SUSPIRIA – Filme

1977 ‧ Terror / Mistério ‧ 1h 38m

Cinema

“Você pode correr de Suspiria. Você pode se esconder de Suspiria. Você não pode escapar de Suspiria.”

O italiano Dario Argento, nascido em Roma em 1940, é um dos mais conhecidos e cultuados cineastas da história do gênero fantástico, juntamente com outros nomes relevantes como seus conterrâneos Mario Bava e Lucio Fulci, os ingleses Terence Fisher e Alfred Hitchcock, e os americanos George Romero e Roger Corman, entre outros mais. E o maior destaque de sua carreira bem-sucedida, sendo considerado por muitos como um dos grandes filmes de toda a história do horror, é “Suspiria” (Suspiria, 1977), com produção de seu irmão Claudio e do pai Salvatore Argento, e escrito pelo próprio diretor em parceria com sua esposa na época, a atriz Daria Nicolodi, inspirados no livro “Suspiria de Profundis”, de Thomas De Quincey. Na verdade, “Suspiria” é o primeiro filme de uma trilogia inacabada sobre o esconderijo de três criaturas demoníacas misteriosas conhecidas como “As Três Mães”, abordando no caso a “Mãe dos Suspiros” que vive na Alemanha. Em seguida foi filmado “A Mansão do Inferno” (Inferno, 80), numa história ambientada na cidade americana de New York com a “Mãe das Trevas”, e por último e ainda inédito, falta a produção de um filme abordando a “Mãe das Lágrimas”, que vive em Roma.

Notas do autor:

24/05/09: Dario Argento dirigiu em 2007 o final da trilogia numa co-produção entre Itália e Estados Unidos; o filme foi lançado em DVD no Brasil com o título “O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas” (Mother of Tears / The Third Molther / La Terza Mother), trazendo no elenco Asia Argento, Daria Nicolodi e Udo Kier, numa história carregada em cenas sangrentas e efeitos especiais computadorizados.

10/09/24: Em 2018 foi lançada uma refilmagem que recebeu o título brasileiro “Suspíria: A Dança do Medo”, com Chloë Grace Moretz e Tilda Swinton.

A história de “Suspiria” apresenta uma estudante americana de balé, Suzy Bannion (Jessica Harper, de “O Fantasma do Paraíso”, 74, e “Minority Report – A Nova Lei, 2003), que vai para a Alemanha aprimorar seus estudos de dança numa conceituada academia. Porém, em sua chegada à Europa já enfrenta uma série de dificuldades como uma forte tempestade no aeroporto que complica sua viagem de táxi até a escola de dança. Lá chegando, ela se depara com outra situação insólita, com uma mulher saindo desesperada da escola, gritando palavras incompreensíveis pelo barulho da chuva. Ao tentar se apresentar na porta da academia, é mal recebida por uma voz feminina no interfone, obrigando-a a retornar no dia seguinte.

Uma vez finalmente ingressada na escola, ela é recepcionada por uma das professoras, a severa Srta. Tanner (Alida Valli), e pela vice diretora, Madame Blanc (Joan Bennett), as quais a apresentam para vários outros estudantes como o jovem Mark (Miguel Bosé), e as moças que viriam a ser suas companheiras de quarto, Olga (Barbara Magnolfi) e Sara (Stefania Casini), além de alguns dos professores como Daniel (Flavio Bucci), um cego que toca piano, e Prof. Verdegast (Renato Scarpa), que também é médico, e um ajudante geral romeno com uma cara de doente mental chamado Pavlo (Giuseppe Transocchi).

Na escola, Suzy fica sabendo que a mulher histérica que ela vira anteriormente na chuva fugindo desesperada, Patty Hingle (Eva Axén), era uma aluna expulsa que descobrira um segredo proibido e que fora brutalmente assassinada logo depois numa cena forte de violência gráfica envolvendo também uma outra amiga, Sonia (Susanna Javicoli), com direito a facadas, enforcamento e pedaços de vidro perfurando o peito e a cabeça. Além disso, a jovem bailarina americana recém-chegada entra em contato com vários eventos bizarros na academia, como lesmas caindo do teto, e a ocorrência de outros assassinatos como o do pianista cego destroçado pelo próprio cachorro que lhe servia de guia, numa outra cena sangrenta no melhor estilo dos filmes de horror italianos.

