Existem filmes que sempre são lembrados pelos fãs nas conhecidas listas que reúnem os dez mais importantes da história do Horror. São considerados clássicos absolutos, entre tantos outros motivos, por servirem de inspiração para o cinema produzido posteriormente e por apresentarem situações precursoras de uma infinidade de chichês que seriam explorados depois, como por exemplo nos chamados filmes “slasher”, o popular sub-gênero que aborda psicopatas assassinos em seus argumentos. E também por manter eternos na memória dos fãs, cenas e personagens marcantes na construção de um gênero cinematográfico.
“Psicose” (Psycho, 1960) é um desses filmes, sempre mantendo seu lugar de destaque entre os grandes, configurando-se numa obra-prima de valor inquestionável, sendo um dos principais e mais conhecidos trabalhos de Alfred Hitchcock, um diretor “mestre do suspense”, cujo talento permanece eterno através de sua cultuada filmografia.
Produzido em preto e branco há mais de quatro décadas atrás, foram poucas as cenas de violência apresentadas em “Psicose”, cujo roteiro prioriza o suspense psicológico, mas foi o suficiente para chocar o público na época e causar uma agitação que surpreendeu o próprio Hitchcock, com as tradicionais manifestações de protesto dos moralistas de plantão, boicotes organizados contra o filme, desmaios nas salas de exibição, pessoas se retirando no meio da projeção e opiniões polêmicas da crítica especializada. Tudo isso apenas concretizou um fato inegável, de que “Psicose” transformou-se num filme marcante para o gênero fantástico e inesquecível para os fãs do estilo. E é interessante verificar como o pensamento do mundo moderno mudou radicalmente em relação há algumas décadas atrás, pois nesse início de século XXI os fãs do cinema de Horror fazem protestos e boicotes, principalmente utilizando a internet como meio de comunicação, caso os filmes não tenham a quantidade de sangue e violência esperados.
A história tem início em Phoenix, Arizona, onde a bela Marion Crane (Janet Leigh) trabalha num escritório imobiliário que acaba de fechar um negócio no valor de US$ 40 mil. Ela e seu namorado Sam Loomis (John Gavin), proprietário de uma pequena loja de ferragens, pensam em casamento, porém as condições financeiras de ambos ainda não permite comprar uma casa, as mobílias e todas as outras coisas relacionadas ao matrimônio.
Então, num momento de fraqueza, ao receber a tarefa de depositar o alto valor em dinheiro num banco, Marion decide fugir de carro, dirigindo pelas belas estradas americanas levando o dinheiro roubado, rumo ao encontro de Sam, que não sabia de nada. Ao parar no meio do caminho para descansar na pequena cidade de Fairvale, ela se hospeda no desértico “Bates Motel”, um grupo de alojamentos situado um pouco afastado da cidade. Lá, a jovem conhece o dono do estabelecimento, o aparentemente inofensivo Norman Bates (Anthony Perkins), que mais tarde revelaria uma mortal dupla personalidade psicótica envolvendo a figura misteriosa de sua mãe repressora. Com a descoberta do furto do dinheiro e o trágico desaparecimento de Marion na famosa “cena do chuveiro”, surgem em seu rastro sua irmã Lila Crane (Vera Miles), acompanhada de Sam, e o detetive particular Milton Arbogast (Martin Balsam), contratado para investigar o caso antes do envolvimento oficial da polícia. O detetive viria a se tornar a outra vítima do psicopata, na também famosa “sequência da escadaria”. A partir daí uma série de eventos se sucedem culminando com um desfecho revelador.
