificacao de um som e isso exige paciencia e tempo. A arte de compor sao de momentos, mas a música fica registrada para sempre, então procuro fazer o meu melhor em cada parte, em cada música, tudo no seu devido tempo.
Vinte e cinco anos separam a demo “Celestial Empire of Dark Ages” de “The Gates of the Beyond” e eu te pergunto, em sua opinião :
-Quais as maiores diferenças e quais as semelhanças tanto na parte musical e lírica quanto no processo de criação, produção e lançamento dos dois trabalhos ?
Foram longos anos de intervalo de um material para outro, nao temos um material nesse meio tempo para analisarmos uma evolução, os tempos são outros, nao tem como comparar em termos de semelhanças, a maturidade musical é bem ampla em relação ao passado, recursos para gravar, equipamentos, tudo diferente. A qualidade do primeiro material era o que tinha para a época, poucos recursos e pouca grana para trabalhar melhor dentro de um estudio, cada minuto valia cifras, alem de uma qualidade limitada .
Em momento algum me sintonizei com nossos sons dos anos 90 na hora de compor o novo material, poxa, o tempo passa e voce nao consegue fazer sempre a mesma coisa e nem se deve, isso é um processo natural do tempo, a essência e a identidade pode ser mantida, mas a musicalidade entre si ja nem tanto.
Sobre a semelhança dos dois trabalhos, a unica na minha opinião são algumas passagens atmosféricas ou aquela parada que entra um dedilhado, uma viagem, curto muito esses momentos, de quebrar o som. Na parte lirica, a linha se manteve.
A demo tape não teve produção alguma, ao contrario do cd que foram alguns meses apenas na produção; lançamento e divulgação nem se fala então em questões de comparações, divulgar flyers, gravar fita por fita e todo aquele processo de envio e recebimento para que a pessoa pudesse conhecer o seu trabalho, reconhecimentos e avaliações demoravam um bom tempo.
Quanto ao cd, ja soltamos um single um ano antes do lançamento e um segundo som meses antes do material completo e antes do cd sair a maioria ja sabia o que viria pela frente. O resultado pós lancamento foi muito rápido, em um mes, pra minha surpresa, ja tinham resenhas de paises como Grécia, Ucrania e Russia, inclusive entrevistas, hoje as coisas funcionam muito rápidas, enfim, há 25 anos atrás ninguém imaginaria algo assim do tipo, só que aquela velha essência e valor, nada substituirá.
Ainda falando sobre esses vinte e cinco anos em sua opinião:
– O que mais mudou na cena, nas bandas, metalheads e em você mesmo como pessoa durante esse período de tempo ?
-Alguma coisa permanece a mesma ?
Quase tudo mudou na cena, isso é inevitável, as mudanças fizeram com que os metalheads, bandas, zines, se agregassem aos novos tempos. Em termos tecnológicos, não há como comparar com o passado, hoje voce grava com facilidade e com ótima qualidade e em questões de minutos inúmeras pessoas já conhecem seu trabalho. Mas toda aquela magia de decadas passadas ficou para tras, trocas de cartas, flyers, materiais, era muita correria para divulgar seu som e o resultado final era gratiricante, porque vinha do suor e muita luta para conseguir algo.
Metalheads? Bom, quem é da epoca sabe, no passado todos se preocupavam apenas com a ideologia e a musica, hoje em dia é isso ai, está explicito tudo que anda acontecendo, nem vale apena comentar, até porque opiniões sao diferentes, ninguem muda ninguem, mas o que salva mesmo são os verdadeiros metalheads com o mesmo espirito daquela época, dando valor, divulgando, apoiando, sem se preocupar com inutilidades.
Hoje são tantas informações, tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, que procuro absorver o que é útil e positivo.
Underground unido, contra o sistema, religião, a tudo e a todos que se opusessem, isso se tornou coisa do passado.
Bom, como pessoa, a maturidade vem com a experincia e tempo, procuro sempre aprender e fazer o melhor, hoje em dia ja vejo adiante algumas coisas que podem ou não dar certo, além do mais as prioridades e responsabilidades são outras, bem maiores, mas a paixão pela música é a mesma.
Sobre esse hiato entre os lançamentos, sei que houve uma pausa na banda na maior parte desse período.
-Quais os motivos que levaram a essa pausa?
-O que você estava fazendo durante esse período ?
– O que tirou o Eternal Solitude desse coma ??
Nem vejo como uma pausa, foi encerramento mesmo. Já rolava algum desgaste e falta de vontade e banda todos tem que sentir e pensar o mesmo, a falta de músicos para enquadrar no estilo e em todo contexto foi o motivo para não prosseguir. Durante esse tempo, apenas me ausentei de trabalhos autorais, sempre estive ligado ao metal, indo a eventos e as vezes rolava alguns projetos covers para interagir com amigos e divertir. Sempre respirei musica, não tem como ficar longe.
