Quando decidi escrever sobre o Thrash Metal, assim como fiz com o Doom e o Death Metal, eu, a princípio, quis resgatar apenas minhas memórias, porém, claro que isso não seria o suficiente para fazer uma reflexão assertiva sobre o estilo, nuances, histórias, construções, progresso e tudo mais que faz parte, não apenas de um estilo musical complexo como se tornou com o passar do tempo e sobre os desdobramentos que aconteceram.
Uma banda para que o Thrash Metal iniciasse foi crucial, o Motorhead, os jovens daquela época, no início dos anos 1980 nos Estados Unidos, admiravam a forma como a banda tinha pressa de tocar sua música com velocidade e fúria. Qual era o desafio delas então? Era achar a fórmula de tocar ainda mais rápido e mais furioso que Motorhead e, para isso, alguns outros recursos musicais eram necessários e esses recursos foram encontrados fora do Metal, o Hard Core foi a fonte que forneceu o molho especial para que o Thrash Metal tivesse mais velocidade e fúria associados ao peso descomunal que o estilo requisitava naquele momento.
Em Los Angeles (California) foi que tudo começou, por incrível que possa parecer, o Exodus foi a primeira banda que arriscou essa fusão do Hard Core com o Motorhead, mas existia uma figura com 17 anos de idade que tinha um carisma, um conhecimento dentro da cena e uma autonomia para viajar para outros países inclusive e tinha uma vida, comparada aos demais headbangers da época, um tanto mais estável que seus amigos de mesma idade, tratava-se de Lars Ulrich. Sim, o Lars era um jovem cheio de conhecimento, informações privilegiadas, acessos a shows fora dos Estados Unidos como o luxo de viajar à Inglaterra para assistir a um show do Diamond Head e simplesmente se tornar amigo dos caras a ponto de se hospedar na casa de Brian Tatler (guitarrista do Diamond Head, atualmente no Saxon).
O Lars Ulrich era uma espécie de referência do Metal feito na Europa para muitos headbangers californianos, principalmente por ter iniciado uma estética de usar jaquetas jeans com paths costurados nas costas e bottons pregados no colarinho. Além de tudo isso ele era um grande tape trader e sempre aparecia com coisas novas da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM). Quando voltou par aos Estados Unidos após a o show do Diamond Head, Lars decidiu montar uma banda e, mesmo sem saber tocar nem mesmo a bateria que tinha novíssima e desmontada em sua casa, colocou anúncio procurando por headbangers num classificado do The Recycler que dizia: “Baterista de heavy metal procura outros músicos. Influência de: Tygers of Pan Tang, Angel Witch, Saxon”. Muita gente ligou, mas nenhum conhecia as bandas que ele citou, um desses era, simplesmente um cara chamado Hugh Tanner que levou a tira colo o James Hetfield, neste dia James nem falou, eles tentaram tocar algo, mas o Lars nem sabia tocar…
Naquele momento estava se formando o Metallica que começou a ser moldado como uma banda rapidamente. É importante dizer que o Metallica ascendeu na cena muito rápido, mais que as outras bandas que haviam se formado um pouco antes com propostas similares – caso da Exodus, certamente a fácil maneira de se entrosar e circular que o Lars tinha dava vasão para toda a repercussão que a banda teve.
Bom, o que importa mesmo nesse artigo é tentar fazer um breve tratado sobre o Thrash Metal sob vários aspectos: a origem, o desdobramento, as fusões, as fases, como ele aconteceu no Brasil, os lados do Thrash como por exemplo as grandes bandas, as médias e as undergrounds que ganharam algum tipo de notoriedade nesse percurso de pouco mais que quarenta anos, sim, o disco do Metallica: “Kill´Em All” foi lançado em 1983, mas devemos sempre lembrar que Exodus já existia desde 1979, e o Exodus só teve seu primeiro álbum “Bonded by Blood” lançado em 1985. Para todos os efeitos, o Metallica foi a banda que apresentou o Thrash Metal pelo mundo a fora, e que conseguiu maior penetração por causa de seu desprendimento em enviar sua demo para algumas pessoas, gravadoras e lojas de Metal da época, esse era o pulo do gato… Não que o Exodus não tenha feito isso, mas o Metallica apresentava um som surpreendente para todos aqueles e eles diziam: ninguém faz um som mais rápido, mais alto, mais pesado e mais furioso que nós!