Ela desconfia de algo muito misterioso acontecendo dentro da escola através do estranho comportamento dos professores, e conhece então o psiquiatra Dr. Frank Mandel (o alemão Udo Kier) e o Prof. Milius (Rudolf Schundler), autor do livro “Paranóia ou Magia?”, os quais lhe relatam a existência e prática de bruxaria pelo mundo. Confira nas próprias palavras do psiquiatra:

“Bruxo é um adepto do ocultismo que vive no mundo material e tem perturbações psiquiátricas. Acredito que a onda de crença na magia e no oculto faz parte de uma doença mental. O azar não está em espelhos despedaçados, mas em mentes despedaçadas.”

Ou nas palavras do escritor:

“As bruxas são más, negativas e destrutivas. O conhecimento da arte do oculto dá a elas grandes poderes. Podem mudar o curso dos eventos e da vida das pessoas. Mas apenas para causar o mal… A magia está em todo lugar. E em todo o mundo é um fato conhecido. Sempre.”

Depois da morte violenta de sua amiga de quarto Sara, em condições igualmente misteriosas, Suzy chega à conclusão que a escola de dança é um covil de bruxas, descobrindo que a academia foi fundada em 1895 por uma grega acusada de feitiçaria chamada Helena Markus, conhecida mais tarde como “Rainha Negra”, a qual está por trás das mortes e lidera uma seita oculta de bruxas, e quem a bailarina americana deverá enfrentar num confronto decisivo.

O cinema italiano de horror é bastante conhecido pelas fortes cenas de violência e sangue e os filmes de Dario Argento reforçam essa ideia. Em “Suspiria”, ocorre uma cena de duplo assassinato no início do filme que é extremamente violenta, onde duas mulheres são brutalmente dilaceradas, uma diretamente pelas mãos de uma criatura diabólica, com pesados golpes de faca culminando num enforcamento impressionante, e outra indiretamente pela ação devastadora dos pedaços cortantes de uma vidraça despedaçada. São poucas as cenas de mortes, mas todas são muito chocantes, como aquela em que um cego tem seu pescoço destroçado por um cachorro que supostamente seria o melhor amigo do homem, e a sequência final envolvendo uma morta-viva desfigurada e uma bruxa bestial. Tem ainda uma cena grotesca envolvendo um morcego raivoso atacando uma mulher através de efeitos bem precários e artificiais, mas que ainda assim impressionam principalmente por datarem de quase trinta anos atrás.

Outros detalhes relevantes no filme e que ajudaram a torná-lo cultuado e sempre lembrado é a inclusão de uma trilha sonora macabra e bizarra composta de suspiros, gritos e vozes indefinidas, criada pelo grupo de rock progressivo italiano Goblin, ajudando muito no clima de tensão e desconforto durante toda a projeção, e o uso exagerado de cores fortes em tons vermelhos, laranjas, azuis e verdes dependendo dos cenários, num incrível e delirante surrealismo de grande impacto visual.

A trilha sonora foi composta quase que totalmente antes do início da produção do filme, e Dario Argento fazia questão de tocá-la num volume alto durante as filmagens para justamente envolver os atores num clima tenso de horror e perturbação enquanto estavam em cena.

“Suspiria” apresenta uma história sobrenatural, uma espécie de conto de fadas assombrado, um pesadelo real. Porém, desconsiderando as sangrentas cenas de mortes e os excelentes trabalhos de música e fotografia, podemos dizer que o roteiro é óbvio demais e não desperta muito interesse, utilizando clichês comuns para contar uma história simples e contemporânea de bruxaria. Em alguns momentos o filme é cansativo, de ritmo lento e até sonolento, num intervalo muito grande entre as cenas chocantes de violência, acontecendo pouca coisa entre esses períodos e deixando muita informação solta sem destino, para somente chegar ao ápice na intensa e memorável sequência final.

