Há pouco tempo atrás a equipe de redação da Lucifer Rex Magazine estava conversando sobre alguns lançamentos interessantes desse ano de 2023 e um dos redatores disse que eu sou meio “emocionado” em minhas analises musicais rsrs…. O fato é que esse comentário me fez ponderar profundamente sobre a forma como eu encaro a musica que ouço e como tento transmitir minhas impressões através de minhas resenhas. Já é um fato conhecido que eu apenas escrevo sobre bandas e álbuns que eu realmente tenha apreciado pois além do meu tempo ser muito limitado para eu desperdiça-lo esmiuçando algo que não tenha chamado a minha atenção , eu não acho justo eu criticar negativamente algo que, com certeza, tomou o tempo e suor de alguém e que pode vir a agradar a outros; minha opinião pessoal sobre um álbum é baseada em meus gostos pessoais e eu apenas tento despertar o interesse de pessoas que compartilhem de um perfil semelhante ao meu. Dito isso eu tenho que concordar que minhas resenhas são , de certa forma, “emocionadas” pois, para mim não existe meio termo, ou eu gosto muito, ou eu simplesmente ignoro e para eu apreciar um álbum, ele certamente terá que despertar em mim alguma emoção e em decorrência disso algum nível de conexão. E essa conexão é algo muito intimo e particular e será o fator determinante que poderá te fazer idolatrar uma banda que a maioria das pessoas poderá achar mediana, ou te fazer detestar um álbum considerado clássico por muitos. Mas porque estou dizendo tudo isso ? Meses atrás fui apresentado ao rico catalogo do selo italiano “Argonauta Records” e entre várias excelentes bandas me senti particularmente impactado com o álbum “Goat Rider” da também italiana banda de Stoner Occult Doom Metal KING POTENAZ. Por semanas consecutivas esse álbum ecoou em minha casa repetidas vezes e à época eu cheguei a cogitar que talvez ele fosse o melhor álbum de 2023 até aquela ocasião . Porém após o já citado comentário de meu companheiro de redação resolvi deixar “Goat Rider” meio de lado por um tempo na intenção de “esfriar” um pouco o “calor do momento”; Voltei novamente minha atenção ao álbum há duas semanas atrás após um período de dois meses sem ouvi-lo e agora após esse “distanciamento” e posterior reaproximação posso dizer que tenho uma posição mais fria, racional e diferente sobre esse trabalho… Em minha opinião, hoje, “Goat Rider” álbum de estréia do KING POTENAZ não somente se mantém como o melhor álbum de 2023 mas também está entre os melhores álbuns que eu ouvi em toda minha vida. Não há como negar que para mim a perfeição que emana dessa obra prima da primeira à ultima nota é algo que simplesmente as palavras não farão justiça e eu não vou conseguir expressar com clareza toda a grandeza, e magnitude que a sonoridade das oito faixas presentes nessa obra possuem com todas as suas múltiplas nuances e sutilezas. Mas o que levou uma banda que eu nunca tinha ouvido anteriormente e em seu álbum de estréia a entrar na minha seleta lista de melhores álbuns de todos os tempos ? Inovação ? Com certeza esse não é o motivo uma vez que a banda declaradamente se diz influenciada por nomes conhecidos como Sleep, Eletric Wizard, Monster Magnet e Black Sabbath, e você realmente consegue identificar elementos dessas bandas na sonoridade de “Goat Rider”, mas acredito que o que diferencia essa banda de mil outras que soam como clones baratos de grandes heróis do passado é que no caso do KING POTENAZ as inspirações estão em aspectos menos óbvios de suas composições como, nas estruturas musicais e em detalhes dos arranjos, dessa forma você provavelmente não verá o guitarrista Giuseppe tentar emular os riffs de Tony Iommi, mas poderá perceber ,por exemplo , em algumas faixas , elementos de musicas como “Symptom of the Universe” dos mestres britânicos com todo o contraste estrutural de seu inicio e fim e o escapismo quase espiritual de seu final inusitado. Acho que foi essa tendência da banda em buscar o não óbvio em seu leque de influências e a preocupação principal dos caras em criarem composições de extremo bom gosto, memoráveis e bem lapidadas que realmente me conquistou. As duas primeiras faixas “Among The Ruins” e “Pyramid’s Planet” já nos dão uma mostra do que encontraremos em “Goat Rider”, com o contraste entre o peso e agressividade de alguns momentos e a delicadeza presente em outras passagens . A primeira citada “Among The Ruins” já começa como um mastodonte caindo em nossas cabeças com a bateria e uma linha de guitarra arrastada, com uma distorção absurdamente linda em um primeiro riff que, basicamente apresenta a banda e culmina em um baixo “gordo” com um efeito de pedal wah wah à cargo de Francesco. A parte final dessa música nos mostra um pouco daquela