“Psicose” teve seu roteiro escrito por Joseph Stefano, a partir de um livro de Robert Bloch, que por sua vez se inspirou no “serial killer” Ed Gein para criar o psicótico Norman Bates. Gein foi um conhecido assassino canibal que viveu em Winsconsin (EUA), e que em meados dos anos 1950 matou várias pessoas de forma violenta com a peculiaridade de arrancar suas peles e utilizar pedaços dos cadáveres para transformar em utensílios domésticos. Aliás, outros filmes se inspiraram nesse famoso assassino como “O Massacre da Serra Elétrica”, dirigido em 1973 por Tobe Hooper, e “O Silêncio dos Inocentes” (1991), na concepção do “serial killer” apelidado de “Buffalo Bill”, além de ser produzido um filme específico contando a vida do assassino em “Ed Gein” (2001). O roteirista Stefano nasceu em 1922 e escreveu histórias para a cultuada série fantástica “Quinta Dimensão” (The Outer Limits, 1963), e curiosamente assinou o roteiro de um filme raro e super obscuro chamado “Criação Monstruosa” (The Kindred, 1986), que tinha no elenco dois veteranos atores que já morreram, Rod Steiger e Kim Hunter (a famosa chimpanzé Dra. Zira, da série do cinema e TV “O Planeta dos Macacos”).
O escritor americano Robert Bloch nasceu em 1917 em Chicago, Illinois, e morreu de câncer aos 77 anos em 1994 em Los Angeles, California. Conhecido por criar argumentos para filmes e séries de TV de horror e ficção científica, foi um dos nomes mais importantes no período de ouro do cinema fantástico, época que abrangeu a década de 1950 até meados de 70. Escreveu episódios para várias séries de TV como “Alfred Hitchcock Presents” (1955), “Thriller” (1960), “Jornada nas Estrelas” (1966), “Galeria do Terror” (1970), “Quarto Escuro” (1981) e “Contos da Escuridão” (1984), além de histórias para os filmes “Psicose” (1960), “Picada Mortal” (1966), “As Torturas do Dr. Diabolo” (1967), “A Casa Que Pingava Sangue” (1970), “Asilo Sinistro” (1972) e as produções para a TV “The Cat Creature” (1973) e “The Dead Don’t Die” (1975).
O elenco é composto por nomes que ficaram eternizados na lembrança do público graças as suas participações em “Psicose”, ficando de certa forma com suas imagens associadas ao filme. Anthony Perkins nasceu em 1932 em New York e faleceu em 1992 em Hollywood, California, vítima de uma pneumonia contraída por causa da AIDS. Ele esteve também em “Assassinato no Expresso Oriente” (1974), na FC “O Abismo Negro” (1979) e nos filmes de horror “A Herdeira das Trevas” (Daughter of Darkness, 1990), no papel de um vampiro, e em “À Beira da Loucura” (Edge of Sanity, 1989), mais uma adaptação do clássico livro “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson, além de participar das três continuações de “Psicose”.
Janet Leigh nasceu em 1927 em Merced, California, e ficou famosa por ser a atriz que foi assassinada no chuveiro. Recebeu uma indicação ao “Oscar” como atriz coadjuvante por sua performance em “Psicose”, prêmio que não ganhou, porém em compensação ela foi premiada com o “Globo de Ouro”. Em 1995 ela escreveu o livro “Behind the Scenes of Psycho”, sobre os bastidores da produção do filme. Ela é mãe da também atriz Jamie Lee Curtis, mais conhecida como a “scream queen” de “Halloween – A Noite do Terror” (1978). Entre seus filmes estão o clássico noir “A Marca da Maldade” (1958), de Orson Welles, “A Bruma Assassina” (1980), de John Carpenter, e uma ponta em “Halloween H20” (1998), junto com a filha.
Vera Miles nasceu em 1929 em Boise City, Oklahoma e participou também de vários outros filmes importantes como os westerns clássicos “Rastros de Ódio” (1956) e “O Homem Que Matou o Facínora” (1962), além de uma presença especial em “Psicose 2” (1983), novamente como Lila Crane.
O ator Martin Balsam (1914/1996) teve uma carreira extensa com participações em mais de 100 filmes, muitos deles produzidos especialmente para a TV. Esteve no suspense “Círculo do Medo” (1962) e sua refilmagem “Cabo do Medo” (1991), no policial “Desejo de Matar 3” (1985), além de “Dois Olhos Satânicos” (1990), horror dirigido por George Romero e Dario Argento.
