SUSSURROS DE UMA NECROPOLÍTICA METÁLICA

"...uma forma de expressão transgressora e antissistema que se desdobrou durante essas décadas..."

Dark Reflections

Não tem como não dizer que a origem do rock não esteja diretamente associada à transgressão dos valores do mundo moderno ou ainda sendo mais específico, ao mundo contemporâneo. Foi sim, lá na raiz onde os negros com sua forma selvagem de se expressar levou até o grande público uma “música” que carregava consigo o espírito da rebeldia, da revolução e de sim, agredir em gestos corporais, estéticos, imagéticos, vocálicos e literários um universo paralelo e incomodo.
Pois é! isso já passa de 80 anos atrás, bota 80 nisso! Mas e o Metal? O Metal é a extensão dessa semente maldita plantada nesse passado e carregada consigo nos anos subsequentes! Foi sim uma forma de expressão transgressora e antissistema que se desdobrou durante essas décadas subsequentes, não apenas o Metal em si, mas em outras vertentes como o Punk (diria que com cunho político, principalmente), mas essa postura de se opor, já corria na veia dos jovens que enveredaram por esse caminho.
É muito importante visualizar que em muitos desses nichos, os jovens que vão montar suas bandas e viver dentro dessa cultura que, em épocas passadas, eram chamados de juventude transviada, ou seja, que não aceita padrões de comportamento social engessado, religioso, certos apelos morais hipócritas e formas de fazer com que as pessoas sejam conduzidas por líderes escusos, maliciosos e muito, mas muito mal intencionados. Foram sim nesse espaço de jovens transviados, geralmente oriundos das classes médias do ocidente, aquelas que vieram junto com a revolução industrial, principalmente a terceira do final do século XIX, que se meteram a desafiar o sistema das capitais e das cidades mais urbanizadas. Uma classe de herdeiros da opressão das políticas totalitárias, das políticas militarizadas e que manobravam a opinião pública através dos veículos de massa, dos discursos inflamados e das eternas promessas de melhorias básicas.
A geração que hasteou a bandeira da cultura “rocker” não se enquadrava nessa ceara de pessoas alienadas, do contrário, muitos estavam nas trincheiras dos espaços intelectuais dessas sociedades organizadas ocidentais pós-revolução industrial, nas universidades, nos meios de produção intelectual, nos cursos de ciências humanas fervendo suas mentes e visionando meios de transformação de uma sociedade alienada, dentro dos diretórios acadêmicos ou mesmo dos grêmios estudantis secundaristas a fora, aliás, a critica sobre a alienação era constante nos anos 80 do século XX justamente pelos fatores transitórios do momento como a ruína da Guerra Fria, pro exemplo, e a marcha acelerada para países colonizados por potencias europeias no continente africano fossem dissipadas – sabe-se lá com que “qualidade”, mas estas feridas foram sendo tratadas nesse período… tratadas e não curadas!

