HORROR TALES – Conto III – A Maldição do lago Hetvield

A MALDIÇÃO DO LAGO HETVIELD

Horror Tales

A MALDIÇÃO DO LAGO HETVIELD

O dia estava claro, havia nuvens esparsas no céu, era um bom dia para Hogdar pescar no lago Hetvield em sua canoa feita de madeira por ele mesmo.
Hogdar é um senhor de oitenta anos que mora em uma pequena vila em uma ilha ao norte do continente europeu. Um lugar quase inóspito, o clima é frio mesmo no verão, nos poucos dias de céu claro, Hogdar vai para o lago.
Muitas pessoas viajam para a ilha em suas férias, mas todas vão embora sem se despedir, a pequena vila tem cerca de cem habitantes, introspectivos e quase nunca falam com estranhos. Eles se fecham entre eles e não dão informações a ninguém, diferente de Hogdar, sempre receptível e não hesita em oferecer um passeio de barco aos visitantes da vila, aventureiros ou pessoas que procuram seus parentes que por ali estiveram e nunca mais retornaram.
Hogdar, um homem de cabelos longos e brancos, aspecto sereno, sempre com um sorriso no rosto, vestes simples como um homem do campo, conquistava as pessoas que nele confiavam.
Ele parecia estar em todos os lugares, quando um forasteiro estava em uma taverna e tentava se comunicar e todos o ignoravam, Hogdar sempre aparecia para uma boa conversa e assim, os instruindo sobre como passar alguns dias na ilha e assim, logo ele era a chave para tudo que acontecesse naquele vilarejo.
Certo dia, Hogdar, em sua canoa, olhando para o horizonte escuro, foi surpreendido por dois jovens que à beira do lago o chamavam. O homem navegou até a borda e aproximando-se dos dois jovens, disse:
— Olá! Visitantes da nossa querida ilha! Em que posso ser útil?
Então, uma moça de dezoito anos de idade, olhos claros, pele morena, magra, carregando uma mochila consigo, disse:
— Boa tarde, senhor! Sou Maria, e esse é meu namorado Juan. Viemos de longe, somos argentinos e queremos nos hospedar em sua vila, pois há rumores que aqui acontece algo como no triângulo das bermudas, que eventos sobrenaturais acontecem neste lugar.
— Hum! É o que dizem? Bem, sejam bem vindos e o que é que estejam procurando, eu os ajudarei a encontrar. A propósito, meu nome é Hogdar e estou a suas ordens.
Juan, um jovem de dezenove anos, cabelos escuros e lisos, pele morena, descendente de índio, tímido, mas com enorme curiosidade dentro de si, apenas observava Maria conversar com o homem, enquanto caminhavam para a vila onde teriam uma refeição e um lugar para dormir.
Durante o jantar, Hogdar, curioso em saber mais sobre a cultura sul-americana, fazia intermináveis perguntas, Juan, após algumas cervejas passou a falar um pouco, mas sempre inconveniente, pois não estava acostumado com relações pessoais, sua timidez não o deixava ter as experiências básicas da convivência em sociedade.
Já era tarde da noite quando decidiram se hospedar na casa de Hogdar que cedeu a eles um quarto, já que na Vila eles não recebiam forasteiros e nem mesmo uma pousada existia ali. Hogdar sempre hospedava os viajantes, ou em sua casa, ou em sua cabana próxima ao lago.
Ao amanhecer, Hogdar os acordou logo cedo para que tomassem café da manhã com ele e os acompanhasse ao lago para uma pescaria, o dia estava escuro e muito frio. Maria estava animada e queria ir em qualquer lugar, já Juan, queria descansar mais um pouco, mas Maria o convenceu a ir junto nesse passeio.
E assim, os três caminharam até o lago que ficava a cerca de vinte minutos da casa do homem e ao chegarem à borda, Hogdar pediu para que Juan e Maria subissem na canoa. Era uma canoa pequena, mas cabia os três.
No caminho, enquanto Hogdar remava ao centro do lado, escuro e gélido, ele disse:
— Vocês gostariam de ouvir uma lenda sobre este lago?
—Sim! Claro! — Respondeu Maria, empolgada!
