Nicholas Vince

"Para mim, o terror sempre lidou com as questões importantes da vida tais como a morte, o sexo e o mistério essencial sobre o que acontece depois que morremos?"

Entrevista

 

Os filmes de horror sempre tiveram uma influência direta sobre o Metal em geral.  Sem a existência do gênero clássicos como The Exorcist (Possessed), Evil Dead (Death), Dead by Dawn (Deicide) provavelmente contariam histórias bem diferentes e talvez muitas bandas sequer viessem a existir.  “O Exorcista”, “Madrugada dos Mortos”, “A hora do Pesadelo”, “Sexta Feira 13”, “Jogos Mortais”,etc a lista de títulos que fizeram e ainda fazem parte do imaginário da cultura metálica é imensa. E nesse universo de terror um autor que certamente inspirou os pesadelos de vários metalheads foi o escritor inglês Clive Barker que em suas visões distorcidas trouxe ao mundo algumas obras primas do gênero tais como Nightbreed (obra que foi o tema do álbum conceitual “Midian” da banda inglesa Cradle of Filth) e Hellraiser que dispensa apresentações e foi homenageada até mesmo por Ozzy e Lemmy na faixa que leva o mesmo nome da obra. Para falar um pouco mais sobre o gênero e as obras citadas, nós da Lucifer Rex procuramos Nicholas Vince, um ator nascido na Alemanha e que atualmente vive na Inglaterra para conversar. Nicholas que além de ator também é diretor,escritor e já trabalhou até mesmo na Marvel com quadrinhos, fez parte do elenco de Hellraiser e sua sequência Hellbound –Hellraiser II ,tendo interpretado o cenobita Chatterer e também esteve em Nightbreed como a cratura Kinski .

LUCIFER REX : Você está há muito tempo envolvido com o Terror tendo escrito livros, trabalhado com quadrinhos inclusive na Marvel e atuado em filmes que hoje são considerados clássicos do gênero e eu te pergunto:

Na sua opinião, por que o horror e o medo em geral causam tanto encantamento em algumas pessoas?

NICHOLAS VINCE : Acho que isso tem muito a ver com a infância das pessoas. Não quero dizer que haja um tipo especifico de infância ou de experiência que venha a significar que apenas algumas pessoas estão interessadas em terror. Acho que, quando crianças e encontramos a morte pela primeira vez há um momento único em que percebemos que nós mesmos iremos morrer e queremos saber mais. Para mim, o terror sempre lidou com as questões importantes da vida tais como a morte, o sexo e o mistério essencial sobre o que acontece depois que morremos?

A outra coisa com a qual o horror lida é a experiência do medo. Durante a pandemia, a Universidade de Nova York se não me engano publicou um estudo dizendo que aqueles que gostavam de filmes de terror estavam em um estado mental melhor ao lidar com a pandemia do que aqueles que não exercitavam efetivamente seus músculos do medo, assistindo ou lendo terror. .

Qual o segredo para que uma boa história de terror funcione? Que elementos não devem faltar?

Muitas vezes falei do meu amor pelo “horror inteligente”. Com isso, quero dizer histórias que não são apenas uma série de sustos (jump scare) ou imagens revoltantes, mas obras que, como eu disse, lidam com as grandes questões da vida, morte, sexo e geralmente colocam uma questão moral em pauta. Acho que as melhores histórias realmente evocam uma sensação de “O que eu faria se estivesse na situação deles?” Ou, “Oh inferno, agora eu entendo porque as pessoas se comportam assim.”

Um dos meus filmes favoritos é ‘A Noite dos Mortos Vivos’, de George a Romero. Nesse filme, você obtém um corte transversal maravilhoso de como as pessoas se comportam em situações semelhantes e, por um acidente na escalação, um comentário sobre as relações raciais nos EUA.

Hellraiser foi seu primeiro papel no cinema,é  isso mesmo? Como surgiu essa oportunidade ?

Eu conheci Clive Barker cerca de três anos antes de fazermos Hellraiser e eu costumava posar  bastante para ele, já que ele é um artista. Um dia, ele simplesmente me perguntou se eu gostaria de ser um monstro em seu primeiro filme como diretor.

Qual foi sua primeira impressão ao ler o roteiro e conhecer Chatterer, o personagem que você interpretaria?

Minha primeira impressão ao ler o roteiro foi notar como ele era diferente da novela original e ficar fascinado com o motivo de Clive ter feito as mudanças que fez. Quanto ao Chatterer, ele realmente não mudou muito entre o livro e o filme, então meu interesse estava em todo o processo de maquiagem, já que eu não tinha feito nada parecido antes.

Na época, quando você viu “Hellraiser” pronto, de alguma forma você chegou a imaginar o status e o impacto que o filme teria dentro do gênero de terror ao longo dos anos ?