As bandas de Metal e punk nos anos de 1980 estavam muito afinadas em seus discursos e estilos mesclados, os chamados “crossovers”, foram se proliferando e se solidificando, esse meio de expressão assumiu um cunho estritamente, ou melhor, especificamente na maior parte de suas bandas, político! A crítica à sociedade desse período e do anterior assim como uma visão pessimista sobre a humanidade foi facilmente e largamente abordada por essas bandas que se mesclaram em estética sonora punk e metal dando frutos como D.R.I., E.N.T., S.O.B. e R.D.P. (para citar as mais famosas). Mas não se enganem, outros diversos estilos de Metal sofreram uma forte influencia da musicalidade e do discurso punk nos anos 80, inclusive o Death Metal, muitas bandas assumiram uma rotulação de Death Core, por exemplo, e além do Death, o Black Metal incorporou em sua sonoridade muita influencia das células punk – punk rock e hardcore – em suas composições. Essa confluência sonora que transitou entre esses dois universos distintos, sim, pois o discurso punk sobre a defesa de uma sociedade proletária e resistente de um sistema esmagador e perverso não era bem o discurso do público metal que, em sua maioria era composta por pessoas da classe média e alta destas sociedades e os enxergou como um espaço de entretenimento, não necessariamente em um movimento!
Por outro lado, o Metal, certamente muito influenciado por costumes e a confluência do movimento punk, também foi assumindo esse papel político-social de se posicionar nestas frentes de transformação do pensamento, principalmente aqui do lado ocidental. E sim, o Metal, talvez mais no Metal Extremo como o Thrash e o Death, esse discurso parecia mais evidente que em estilos mais polidos como o Heavy Metal Clássico. Até mesmo o Black Metal, que em questões políticas (não sonoras), não tivesse essa postura política partidária ou social em sua abordagem, começa a também enveredar um caminho muito obscuro em seu discurso, a assumir papéis não tão segmentados as religiões opositoras, da mão esquerda e, talvez graças a alguns discos do Bathory, o Black Metal passa a assumir um discurso sócio político no que tange, por exemplo, o orgulho nacionalista ou originário, flertando fortemente com ideologias perigosas como a ideologia nazifascista. Ademais essa ideologia perigosa se proliferou rapidamente nos anos noventa com advento de muitas dessas bandas com temáticas originárias, causando discussão e polêmicas que giram nas rodas de conversas até hoje e causam muitas opiniões sobre estas posturas.
Aliás, é deveras estranho um estilo musical pautado em temática espiritual como o Black Metal originalmente deflagrou, aparentemente, não caberiam discursos de cunho mundano e tão demasiadamente humano como os discursos de extrema direita fascistas ou nazistas que, são deveras contraditórios, pois essas ideologias compactuam com as religiões messiânicas e isso é um dos pontos que o Black Metal mais rejeita em suas posturas, ora, então nos encontramos num local em que a contradição se instala imediatamente!
O que temos? Agora, anos 90, chegamos num momento onde as posições políticas também começam a dar indícios que teremos pluralismo, que teremos mais fontes de discursos que não serão mais uníssonos e sim uma demanda que vai repartir o antes, Death, Thrash e mesmo Black, em ideologias regionalizadas e que farão com que estas mesmas concepções construídas a base em defesa de classes passe a falar sobre questões muito mais profundas que, inclusive dizem respeito à segregação, separatismo ideológico, hostilização entre os iguais em gênero musical e hasteamento de bandeiras que demarquem território.
Até as rotulações das bandas, quiçá inspiradas na nova onda do Heavy Metal britânico, muitas bandas, principalmente do Black Metal passam a exaltar suas nações na rotulagem de seus estilos como: Norwegian Black Metal, Greek, Swedish até Brazilian Black Metal. Junto com isso, algumas coisas que eram convenção no Metal são desconstruídas, como escrever suas letras em inglês. Muitas dessas bandas, alicerçadas no quesito geopolítico (a geopolítica abarca culturalmente um universo hermético de cada construção e entendimento de nação que perpassa pela língua, religião, costumes, legislações e tradições daquele povo), passam a escrever as letras em suas línguas originárias: norueguês, sueco, grego e português. Aqui mesmo no Brasil ainda tivemos grupos ainda mais radicais nesse quesito que, não necessariamente exaltavam a cultura nacional, mas uma cultura regional como a abordagem dos paulistas. Nesse fator língua originária, obviamente que já existiam bandas que escreviam suas letras na língua natal, mas que não se estabelecia como uma regra e sim como exceção, mas do outro lado, principalmente de bandas com células do Black Metal irão dialogar com essa vontade de exaltar sua própria cultura e quem quiser que se vire pra entender! Não, aqui não opino e sim levanto questões de acordo com minhas memórias e constatações próprias a partir das vivencias e observações.
Dentro do Radicalismo dos anos 90, por exemplo, era muito comum que nós nos referíssemos aos inimigos como “playboys”, aliás, existia uma verdadeira abominação por esse perfil, que imediatamente significava, simbolizava o ranço capitalista que a ideologia anarco-punk implementou no universo metálico. Não apenas a figura do “playboy”, mas a do poser, que também já era execrado dentro das bandas e cena do metal extremo 80/90 e a lista de combate aos símbolos capitalistas era imensa passando, principalmente, pelo anticomercialismo, e aversão ao main stream ou tudo que representasse a ganancia e a cobiça pelo consumo, o ter e não o ser.

Assim como grupos que incorporaram a sonoridade noise, noise core, death noise core e afins em suas fileiras decretando um tipo, ou melhor, uma forte crítica à musica, sendo assim assumindo uma postura antimusica, como o Dadaísmo se posicionou artisticamente antiarte e mais tarde a Arte Conceitual. Várias bandas passaram a proliferar a ideia da antimusica e isso estava diretamente associado às questões capitalistas e das políticas que se conectavam ao universo da musica popular ou musica pop internacional. Certamente, o quesito antimusica estaria também associado à imbecilização e extrema simplificação das estruturas musicais a fim de que tudo ficasse acessível e consumido em massa.
Passados mais de trinta anos, duas décadas depois, o acirramento político se retroalimenta na cena, dessa vez com outras características, não mais urbanas e corpo a corpo como nos anos noventa, onde esse confronto era no braço, mas hoje se apresenta através das redes sociais, ou seja, é um confronto virtual onde as opiniões estão mais visíveis e onde todo mundo pode opinar, todo mundo é valente e viril e o covarde não tem rosto. Muitos dos meus contemporâneos questionam a capacidade que a nova geração teria de enfrentar um careca de quase dois metros de altura e largura nos tempos de hoje ou trocar socos e pontapés dentro de um show banhado em sangue numa apresentação de bandas baianas de black metal em espaços que cabiam 200 pessoas apertadas…
Essas discussões vazias que as redes alimentam hoje passam muito longe do corpo a corpo que vivemos pós-ditadura, e olha que hoje tem pessoas que acreditam que a ditadura pode salvar a nação. Com toda certeza, a herança ideológica que as bandas dos anos 80/90 nos deixaram como legado foram totalmente desfeitas ou distorcidas, ou pior, desconstruídas por pensamentos muito confusos, sem base de conhecimento, sem reflexão sobre aspectos geopolíticos, religiosos, culturais e socioeconômicos, mas sim, inspirados em achismos rasos, alimentados por preconceito e ignorância, os mesmos ditos que caracterizam o nazi fascismo através do racismo, xenofobia, misoginia e afins com opiniões que não cobrem as unhas dos pés onde se misturam armas e preces ao Deus dos bastardos e ainda assim, paradoxalmente, estes falastrões se auto intitulam Black Metallers.