O despertar de um coma é quando você percebe que um trabalho de 25 anos atrás ainda está vivo, sendo reconhecido e valorizado, a disposição e o incentivo tomam conta e a partir daí tracei esse objetivo de lançar um material, algo em que no final dos anos 90 chegamos próximos e não aconteceu.
Já com equipamentos que me dava possibilidades de trabalhar sozinho, pude fazer tudo naturalmente no meu tempo e assim finalizamos um bom trabalho e prosseguimos para o próximo.
Sobre o álbum “The Gates of the Beyond” em que período foram escritas as 14 faixas que o compõem ?
De 2017 a 2022, com tantas ideias acumuladas e ao mesmo tempo com varias dificuldades técnicas, acho que foi um tempo necessário para que eu pudesse extrair o melhor de mim, aprender e evoluir em vários aspectos, pois pela primeira vez lidei com varios instrumentos em um processo de gravação, não foi nada facil. A pandemia, tempos de ficar em casa, contribuiram muito para focar na música, renderam boas composições. A experiencia foi muito válida, aprendi com os erros e fui amadurecendo em alguns aspectos, praticidades, partes técnicas e outras.
Musicalmente apesar da banda , em minha opinião, ter uma identidade bastante própria eu consigo discernir a influência que bandas como Katatonia e The Elysian Fields dos primórdios exerceram na sonoridade da banda. Estou correto ? Que outros nomes você diria que podem ter direta ou indiretamente influenciado o som de vocês ?
Sim, além das citadas, rotting christ, dark tranquillity, amorphis e dissection,ambas em seus primórdios; quando o eternal começou suas atividades, alguns generos estavam em alta, principalmente o grego e sueco, era algo inovador e contagiante e que hoje em dia são considerados como obras clássicas, diretamente ou indiretamente foram influencias para muitas bandas da época, mas eu sempre procurei manter minha identidade, acredito que o bom resultado da demo seja por isso, nosso som não era cópia de nada e acredito que fazer o diferente faz toda a diferença. Hoje em dia, acredito que minhas influencias tenham ficado la atras.
Inclusive, em “The Gates of the Beyond” vocês fizeram uma releitura bastante particular da faixa “I of Forever” do The Elysian Fields com a participação de Rodrigo Avernoth da banda Cursed Christ como convidado nos vocais. Como se deu a escolha dessa faixa e essa participação ?
Eu cheguei a gravar tres sons, de bandas que me influenciaram la atras, com o intuito de um tributo/ homenagem, e essa escolha se deve ao fato dela ter sido autorizada pelo autor da musica, para sair em mídia fisica, inclusive por seu intermédio (Juliano) com o Bill Mike, para que a autorização fosse concretizada; foi uma honra poder regravar esse clássico, gostei muito do resultado final.
Quanto à escolha do Rodrigo, alem de ser camarada de longas datas, tinha o vocal ideal e o empenho para concretizar esse som, muito comprometido com o que faz, sua participação no cd foi importante, devido a ligação que tivemos no passado, locais de ensaios, etc.
A faixa “Tenebrarum” tem um tom mais denso e obscuro e me lembra em alguns momentos algumas bandas de Black Metal dos anos 90 como o antigo Gehenna norueguês. Como surgiu essa faixa ?
Esse som nem iria entrar no cd, foi feito quando praticamente o restante ja estava sendo trabalhado na mixagem, de fato é uma linha diferente em questões de melodias e harmonias , sim, ela tem um clima mais denso e obscuro, isso a diferenciou das demais. Eu tenho várias ideias diversificadas para fazer um som, sem me prender a um estilo só, resolvi inclui-la e mostrar que podemos fazer algo diferente mas que pode se acoplar sem tantas diferenciações.
Aliás é você quem assume os excelentes vocais dessa composição, estou correto ? Como foi essa experiência ? è algo que poderemos ver acontecer novamente no futuro ?
Sim, foi algo inesperado, eu nunca tinha feito vocal, alias, não tenho essa vocação , tanto por timbres, tecnicas e a necessidade adequada para o estilo do eternal. Como disse anteriormente, estava muito em cima da hora, fiz uns testes e gravei. Nessa linha de som, até que funcionou, apesar da limitação, mas sobre futuro, quem sabe, mas por enquanto minhas prioridades continuam só nos instrumentos.
Além das primorosa composições “The Gates of the Beyond” possui uma ótima produção tanto na parte sonora, que conseguiu trazer o peso ideal e mostrar todas as nuances que a banda possui, quanto na parte gráfica, que utilizou uma paleta de cores frias e conseguiu traduzir graficamente de forma perfeita a musica do Eternal Solitude. Fale-nos mais a respeito.