A primeira vez que percebi o quanto as pessoas eram interessadas em Hellraiser, foi quando fui convidado para uma convenção de 10 anos do filme em Boston. Antes disso, lembro-me de em uma das exibições de Hellbound: Hellraiser II, ver alguém com uma tatuagem de Pinhead e de ficar maravilhado com isso. Mas na época em que Hellraiser foi lançado pela primeira vez, não, eu não tinha ideia de quanto tempo a influência de Hellraiser duraria. Curiosamente, esta manhã, um site publicou uma lista dos 10 principais personagens de terror e Chatterer ficou em sétimo lugar, o que me deixou muito satisfeito.

O cânone e a mitologia de Hellraiser se expandiram ao longo dos anos e na história “Prayers for Desire” que você escreveu e foi publicada em “Hellraiser Anthology vol II”, você pessoalmente contribuiu muito para a história de fundo do personagem Chatterer.

Como foi para você pegar um personagem originalmente criado por outra pessoa e ser capaz de moldá-lo da maneira que você o vê com as “bênçãos” do próprio Clive Barker?

Como muitos outros na profissão de ator, quando abordo um personagem, escrevo minha própria biografia pregressa dele, que o leva aos eventos do filme ou peça. Isso é apenas parte do meu processo. Quando Hellbound foi lançado, fui convidado a contribuir com um conto sobre Chatterer para uma revista chamada Fear. Então, escrevi então duas versões da história dele, que são muito diferentes entre sí. A que você mencionou, “Prayers of Desire”, é definitivamente a minha favorita, e a que faz mais sentido para mim.

O que acho fascinante no mundo de Hellraiser, e a razão pela qual escrevi contos e quadrinhos baseados nesse mundo, são as questões que Clive levantou nos filmes. Como alguém que parece ser um menino , abriu uma caixa e depois cresceu no Inferno para se tornar o Chatterer é algo muito interessante para mim.

Algumas falas de Pinhead inspiram perguntas. Como a frase “Demônios para alguns, anjos para outros”. Quem acharia um cenobita um anjo? Quais são seus desejos? O que eles experimentaram?

Na sua opinião, quem conhece mais intimamente um personagem? O escritor que o concebeu ou o ator que o interpretou?

Uma ótima pergunta. A criação de um personagem em um filme, ou peça, é sempre um processo colaborativo. No caso de Hellraiser, não é apenas o ator, o escritor e o diretor que estão envolvidos, há também a talentosa equipe de maquiagem que realmente cria as maquiagens.

Então é meio difícil dizer quem os conhece melhor. Clive tinha uma visão em mente, então eu discuti com ele, então havia Jane Wildgoose que desenhou os figurinos, Nigel Booth, que criou a maquiagem e eu como ator tendo que trabalhar dentro das restrições do figurino e maquiagem . Além disso, havia Robin Vidgeon, o diretor de fotografia, que combinou com Clive o ângulo da câmera e a iluminação, a equipe que construiu os cenários. Tudo isso se torna essencial para o Chatterer que vemos na tela.

Um ponto comum entre os filmes “Hellraiser” e “Nightbreed” é que ambos nos mostram um universo habitado por monstruosas criaturas sádicas que só o são de fato através de um determinado ponto de vista e nos deixam a mensagem implícita de que algumas vezes os seres humanos podem ser realmente muito mais terríveis e monstruosos.

Na sua opinião Isso pode ser interpretado como uma alegoria e trazer consigo uma crítica social sobre o preconceito que certas minorias sofreram na época em que esses filmes foram lançados (e ainda sofrem) mascarados com uma história com elementos fantásticos?

Com certeza. Ao longo dos anos, conversei com muitas pessoas que me dizem que se reconhecem no trabalho de Clive e se consolam ao perceber que não estão sozinhas por estarem fora das normas da sociedade.

Na época em que você fez esses filmes, esses elementos e metáforas foram de alguma forma discutidos entre vocês (autor e elenco)¿¿

Acho que não, no que diz respeito a Hellraiser, porém, sei que ele me apresentou ao mundo do fetichismo em Londres. Em Nightbreed, fica muito claro que os humanos são os verdadeiros monstros, pois usam sua intolerância como justificativa para sua violência contra a Raça.

Em sua opinião, qual a importância de ter uma mensagem ligada à nossa realidade para ser passada em uma história?

Isso volta à minha declaração anterior sobre o que chamo de “horror inteligente”. Em todos os textos e filmes, para mim, é sempre importante entender que o primeiro dever é entreter.

Atualmente, estou lendo o livro de Kurt Vonnegut ‘Slaughterhouse Five’. Seu primeiro capítulo é sobre a dificuldade de escrever sobre algo tão horrível como foi o bombardeio de Dresden durante a Segunda Guerra Mundial. Ele encerra as histórias das terríveis experiências que passou como prisioneiro de guerra em uma história fascinante sobre Billy Pilgrim, que nas palavras de Vonnegut é um personagem que se “desprendeu do tempo”.

Eu também assisti recentemente ‘Strange World’ da Disney, que na superfície é uma história de aventura sobre uma jornada em um mundo notável mas o que a narrativa retrata, porém, são as dificuldades dos relacionamentos entre pais e filhos e a importância de entender a dependência da humanidade no meio ambiente. E é muito divertido e ficou incrível!