“Psicose” foi o filme responsável por uma das mais famosas e conhecidas cenas de assassinato da história do cinema, quando a personagem Marion Crane é surpreendida pelo psicopata no banheiro, enquanto tomava um banho no chuveiro. Tecnicamente essa sequência gerou um enorme esforço de trabalho (principalmente considerando-se a época da produção), demorando uma semana para ser realizada, contando com 70 posições de câmera para apenas 45 segundos de filme. A montagem de várias pequenas cenas juntas, a cargo do técnico Saul Bass (criador também dos letreiros iniciais do filme) conseguiu um efeito perturbador, resultando na ilusão de violentos golpes de faca do assassino, e onde percebemos claramente que a mesma não penetra o corpo da atriz Janet Leigh. Outra cena clássica é também a do assassinato do detetive Arbogast na escadaria da mansão onde morava Norman Bates. Utilizando uma técnica diferente, Hitchcock conseguiu um efeito interessante filmando apenas o rosto assustado e ensanguentado do ator Martin Balsam, que descia a escada numa cadeira especial agitando freneticamente os braços. Aliás, a casa com aspecto gótico usada pela produção como modelo para a construção da mansão de Bates existe realmente, localizada na cidade de Kent, em Ohio.
A trilha sonora de “Psicose”, a cargo de Bernard Herrmann, é uma das mais conhecidas e consagradas da história do cinema de horror e suspense, principalmente na parte da famosa cena do “assassinato no chuveiro”, com uma sequência impressionante de acordes agudos e estridentes de violinos que intensificaram muito mais ainda o clima de tensão e agonia já existente entre o assassino e sua vítima. O músico Herrmann foi um dos grandes colaboradores de Hitchcock, formando com ele uma parceria responsável por nove filmes. Curiosamente, a banda brasileira “Sepultura” se inspirou claramente na trilha sonora dessa cena na faixa “Intro”, que precede o petardo sonoro “From the Past Comes the Storms”, no álbum “Schizophrenia” (1987).
“Psicose” recebeu quatro indicações ao “Oscar”, nas categorias de “Melhor Diretor”, “Melhor Atriz Coadjuvante” (para Janet Leigh), “Melhor Fotografia” e “Melhor Direção de Arte”, não ganhando nenhuma. O orçamento disponibilizado para Hitchcock foi de apenas US$ 800 mil, e para economizar nos custos de produção, ele decidiu por utilizar boa parte do elenco e pessoal técnico de sua série de televisão que estava sendo exibida na mesma época. Porém, a despeito disso, o sucesso do filme foi enorme faturando a expressiva marca de US$ 40 milhões nas bilheterias. Um fator que ajudou também nesse sucesso foi “Psicose” ter sido lançado num momento favorável ao cinema de horror, graças ao ressurgimento do gênero através dos excelentes filmes produzidos pela “Hammer” inglesa a partir de meados dos anos 1950, trazendo novamente às telas, só que a cores, os famosos monstros sagrados da produtora “Universal” das décadas de 1930 e 40, como “Drácula”, “Criatura de Frankenstein” e “Múmia”.
O filme foi lançado em DVD no Brasil numa “Edição de Colecionador” que inclui interessante material extra como biografias e filmografias do diretor Alfred Hitchcock e dos atores Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsan e John McIntire, além de muitas notas de produção, documentário dos bastidores e trailer. O problema é que todo esse material está escrito ou falado em inglês, sem opção de tradução ou legendas em português. Já que o DVD vem com extras, por que não inserir legendas em nosso idioma para que possamos apreciar melhor o material? É impressionante como os fãs e colecionadores são tratados com descaso pelos responsáveis dos lançamentos de DVD’s no Brasil.
Em 17/10/05 houve um relançamento em DVD duplo e edição especial recheada de extras como “Making Of Completo” (que revela os segredos de bastidores e os incríveis efeitos especiais que revolucionaram o cinema na era pré-computador), “Passo a Passo” (como foi construída e idealizada a famosa cena do chuveiro), “Trailer de Cinema Original” (onde o próprio Alfred Hitchcock apresenta o filme), “Documentário” (sobre o impacto causado pelo lançamento do filme, incluindo as estratégias especiais de divulgação), “Trailer de Relançamento”, “Galeria de Arte”, “Notas de Produção, Elenco e Diretor”, “Fotos”, “Cards, Posters e Anúncios”, “Mestres do Cinema: Alfred Hitchcock”, “American Film Institute Saúda Alfred Hitchcock”, num total de 157 minutos.