Dario Argento é filho de uma fotógrafa brasileira, Elda Luxardo, e de um produtor de cinema italiano, e foi casado com a atriz Daria Nicolodi, com quem teve uma filha, a bela Asia Argento, que também seguiu a carreira de atriz, tendo inclusive participado de muitos filmes do próprio pai. Nicolodi também tem uma outra filha de um casamento anterior, Fiore Argento, igualmente atriz. O cineasta sempre demonstrou sua apreciação pelos giallos italianos, pequenos livros populares de mistério e suspense com capas amarelas, e nunca escondeu sua admiração pelo cineasta Alfred Hitchcock, diretor de clássicos como “Psicose” (60) e “Os Pássaros” (63), e pela literatura macabra do escritor Edgar Allan Poe, em elementos que tornaram-se influências percebidas em seus filmes.

Inicialmente trabalhando como um crítico de cinema, ele entrou definitivamente no mundo dos filmes através de uma oportunidade recebida do cineasta Sergio Leone, escrevendo o roteiro no final dos anos 60 do clássico do western “Era Uma Vez no Oeste”, em parceria com Bernardo Bertolucci. Além de roteirista e produtor (de obras como “Zombie, o Despertar dos Mortos” de George Romero, e “Demons” de Lamberto Bava), ele é muito conhecido na direção de diversos trabalhos consagrados. Sua carreira é composta, entre outros, pela chamada trilogia dos animais, formada por “O Pássaro das Plumas de Cristal” (L´ucello dalle piume di cristallo / The Bird with the Crystal Plumage, 70), seu primeiro suspense e sucesso comercial, “O Gato de Nove Caldas” (Il gatto a nove code / The Cat of Nine Tails, 71), e “Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza” (4 mosche di velluto grigio / Four Flies on Grey Velvet, 72).

Depois vieram “Prelúdio Para Matar” (Profondo Rosso / Deep Red, 75), o início de sua parceria com a banda Goblin, “Suspiria” e “A Mansão do Inferno”, única parceria com o lendário Mario Bava. A partir dos anos 80, sua filmografia é completada com “Trevas” (Tenebre, 82), “Phenomena” (85, lançado em DVD pela “Works Editora” em Janeiro de 2006), “Terror na Ópera” (Opera, 87), “Dois Olhos Satânicos” (Two Evil Eyes, 90), em parceria com George Romero na adaptação de dois contos do mestre da literatura de horror Edgar Allan Poe, sendo que Argento dirigiu sua versão para “O Gato Preto”, “Trauma” (93), “Síndrome Mortal” (The Stendhal Syndrome, 96), e “Um Vulto na Escuridão” (The Phantom of the Opera, 98), sua versão para a famosa história de Gaston Leroux, “O Fantasma da Ópera”.

Mais recentemente ele dirigiu “Insônia” (Sleepless, 2001), e seu último trabalho é “The Card Player” (2004), com sua filha Fiore no elenco e com trilha sonora de Claudio Simonetti, integrante da extinta banda Goblin.

“Suspiria”, que estava inédito no Brasil, foi finalmente lançado em Junho de 2004 no mercado nacional de DVD pela “Works Editora” (www.worksdvd.com.br) e o selo “Dark Side” (www.darksidedvd.com.br), numa caprichada edição dupla recheada com um interessante material extra. O primeiro disco traz o filme no formato de tela “Widescreen”, na versão original em inglês com opção de legendas em português, além de vários extras como um trailer internacional de dois minutos somente com imagens do filme, um trailer americano de um minuto e sem legendas, um spot para a TV sem legendas de aproximadamente trinta segundos de duração, três spots de rádio com áudio em inglês de trinta segundos cada, uma imensa galeria de fotos e posters com sete minutos de duração, as biografias da atriz Jessica Harper e do diretor Dario Argento, e finalmente uma sinopse simplificada do filme.

O segundo disco traz o documentário “O Terror de Dario Argento” (An Eye for Horror, 2000), de 57 minutos, dirigido e editado por Leon Ferguson, com produção executiva de Richard Journo, narração de Mark Kermode, e com a consultoria e condução das entrevistas pelo biógrafo Alan Jones.