A música “Hit the Lights” chamava muito a atenção daqueles caras na época, fazia com que as pessoas ficassem alucinadas com todas aquelas características que eles tinham e isso fez com que o som Thrash do Metallica não fosse bem compreendido pelo público de Los Angeles exigindo que eles decidissem ir para São Francisco onde tiveram uma melhor recepção e conseguiram abrir as portas para sua música, por tanto, aos olhos deles, o Thrash Metal começou em São Francisco e não em Los Angeles.
Algumas questões, de cunho social/cultural, foram muito interessantes na formação do Thrash Metal, como a oposição ao Glam Rock daquele momento, primeiro pelo caráter as vistas daqueles jovens, ridículo! A forma de se vestir com aparência feminina, cabelos armados de laquê uma música mais melosa e, talvez o fato deles, artistas do Glam Rock, serem a preferência do público e, certamente, o público feminino. Os Headbangers diziam que, mesmo com toda aquela maquiagem e visual andrógino, os caras eram mais bonitos e roubavam até as garotas deles. Os Thrashers odiavam os Glam Rock, e os chamavam de “Posers” (uma forma de chamá-los de exibicionistas uma aversão a ideia do metal que poderia significar contracultura, mas, cá pra nós o Glam Rock era uma contracultura do caralho!), mas frequentavam seus shows para ver se lhes sobravam algumas garotas…
Naquele momento, o Glam era o mainstream e o Thrash estava se tornando o underground sujo e violento do Metal, não apenas na música, mas nas atitudes. Os jovens envolvidos com o Thrash eram exasperados, pessoas com pouca ou quase nenhuma noção. Beber e se drogar eram recursos diários em doses cavalares, os relatos são aterradores do quanto eles bebiam e faziam algazarra nos locais, assim como dormiam em pocilgas, quase não se alimentavam direito, cometiam pequenos delitos, e outros até grandes. Hoje seria difícil acreditar que o Dave Mustane foi traficante de drogas! Sim, senhores, o Dave Mustane vendia maconha! Era uma venda meio maluca, mas vendia e sua ascensão ao uso de drogas foi muito alta, talvez não tão grande quanto do seu parceiro de Megadeth Dave Ellefson, que chegou a engolir Heroína para não ser preso pela polícia e depois vomitou a droga e a consumiu para comemorar o feito de não ter sido preso, mas que a loucura de Dave Mustane era alta, ah isso era.
Essa coisa do Glam Rock estar na crista da onda no início dos anos oitenta vai mudar chegando em meados desta mesma década, pois vai acontecer uma explosão de Thrash Metal após o lançamento do Kill´Em All, fazendo erguer inúmeras bandas da famosa Bay Area. Claro que tudo isso vai ter uma atuação importante de um selo, o Megaforce Records que, até conhecer a demo “No Life ‘til Leather” do Metallica, era apenas uma loja do Jonny Zazula e sua esposa Marsha. O cara realmente era um quebrado que resolveu investir no Metallica e hipotecou sua casa para ter mil e quinhentos dólares que fosse suficiente para lançar um novo material da banda, mas antes, seu investimento era em dois shows sem ter um tostão no bolso (risos).