Esse grande clássico do mestre do suspense acabou transformando-se em uma franquia com vários filmes inferiores e desnecessários, que só foram produzidos após a morte do cineasta em 1980. Em 1983 os atores Anthony Perkins e Vera Miles retornaram em seus respectivos papéis em “Psicose II”, de Richard Franklin, cuja história trazia o psicopata Norman Bates retornando para sua casa após longos 22 anos preso numa instituição psiquiátrica, e ao se apossar novamente do motel da família, novas e estranhas mortes voltam a aterrorizar o local.
Em 1986, o próprio Perkins dirigiria “Psicose III”, onde Norman recebe agora como hóspede em seu motel uma freira em crise de existência que havia abandonado o convento e também a visita de um jornalista interessado em investigar seu passado obscuro. Novos assassinatos voltam a assombrar o motel, só que dessa vez bem mais violentos e sangrentos, típicos dos filmes com psicopatas de meados dos anos 80.
Em 1990 foi lançada uma produção diretamente para a TV dirigida pelo especialista na telinha Mick Garris e novamente com Anthony Perkins em seu já tradicional papel. “Psicose IV: A Revelação” é uma pré-sequência com roteiro de Joseph Stefano (o mesmo do original), mostrando eventos anteriores ao filme de 1960, com a crise familiar entre um jovem Norman e sua mãe, que culminou com o desvio de sua personalidade e todos os trágicos acontecimentos que vieram depois.
E finalmente, em 1998, o diretor Gus Van Sant refilmou o clássico de 1960 e “Psicose” foi lançado nos cinemas com Vince Vaughn como Norman Bates, Anne Heche como Marion Crane, Julianne Moore como sua irmã Lila, Viggo Mortensen como Sam Loomis e William H. Macy como o detetive Arbogast. O filme seguiu exatamente à risca todas as cenas do clássico de Hitchcock, cena por cena, desta vez a cores, numa homenagem ao filme original. Porém, a pergunta que fica é se era necessário fazer um filme exatamente igual, pois nesse caso não acrescentou nada ao cinema de horror, e melhor seria se os produtores tivessem investido em um novo e diferente filme, de preferência fora do universo ficcional de “Psicose”.
Nota do Autor: Curiosamente, “Psicose” foi o primeiro filme da minha coleção de VHS, gravado da televisão quando foi exibido pela “TV Globo” entre 1986 e 1987, época em que se iniciava a popularização dos aparelhos de video cassete no Brasil.
Psicose (Psycho, Estados Unidos, 1960). Universal. Preto e Branco. Duração: 109 minutos. Direção de Alfred Hitchcock. Roteiro de Joseph Stefano, baseado em livro homônimo de Robert Bloch. Produção de Alfred Hitchcock. Fotografia de John L. Russell. Música de Bernard Herrmann. Direção de Arte de Robert Clatworthy e Joseph Hurley. Edição de George Tomasini. Efeitos Especiais de Clarence Champagne. Elenco: Anthony Perkins (Norman Bates), Janet Leigh (Marion Crane), Vera Miles (Lila Crane), John Gavin (Sam Loomis), Martin Balsam (Detetive Milton Arbogast), John McIntire (Xerife Al Chambers), Simon Oakland (Dr. Richmond), Vaughn Taylor (George Lowery), Frank Albertson (Tom Cassidy), Lurene Tuttle (Eliza Chambers), Patricia Hitchcock (Caroline), John Anderson (Charlie), Mort Mills (Policial rodoviário), Francis De Sales, George Eldredge, Sam Flint, Virginia Gregg, Paul Jasmin, Frank Killmond, Ted Knight, Jeanette Nolan, Helen Wallace, Alfred Hitchcock (não creditado).
(Texto escrito originalmente em 2003)
Editor do fanzine de horror “Juvenatrix”, publicado desde 1991. Colaborador com textos sobre cinema de horror e ficção científica nos sites “Boca do Inferno” e “Gore Boulevard”.
Contatos: renatorosatti@yahoo.com.br