Gravei todos instrumentos em casa e fiz edições que pudessem facilitar no trabalho do produtor para a mixagem; o Alexandre Machanocker, da moby dick studio, foi o responsavel por toda a mixagem e masterização, por ser um ótimo técnico e ser um amante a decadas do metal, ele sabia o que estava fazendo e o resultado foi fantástico.
Parte grafica ficou por conta do nosso amigo Sancler Melo, o qual ja tinha feito alguns trabalhos anteriores para outras bandas locais, nao dei ideia de nada, mandei alguns sons e letras para ele entender todo o contexto e entrar no clima da criação. Ele foi enviando algumas partes para sugestões e assim rolou. O espaço estava bem curto para trabalhar no encarte por ter 14 faixas e limites de paginas, mas no fim tudo deu certo. Foi satisfatório mais um camarada de longas datas fazer parte desse trabalho.
Vi que a recepção ao mesmo está sendo excelente , inclusive muitos veiculos da midia underground o colocaram em suas listas de melhores álbuns de 2022. Acredito que ao ouvir o álbum finalizado você tenha conseguido perceber a força do material que você tinha em mãos, mas você de alguma forma conseguia antever essa repercussão ??
Eu faço a musica para me agradar, sou verdadeiro comigo mesmo, sem pensar se alguem vai gostar ou nao. Quando os sons mixados foram chegando por partes , era uma magia inexplicavel, com aquela sensação de um sonho realizado, Inevitavelmente senti que o resultado seria positivo, mas nao sou de ficar sonhando, prevendo o que poderia acontecer ou nao, criar expectativas nem sempre é bom, mas o otimismo fazia parte sim, o mais importante que eu estava feliz por mim, de ter concretizado um sonho de lançar o primeiro debut album, acredito que tudo tem sua hora e esse foi o momento certo.
Vejo muitas pessoas rotulando o Eternal Solitude como uma banda de Doom Metal. Eu porém discordo totalmente disso porque consigo vislumbrar inúmeras outras camadas na sonoridade de vocês. Como você descreveria a música do Eternal Solitude ?
As pessoas são livres para rotularem como elas quiserem, eu não gosto de usar rotulos, mas temos que usá-los para referencias. Esse lance do eternal ser considerado uma banda doom desde o inicio tambem discordo, alias, nem sei o porque disso, doom para mim, principalmente naquela época, era anathema, cathedral, paradise lost, my dying bride, candlemass e outras mais, algo mais sabatico mesmo e o nosso som nao tinha essas ligações, mas depois foram surgindo outros subgeneros como gothic doom, etc. Acho que a minha linhagem se encaixava mais nesse clima, a demo ja mostrava isso, batidas rapidas, palhetadas aceleradas dentro das melodias, por isso descreviamos como death/doom. A melancolia, melodias marcantes, sempre estiveram presentes na composições. Ja no cd, algumas influencias do black metal foram impostas no lugar do death, enfim, são muitas vertentes.
Sei que você já tem mais material do Eternal Solitude sendo trabalhado nesse momento, então me atrevo a supor que não precisaremos esperar outros 26 anos para o lançamento do sucessor de “The Gates of the Beyond” rsrs .
-O que você vislumbra no horizonte para o Eternal Solitude?
-Como você compararia esse novo material sendo produzido com “The Gates of the Beyond”?
O meu vislumbre é apenas dar continuidade aos trabalhos, focar no dia a dia, o futuro será consequencia do que é feito no dias de hoje. Até o momento desta entrevista, os vocais apesar de estarem com encaixes , ainda serão gravados, mas posso adiantar que a maturidade é outra, eu gosto de aprender, evoluir, e fazer o diferente. Nas novas composições estou focado um pouco mais nas guitarras, acredito que será um trabalho mais direto, bem menos orquestrado que o “the gates of the beyond” e com a finalidade de superá-lo, pois novos desafios me incentivam. A essencia e o estilo permanecem, tenho gostado muito do que foi feito até agora. Quem sabe, logo surpreenderemos com um single ou até mais.
Algo mais a ser dito ?
Primeiramente, agradeço a voce Juliano por conceder esta entrevista, nada melhor feita por quem tanto conheceu e acompanhou a banda de perto, aproveitando tambem para agradecer por todo seu apoio na fase do nosso retorno, durante o processo de gravação e pós lançamento. Fico lisonjeado em participar dessa nova etapa da Lucifer Rex, é uma equipe de longas experiencias e conhecimentos, a cena só tem a ganhar com isso, parabenizo desde já esse trabalho e desejo boa sorte e uma longa jornada.
Agradeço imensamente a todos os seguidores da banda, que apoiaram e incentivaram desde sempre, esse valor foi o essencial para as chamas se reacenderem.
Um salve também para o Leandro Fernandes, da Eclipsys Lunarys Prod., que abriu as portas e confiou no nosso trabalho, inclusive quem ainda não adquiriu o material, só falar com ele pelo whatzap (31)989413145.
” LONG LIVE METAL”