O documentário é uma verdadeira homenagem ao cineasta italiano trazendo diversas entrevistas, cenas de bastidores, trechos de filmes, depoimentos e curiosidades sobre sua cultuada obra, revelando detalhes e informações interessantes sobre os pensamentos de Dario Argento, através de uma longa entrevista com o diretor. Muitos nomes importantes e conhecidos do mundo do Horror deram suas opiniões como os diretores John Carpenter, George Romero e William Lustig, além do técnico em efeitos especiais Tom Savini, e os atores Michael Brandon (de “Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza”), Jessica Harper (“Suspiria”), Piper Laurie (“Trauma”), sua ex-esposa Daria Nicolodi e suas filhas Asia e Fiore Argento. Outras pessoas que também deram seus depoimentos foram o cantor de rock Alice Cooper, o biógrafo Alan Jones, o produtor Claudio Argento, a escritora Maitland McDonagh, e os compositores Claudio Simonetti e Keith Emerson (esse falando de sua experiência em criar a trilha sonora macabra de “Mansão do Inferno”).

Foram exibidas várias sequências de seus filmes como “Prelúdio Para Matar”, “O Gato de Nove Caldas”, “Suspiria”, “Phenomena”, “Trauma”, “Dois Olhos Satânicos”, “A Mansão do Inferno”, além de cenas dos bastidores de “Terror na Ópera”, um filme que tem em sua trama central uma jovem com agulhas enfiadas sob os olhos para que não pudesse fechá-los, sendo obrigada a ver cenas de profundo horror, numa característica que sempre foi a metáfora do cinema de Dario Argento.

Entre os assuntos abordados na obra do diretor italiano, foi comentado o fato que em seus filmes a maioria dos assassinatos brutais são cometidos contra as mulheres, e que se isso não seria uma característica misógina de Argento, fato logo negado por ele e por todos que trabalham a sua volta. Foi também destacada a preferência do diretor pelo resultado visual de suas imagens fortes em relação à própria atuação do elenco, revelando até que não é de sua preferência a interação com os atores, apesar de sempre tratá-los bem. Ele diz que as filmagens são a parte mais desgastante de todo o trabalho, pois precisa comandar uma grande quantidade de pessoas, e ele sempre deu muita importância em sua vida para os momentos de solidão e reflexão, onde através de experiências em sua personalidade sombria obteve muitas ideias que se transformaram em filmes, pois o cinema permitia entrar na dimensão dos sonhos ou pesadelos.

“Uma vez você tendo assistido, você nunca mais se sentirá novamente seguro na escuridão.”

Suspiria” (Suspiria / Suspiria – In den Kralen des Bosen, Itália / Alemanha, 1977). Seda Spettacoli. Duração: 98 minutos. Direção de Dario Argento. Roteiro de Dario Argento e Daria Nicolodi, baseados no livro “Suspiria de Profundis”, de Thomas De Quincey (não creditado). Produção de Claudio Argento. Produção Executiva de Salvatore Argento. Fotografia de Luciano Tovoli. Música de Dario Argento e do grupo de rock progressivo Goblin, formado por Agostino Marangolo, Massimo Morante, Fabio Pignatelli e Claudio Simonetti. Edição de Franco Fraticelli. Desenho de Produção de Giuseppe Bassan. Efeitos Especiais de Germano Natali. Elenco: Jessica Harper (Suzy Bannion), Stefania Casini (Sara), Flavio Bucci (Daniel), Miguel Bosé (Mark), Barbara Magnolfi (Olga), Susanna Javicoli (Sonia), Eva Axén (Patty Hingle), Rudolf Schundler (Prof. Milius), Udo Kier (Dr. Frank Mandel), Alida Valli (Srta. Tanner), Joan Bennett (Madame Blanc), Jacopo Mariani (Albert), Giuseppe Transocchi (Pavlo), Renato Scarpa (Prof. Verdegast), Margherita Horowitz, Fulvio Mingozzi, Franca Scagnetti, Serafina Scorceletti.

(Texto escrito originalmente em Julho de 2004)

Por: Renato Rosatti.

Editor do fanzine de horror “Juvenatrix”, publicado desde 1991. Colaborador com textos sobre cinema de horror e ficção científica nos sites “Boca do Inferno” e “Gore Boulevard”.

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