característica estrutural dos arranjos que mencionei anteriormente nos dando um leve “plot twist sonoro”. “Pyramid’s Planet” já nos mostra uma outra faceta da banda sendo uma faixa mais contida e introspectiva e que convenientemente tem umas linhas de guitarra com um certo tempero de musica egípcia que se encaixou como uma luva com o titulo e a ótima letra . Essas duas primeiras faixas já haviam sido lançadas anteriormente em uma demo intitulada “6:66” no ano passado e é particularmente interessante notar como a banda amadureceu as idéias apresentadas naquela demo em um curto espaço de tempo acrescentando elementos nos arranjos e principalmente nos vocais de Giuseppe trazendo ao mesmo tempo um pouco mais de agressividade na primeira faixa e refinando a delicadeza e a sensibilidade da segunda. Aliás os vocais de Giuseppe também apresentam um certo “swing” com um tempero bem bluesy em alguns momentos,algo que é claramente perceptível na faixa de abertura. Algumas sutilezas apresentadas naquela demo e que não foram utilizadas nas versões finais presentes no álbum me fizeram perceber que os vocais de Giuseppe possuem ainda mais camadas e um segundo trabalho da banda poderá ser ainda mais rico que esse primeiro. A faixa titulo vem a seguir e é outra pérola da musica pesada , que tanto na parte lírica quanto na parte instrumental traz uma carga extra de rebeldia ; essa faixa traz também a primeira “viagem” do álbum com uma passagem no meio da composição que é puro “ácido sonoro” conduzida com maestria principalmente pelo baixo , bateria e teclados e que tem seu climax em um final com um tempero ritualístico, com um coral invocando a figura do “bode motociclista”; esse lado mais oculto também é um aspecto muito presente na sonoridade da banda que em alguns momentos conseguem trazer uma aura obscura tão autêntica e natural que envergonharia muitas bandas de Black Metal atuais que buscam isso em suas músícas mas soam plásticas. A próxima faixa “Pazuzu” é um bom exemplo disso que estou falando com sua paisagem sonora mais dark, uma composição densa, profunda e ao mesmo tempo contemplativa, com algumas linhas de teclados tétricas e que traz os belos vocais da convidada Sibilla (Mara Sibillo) . A próxima “Cosmic Voyager” é outro exemplo que traz influências menos óbvias, uma faixa delicada e ídilica que me trouxe à mente a faixa “Laguna Sunrise” do Black Sabbath ainda que ambas sejam bem diferentes musicalmente e a composição aqui mostrada traga uma parte percussiva muito interessante. “Moriemdoom (La Ballata de Ippolita Oderisi) é a próxima, pesada, mais arrastada , com uma parte lírica muito interessante e com os vocais de Giuseppe trazendo uma entonação mais narrativa. “Monolithic” vem a seguir sendo provavelmente a composição mais agressiva de todo o álbum com alguns riffs que foram feitos pra bater cabeça, e um refrão sensacional. Outra coisa que eu destacaria é o trabalho de baixo de Francesco na parte final dessa música que é brilhante. “Goat Rider” termina com “Dance Plague”, a melhor faixa de todas em minha opinião, com seus épicos nove minutos e dezenove segundos. Essa música por sí só já valeria a aquisição desse álbum, aliás foi feito um clipe para essa faixa que consegue ilustrar visualmente com perfeição a proposta musical dessa composição e eu só não diria que traz uma representação visual da banda como um todo por que do meu ponto de vista eu os pintaria com mais cores psicodélicas, (assistam ao vídeo da banda logo abaixo e tentem entender por sí mesmos). O maior destaque de “Dance Plague” pra mim é a viagem totalmente lisérgica e arrebatadora que temos na segunda metade dessa música e que é conduzida com perfeição por um elemento que eu ainda não mencionei nessa resenha, a bateria genial de Piero (que também é responsável pelos teclados ); ouçam essa passagem com fones de ouvido e atentem-se principalmente aos detalhes no trabalho de pratos com todas as sutilezas de tempos e contratempos que ele adiciona. Brilhante, genial, perfeito, sensacional…
É até engraçado terminar essa oitava faixa, porque eu já ouvi tantas vezes esse álbum em loop que quando termina o ultimo acorde da ultima musica eu naturalmente já fico esperando “Among The Ruins” começar novamente na sequencia e é realmente uma pena que, por enquanto, nenhum selo nacional tenha descoberto essa grande banda, para lançar uma versão de “Goat Rider” por aqui, algo que, eu espero, possa mudar em breve. De todas as bandas e todos os álbuns que eu resenhei em todos esses anos, com certeza “Goat Rider” do KING POTENAZ é o trabalho que eu indico com mais ênfase. E me perdoem se eu parecer meio “emocionado” mas pra mim pessoalmente é impossível não se apaixonar por essa obra prima. Obrigatório.
10\10