Jonny convidou os caras do Metallica para irem para Nova Iorque, eles foram num furgão atravessando o deserto e nem estão aí pra nada, Jonny colocou os caras numa sala de ensaio num bairro barra pesada, sem nenhuma infraestrutura, graças aos caras do Anthrax que cederam sua sala para o Metallica, mesmo sem condições nenhuma, eles até dormiam lá e era contra as regras do espaço que se chamava na época Music Building. Lá o Metallica compôs o Kill´Em All e sua formação era: Lars Ulrich (bateria), James Hatfield (guitarra e vocal) Dave Mustane (guitarra) e Cliff Burton (baixo).
Importante dizer que houve uma série de sabotagens de Dave Mustane, que não gostava de Ron McGovney (primeiro baixista do Metallica), para que ele saísse da banda, o que de fato aconteceu e aí sim, ingressou o Cliff. Por algum tipo de ironia, o Dave também foi “expulso” do Metallica de forma bem inusitada, todos eram muito promíscuos nessa época, todos da banda, mas eles achavam que o Dave passava do ponto, sempre ele exagerava nas drogas, na bebida e nas confusões, Dave era um brigão contumaz e chegou a quebrar o tornozelo de Phil Sandoval (Guitarrista do Armored Saint), o próprio James tomou um soco do Dave, imagine! Para os outros membros do Metallica, o Dave Mustane traria mais problemas, mesmo o Dave sendo um dos principais compositores do Metallica e ter colaborado muito na construção do Kill´Em All, que nem teria esse nome, o nome original do disco seria: “Metal Up Your Ass”, mas o título foi barrado porque soava muito ofensivo e isso poderia comprometer a distribuição do álbum, Cliff Burton então sugeriu o título “Kill´em All” justamente porque ficou fulo da vida com a rejeição do título e da capa original que era uma espada saindo de dentro do vaso sanitário, realmente os caras eram insanos.
Tudo parecia claro sobre a saída de Dave Mustane, porque eles fizeram contato com Kirk Hammet que estava na Exodus na época, que ocuparia o lugar de Dave. Os contatos foram super-rápidos, até Scott Ian ficou impressionado com a postura dos caras do Metallica, porque eles tiraram o Dave e já tinham outro cara para o lugar num tempo recorde!
Dave Mustaine então resolveu trilhar seus próprios caminhos e fundou sua própria banda, que não tinha um nome ainda, quando ele leu uma frase num panfleto de um Senador americano chamado Alan Cranstone, Dave costumava escrever as coisas que lhe inspiravam em qualquer pedaço de papel e, ao ler a frase: “Não podemos nos livrar do arsenal usado na Megadeth”, que fazia referência a bomba atômica e o arsenal, certamente ao que os EUA guardavam em plena Guerra Fria, não esqueçamos que estamos em 1983. Dave viu o Megadeth como um possível título de uma música, ainda não havia pensado em nome de banda, acabou que a música que ele pensou em chamar Megadeth, passou a se chamar: “Set the World on Fire”. Megadeth era um termo militar usado para fazer referência de medida da morte de mais de um milhão de pessoas, fato ocorrido quando do lançamento de duas bombas atômicas no Japão. Certamente isso explica os rumos artísticos assumidos pelo Dave através de sua banda.
Dave Ellefson se juntou ao Dave depois de se conhecerem de forma meio maluca, aliás a vida do Mustane era uma maluquice, se tornaram muito amigos, mas antes de Ellefson tocar na Megadeth, Kerry King (lenda do Slayer) fez cinco shows com o Megadeth, deixando os outros integrantes do Slayer intrigados, mas confiantes que King retornaria e foi o que aconteceu. Kerry King tinha uma grande identificação com o som feito por Dave, porque, segundo King, era o tipo de som que eles (Slayer) estavam fazendo e que ele achava o Metallica uma banda com som animal e o Dave representava tudo aquilo.