— Pois bem, preparem-se para encontrar e vivenciar a aventura que procuram! Aqui nesse lago, vive um grande monstro, dizem que ele foi um anjo expulso do céu e que na escuridão desse lago ele vive sob a forma de um enorme criatura que se alimenta de almas. Essa vila já foi uma cidade, mas com o desaparecimento dos pescadores, o povo passou a rondar o lago para enfrentar a fera após descobri-lo. Mas essa batalha não foi muito bem sucedida, o monstro devorou um por um e os poucos que sobraram não vem aqui.
— E por que o senhor se arrisca nestas águas se tal criatura abominável reside aqui? — Perguntou Juan, assustado e com olhar atento.
Maria apenas ouvia, estava encantada por aquela história e disse a Juan:
— Não interrompa, é uma boa história! Quero ouvir mais!
— Pois bem, e que assim seja! — Disse Hogdar que continuou. — Eles tentaram de tudo para acabar com o monstro, eu era muito jovem e já ouvia as lendas que meus antepassados contavam e todos eles sobreviveram, pois o monstro não ataca aqueles que o alimentam, e foi assim, que em muitas culturas antigas, eram feitas oferendas a aquilo que estava além de nossa compreensão, estavam em busca de segurança e paz.
— E também várias outras loucuras e sandices que culminaram em atos violentos e desumanos. — Disse Juan.
— Já disse para ficar quieto, não o interrompa! — Disse Maria.
À medida que se aproximavam do centro do lago, às margens desapareciam em meio a névoa que os cercavam, estava muito frio e Juan continuava a interromper Hogdar, ele queria retornar, mas Maria estava apaixonada pela história contada pelo velho ancião e queria continuar, mesmo com o clima frio e a pouca visibilidade.
Juan então, passou a observar a água escura do lago e não prestar atenção no que o homem dizia e assim, ele viu algo estranho na água. Pareciam peixes, mas ao olhar atentamente, percebeu que tinham forma humana. O homem continuou a contar a história e então, Juan, curioso, sem que Maria ou Hogdar percebessem, aproveitando um segundo de claridade que fez naquele instante, mergulhou seu rosto naquela água gelada e viu uma montanha de corpos amontoados em baixo d’água e uma estranha criatura que percebeu sua presença. Ao retirar o rosto da água, Hogdar, que o olhava com enormes olhos negros, como se estivesse possuído por uma entidade milenar, segurando a cabeça decepada de Maria, disse:
— E assim termina sua história, uma pena que você perdeu a melhor parte.
Hogdar se levanta e espalha o sangue de Maria pela água do lago enquanto diz algumas palavras em língua estranha. Juan, prevendo seu fim iminente, se aproxima do homem que o repele com golpes de faca, mas persistindo na luta, Juan consegue agarra-lo e enfiar seus dedos nos enormes olhos negros de Hogdar, quebrando sua conexão com a criatura do lago. Cego o homem apenas amaldiçoava Juan.
Hogdar estava cego em pé no meio da canoa, e percebendo a movimentação na água, Juan reuniu forças e com os pés, empurrou Hogdar para a água e começou a remar para fora do lago. Ele não conseguia ver nada além da névoa. Ao olhar para trás, ele percebeu uma enorme sombra de mais de cinco metros que refletia atrás da cortina de fumaça causada pela névoa para em seguida afundar carregando os restos mortais de Maria e Hogdar.
Juan estava ferido, mas conseguia se locomover, eram cortes que não acertaram nenhum órgão vital. Desesperado e sem saber o que fazer, ao atingir a margem, ele se dirigiu para a casa de Hogdar onde se medicou e fez alguns curativos. Ali ele ficou por longos anos, sobrevindo dos animais que criava e do que conseguia plantar e colher.
As pessoas da vila continuavam as mesmas, frias e distantes e nunca procuraram Hogdar, eles carregavam segredos que os obrigavam a viver em uma prisão interna.
Juan envelheceu naquele lugar se tornando o Hogdar em sua velhice. Passou a recepcionar os curiosos e levá-los ao lago para que fossem devorados pelo monstro. A insanidade tomou conta de seu corpo e alma e assim ele viveu até ser empurrado para fora do barco por uma de suas vítimas e afundar nas profundezas das águas escuras daquele lugar, para ser devorado e assim, finalmente, se juntar a Maria em seu sono eterno.

Por Raphael Oldskull

do livro: Macabro: Contos do Além Túmulo