PECADORES (Sinners) | EUA | 2025
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler
Elenco: Michael B. Jordan, Hailee Steinfeld, Jack O’Connell, Wunmi Mosaku, Jayme Lawson, Omar Benson Miller, Delroy Lindo
Produtoras: Warner Bros. Studios e Proximity Media
Distribuidora: Warner Bros.
Duração: 137 minutos
Sinopse: Dispostos a deixar suas vidas conturbadas para trás, irmãos gêmeos retornam à cidade natal para recomeçar suas vidas do zero, quando descobrem que um mal ainda maior está à espera deles para recebê-los de volta.
Pecadores (2025), dirigido por Ryan Coogler, apresenta-se como uma obra profundamente filosófica, que ultrapassa os limites do entretenimento convencional. Mais do que uma narrativa impactante, é uma celebração autêntica da ancestralidade e da resistência, que expõe feridas sociais e históricas ainda profundamente abertas. Com coragem e sensibilidade, o longa aborda temas universais, revelando o peso da opressão e da marginalização que atravessam gerações.
A trama acompanha os irmãos Elijah “Fumaça” e Elias “Fuligem”, interpretados de forma arrebatadora por Michael B. Jordan. A simbologia dos apelidos dos personagens, “Fumaça” e “Fuligem”, sintetiza as marcas de um passado ardente e indelével. Ao retornarem à sua cidade natal, os irmãos enfrentam não apenas uma força maligna sobrenatural, mas também os traumas e desafios sociais que refletem as lutas de comunidades marginalizadas na contemporaneidade.
Pecadores explora com profundidade a questão racial. O diretor e roteirista, Ryan Coogler, constrói uma narrativa incisiva que escancara o impacto do racismo estrutural e das exclusões sistemáticas. O filme emerge como um grito por justiça e igualdade, ressaltando a força de indivíduos e comunidades que resistem às tentativas de apagamento cultural e social. Essa resistência permeia toda a obra, destacando a dignidade e a perseverança daqueles que buscam preservar suas identidades em meio ao caos.
Um dos pontos mais marcantes é a abordagem crítica sobre o papel histórico da religião do opressor. O filme expõe como práticas religiosas foram ferramentas de controle e transfiguração dos povos subjugados. As rezas e orações dos opressores são apresentadas como
invocações simbólicas do mal, escancarando as entranhas das dinâmicas de poder que perpetuam a opressão. Essa crítica conecta-se ao contexto atual, em que a ascensão global da extrema direita e o aumento da intolerância ressaltam a urgência do combate às injustiças sociais.
As atuações monumentais reforçam a profundidade da narrativa. Michael B. Jordan brilha na dupla interpretação dos irmãos gêmeos, enquanto Miles Caton entrega uma performance visceral como Sammie Moore, trazendo nuances que refletem vulnerabilidade e força. Caton adiciona camadas essenciais ao filme, ao representar os dilemas de indivíduos que vivem à margem da sociedade. O elenco como um todo atinge interpretações cativantes que elevam o impacto emocional da obra.
A música em Pecadores é algo deveras transcendental, conectando o espectador às vozes e ritmos ancestrais que ecoam pela narrativa. A trilha sonora transforma cada cena em uma experiência de transe, evocando emoções que ultrapassam o tempo. Não são apenas composições musicais, mas um autêntico e legítimo manifesto sensorial que amplifica a conexão entre os personagens e suas raízes.
Os diálogos de Pecadores são verdadeiramente emblemáticos, marcados por uma profundidade que transcende a mera construção narrativa. Cada palavra proferida pelos personagens carrega uma carga de humanidade crua e inescapável relevância. Neles, desabafos, lições e reflexões fluem como manifestações da própria essência do “humano, demasiadamente humano”, na célebre formulação de Nietzsche. Essas interações não apenas impulsionam o enredo, mas também desafiam o espectador a confrontar suas próprias vivências, desconstruindo percepções e, por vezes, reformulando olhares. Trata-se de um convite inelutável à introspecção, um espelho inquieto que reflete nossas mais profundas verdades e ambiguidades.
O filme equilibra gêneros com maestria, transitando entre suspense, drama, terror e momentos de leveza. Essa mescla proporciona uma experiência multifacetada que transcende as convenções cinematográficas. Os elementos de terror e suspense são habilmente utilizados, mas se revelam como partes de uma jornada maior sobre pertencimento, redenção e resistência.
A obra cabalmente conecta-se ao contexto social atual. O avanço da intolerância, das desigualdades e da polarização política, exacerbado pela ascensão da extrema direita, reverbera nas entrelinhas da narrativa. Coogler reflete a realidade
contemporânea, expondo as complexas teias de opressões e exclusões, ao mesmo tempo em que reforça a resiliência e a luta por dignidade.
Por fim, e não menos importante, é essencial destacar que Pecadores redefine o conceito de arte narrativa em sua forma mais sublime, consolidando-se como um verdadeiro legado cinematográfico. Mais do que uma obra de ficção, é um manifesto poderoso que pulsa com a força da ancestralidade e ressoa como um símbolo indelével de resistência. Com sua narrativa inquietante e atuações impressionantes, o filme se ergue como um monumento à resiliência humana. Ele transcende o tempo, firmando-se como um tributo à luta por memória, justiça e dignidade, gravado como um símbolo de reflexão e transformação.
Uma verdadeira e autêntica ode a ancestralidade…
*Ivan Rios: O Mago Supremo é sindicalista, historiador, crítico de cinema, escritor e graduando em Direito. Ivan é um militante cultural ativo no Estado da Bahia. Além disso, ele é membro do Comitê Baiano de Solidariedade ao Povo da Palestina. Em 4 de dezembro, a Câmara Municipal de Santo Antônio de Jesus (BA) homenageou-o com a Medalha Pedro Kilkerry, reconhecendo seu compromisso com a cultura, justiça e solidariedade. Inspirado pelo poeta simbolista Pedro Militão Kilkerry, Ivan Rios continua a contribuir para a sociedade compaixão e dedicação.
Instagram: @ivansouzarios
** Resenha originalmente publicada no site Cine Horror.