Em 1984, Megadeth fechou um contrato de oito mil dólares com a Combat e gravou seu Debut “Killing is my Business… and Business is Good”. Este disco representava o sensacional Kill´Em All, como se fosse a sua continuação, porém agora o disco estava cem por cento composto pelo Dave Mustane. Particularmente não sou muito fã da banda, não acompanhei muito de perto sua carreira e tenho minhas ressalvas sobre o Dave, porém devo reconhecer a importância que o musico e a banda tiveram para a construção do Thrash Metal Mundial, mesmo com todos os problemas, afinal os anos oitenta do século vinte foi a década mais caótica da história, foi a ratificação da liberdade sexual, do abuso de drogas, das inovações tecnológicas, do surgimento da música pop e do mercado fonográfico internacional, foi o período de solidificação e massificação social sem precedentes, um período em que coexistiu o Metal, o Punk, o Reggae, O Hip-Hop, a música Pop e isso as vezes até se refletia em grandes festivais de música como o famoso Rock in Rio.
Nos mesmos anos de 1983/84, outra banda fazia de tudo para figurar na Megaforce Records era o Anthrax e o Jonny Zazula, que corria de Scott feito “diabo corre da cruz” (ditado popular infame), evitava ao máximo ouvir a demo do Anthrax por algum tipo de antipatia, depois de muita insistência e por consideração ao Danny Spitz que também foi um dos primeiros guitarristas do Ovekill (Danny Spitz era guitarrista do Anthrax), Jonny finalmente ouviu a demo do Anthrax e resolveu investir na banda. Primeiro Jonny aproveitou um material, um 7” EP que o Anthrax fez chamado “Soldiers of Metal” – 1983, para lançar 2.500 cópias que foram vendidas em 20 dias, só assim ele resolveu investir no primeiro álbum que foi lançado em 1984 “Fistful of Metal”.
Metallica, Anthrax e Raven passaram a tocar juntas e, em um desses shows com mais de 3.500 pessoas onde cabiam 2.500, eles foram disputados por grandes gravadoras e cada uma banda foi para uma dessas grandes tornando as carreiras do Metallica e do Anthrax em megabandas. O Metallica assinou com a Elektra que lançou o terceiro Full “Master of Puppets” e o Anthrax com a Island, bom o Raven assinou com a Atlantic, mas o Raven é outra história… Até aqui a trinca: Metallica, Megadeth e Anthrax, e quem vai se juntar a essa trinca? Ninguém menos que Slayer.
Olha, falar de Slayer é mais um grande episódio dessa história e, não dá para falar de Slayer sem antes falar de Exodus, por tanto, nos próximos episódios vou abordar o início do Exodus, do Slayer e do Testament, claro! E para abrir com chave dourada essa série de artigos, não poderia deixar de recomendar uma discografia básica para se inteirar sobre o Thrash Metal e seus precursores, espero que busquem por estes títulos, saboreiem as músicas, acompanhem as letras e identifiquem as clássicas influências de Diamond Head, Judas Priest, Iron Maiden, Venom e Mortorhead, também irei me limitar as bandas que abordei com mais profundidade nesta primeira parte que chega a 1985 (ano que terá um episódio especifico)… até lá.
Recomendações básicas do Thrash Metal da primeira metade dos anos 1980:
Metallica – “Kill´em All” 1983, Megaforce Records
Metallica – “Ride the Lightning” 1984, Megaforce Records
Megadeth – “Killing Is My Business… and Business Is Good!” 1985, Combat Records
Anthrax – “Fistful of Metal” 1984, Megaforce Records
Anthrax – “Spreading the Disease” 1985, Island Records
Precursores:
Diamond Head – “Borrowed Time” 1982, MCA Records
Motörhead – ”Ace of Spades” 1980, Bronze Records (quinto álbum da banda)
Judas Priest – “Screaming for Vengeance” 1982, CBS (nono álbum)
Iron Maiden – “Killers” 1981, EMI (segundo álbum Clássico ainda com Paul Diano)
Venom – “Welcome to Hell” 1981, Neat Records
Venom – “Black Metal” 1982, Neat Records (segundo e mais fétido álbum da NWOBHM da história, um divisor de águas)