Como escritor, não estou tentando induzir meu público a pensar em algo. O que espero poder fazer é levantar uma questão em suas mentes para talvez ajudá-los a reconhecer algo em suas próprias vidas ou nas pessoas ao seu redor, para que possam entender melhor como somos todos humanos falíveis. Atualmente, estou editando o documentário do meu show autobiográfico individual “I Am Monsters!” Ao contar minhas histórias, eu realmente espero que as pessoas aprendam mais, não apenas sobre por que o personagem Chatterer tem essa aparência, mas também sobre minhas experiências como um homem gay nas décadas de 1980 e 1990. Mas também espero que eles encontrem muitas risadas nas histórias.

Existe algum limite para que a crítica e a mensagem a ser passada não prejudiquem a história ?

Mais uma vez, outra pergunta muito boa. Sim, há um limite muito definido quanto ao que você pode fazer em termos de não “pregar para o público”. Como eu disse antes, acho que sempre devemos lembrar como criadores, que nosso primeiro dever é entreter, não pregar. Suponho que isso possa ser resumido no ditado “mostre, não conte”.

O novo Hellraiser David Bruckner  foi muito bem recebido tanto pela crítica quanto pelo público, embora traga mudanças profundas em relação à obra original em alguns elementos.

Você já assistiu? Qual a sua opinião sobre o filme?

Sim, eu já assisti, e eu realmente gostei por uma série de razões. E oh Gosh, é difícil responder a essas perguntas sem spoilers.

Em primeiro lugar, foi ótimo ver um Hellraiser que expandiu os mitos. Gostei particularmente da ideia da Configuração do Lamento ser apenas uma das formas dos enigmas da caixa. Além disso, adoro o design dos Cenobitas, que realmente soube aproveitar os avanços técnicos que surgiram na maquiagem SFX desde que fizemos o original.

O que você achou do destino de Chatterer no filme?

Fiquei encantado quando soube que David Liles, um ator muito alto, faria o papel do Chatterer e que ele leu minha história, “Prayers of Desire”, que tem minha história de fundo para o personagem como parte de sua preparação para o papel.

E sobre o destino de Chatterer no filme, para citar um amigo “Ninguém realmente morre em um filme de terror.” Se um futuro diretor ou roteirista realmente quisesse que o personagem voltasse, tenho certeza de que ele encontraria um jeito. Considerando as diferentes versões de Chatterer, que apareceram em filmes anteriores, acho provável que ainda haja vida (morte?) no personagem.

Atualmente, entre seus projetos estão seu one-man show “I am Monsters” e o magnífico podcast “The Chattering Hour”, que eu adoro. (O bate-papo com David Howard Thornton foi sensacional). Fale-nos um pouco mais sobre esses projetos.

Meu show solo, “I Am Monsters”, foi originalmente apresentado no London Horror Festival  e em Las Vegas, com Clive Barker na platéia, em 2019. Ele nos conta a história de como me tornei o Chatterer, histórias por trás das cenas, nos bastidores de Hellraiser, Hellbound e Nightbreed, e sobre alguns dos momentos da minha vida em que me senti um monstro.

Eu pretendia fazer uma turnê com o show, mas aí veio a pandemia. Atualmente, estou trabalhando em uma versão em longa metragem do show que será um documentário filmado em Leeds no início deste ano.

O podcast e o programa do YouTube The Chattering Hour surgiram na pandemia quando meu empresário, Chris Roe, me convidou para apresentá-lo com ele como produtor no canal Chris Roe Management.

Foi ótimo conversar com David Howard Thornton e tive a sorte de falar com alguns atores e diretores realmente consagrados, como Malcolm McDowell, Traci Lords, Jonathan Breck, Kathleen Kinmont, Chris Sarandon, Darren Lynn Bousman e Caroline Munro. Já existem mais de 50 episódios disponíveis e planejamos voltar em 19 de janeiro com outro convidado dos gêneros de terror e suspense.

Agradeço muito pelo seu tempo e atenção. Conte-nos um pouco sobre o que você vê no horizonte de sua vida e deixe suas últimas palavras para nossos leitores…

Muito obrigado Juliano por me convidar e por fazer perguntas tão fascinantes.

Em termos de horizonte, no meu futuro imediato está a conclusão da montagem do documentário de “I Am Monsters!”,algo  que estou gostando imensamente, mas que também é muito desafiador. Há também alguns longas-metragens em que tenho participações especiais para este ano, sobre os quais poderei falar mais quando chegarem ao circuito de festivais.

Se as pessoas quiserem saber mais sobre o que estou fazendo, podem sempre se inscrever na newsletter que está no meu site.   https://www.nicholasvince.com/

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Para todos aqueles que quiserem acompanhar também, recomendo muito o  trabalho de Nicholas através de seu canal no YouTube, Lá vocês vão encontrar bate papos superinteressantes com várias personalidades do mundo do horror :