Das cidades do nordeste, Salvador sempre esteve entre as principais capitais muito engajadas na trajetória do Metal, foi por aqui que uma das primeiras bandas de Metal surgiu, a Krânio Metálico e ainda por cima com integrantes negros o que ratificava ainda mais o ineditismo e, também foi aqui que surgiram grandes representantes da cena extrema como Mystifier e Headhunter D.C.
Não à toa que bandas como Zona Abissal fizeram história na cena como uma das pioneiras do heavy metal e tudo isso está sendo usado como referência para poder falar das pioneiras do Thrash Metal baiano que nasceu junto com essas grandes representantes do Metal nacional e que, muitos integrantes das bandas supracitadas também integraram essas importantes bandas de Thrash Metal que serão aqui retratadas.
Neste episódio quatorze da série sobre Thrash Metal o formato vai ter uma importante diferença que é o depoimento de pessoas que lá estiveram nos anos 1980 e estão aqui para contar essa história, lá também estive, mas tenho um pouco menos de idade e não presenciei tanto essas história quanto estes três baluartes do Metal baiano e brasileiro. Falar sobre o Thrash Metal tem me feito relembrar e resgatar muitas memórias assim como revisitar a discografia de muitas bandas que marcaram minha existência e meu percurso dentro desta caminhada no underground Metal. Entre essa visita, obviamente não poderia deixar de ter a busca pelos registros da Mercy Killing que, talvez, tenha sido a banda de Thrash aqui da Bahia mais bem sucedida e com uma sólida carreira de alguns anos. Também de eu ter tido a honra de dividir o palco com eles nos anos 90 com minha banda e passar por aquele filme das memórias adolescentes de assistir a um show e nunca imaginar que um dia estaria no mesmo palco que aquela banda que você admirava no início de sua vida.
Eu diria que Salvador foi uma cidade que se especializou bastante em bandas de Metal Extremo, basicamente bandas de Death Metal e nos anos 90 bandas de Black Metal no auge do estilo quando o termo se tornou mais peculiar, já que, no trânsito entre 80 e 90 Death Metal parecia ser o termo mais definitivo, inclusive para bandas que tinham maior tendencia ao Black por suas letras e visual carregado de spikes, correntes, cruzes invertidas, letras satânicas, blasfemicas e rostos com corpses paints. Mas também teve toda uma cena Heavy Metal e Thrash Metal, qual posso destacar três dos anos 80: ThrashMassacre, Mercy Killing e Sepulchral.
Nos anos 1990, minha principal memória era sobre a Pandora, que trazia integrantes dissidentes da Mercy Killing e talvez a Doycode a qual eu já não teria tanta certeza sobre o estilo Thrash, mas provavelmente houve alguma influência para a formação sonora deles e Cobalto, que também tenho dúvidas sobre a “pureza” ou legitimidade do estilo, nestes casos, fica evidente que não houve muita banda de Thrash Metal na cidade de Salvador, que gerou sua energia muito mais em volta das bandas de som mais profundo, mais subterrâneo que ensejava o Death, o Black e os subgêneros destes.
Começando com a Mercy Killing, que foi formada em maio de 1988 e um dos seus integrantes é o Leonardo Barzi, sim amigos, Mercy Killing é uma banda que ainda existe e foi fundada aqui em Salvador, mas faz alguns anos que, com a mudança de Leonardo para Curitiba/PR fez com que a banda fosse remontada por lá e eles seguem sua carreira há exatos trinta e seis anos de existência. Talvez a formação mais conhecida deles seja do período, já nos anos 1990 que eles lançaram sua primeira demo “Toxic Death” em 1993 e que repercutiu bastante na imprensa especializada ganhando algumas resenhas inclusive em revistas de circulação nacional como a Top Rock. A formação contava com Bruno Leal (Guitarra e Vocal), Léo Barzi (Baixo), Carlos Castro (Guitarra) e André Moisés (Bateria)… a Top Rock disse: “sua demo Toxic Death traz seis músicas (destaques para “Resdress”, “Under the Acid Rain” e “Toxic Death”) que refletem um som ainda bastante cru, com alguns toques de punk/hardcore e, consequentemente, com bastante energia…”.
Mercy Killing eixava muito clara suas influências do movimento punk, numa época em que era muito misturado essas relações de contracultura, tão misturadas que davam muitos conflitos, muitas brigas e inimizades, porém também geravam muita confluência entre esses dois universos. Houve uma época em que a Mercy Killing era figurinha carimbada de muitos shows e festivais que aconteciam, não só na cidade de Salvador, como nas cidades do interior do estado ou mesmo nos estados vizinhos como Sergipe, o público era muito simpático e ávido ao som da banda assim como a relação amistosa dos integrantes com a cena em si, fazia com que a Mercy Killing fosse uma das mais respeitadas e admiradas bandas de Metal da cena, não apenas por sua competência, mas também pela forma que conduzia sua carreira.
Minha experiencia particular é muito recheada e se confunde um pouco com essa história, eu e Léo fomos vizinhos, morávamos no mesmo bairro e quase mesma rua de Salvador, porém existia um certo distanciamento entre nós, principalmente no fator idade, eu era um tanto mais novo e está convivência não foi, nem poderia ser, próxima, era mais aquilo: “olha esse cara do Mercy Killing…” (risos) certamente eu era um invisível enxergando um cara que tocava numa banda de metal, quem nunca passou por essa sensação?
Já mencionei aqui o quanto, nos anos 1980, era difícil para uma banda de Metal no Brasil se desenvolver, visto que figurar numa cena ainda muito pequena e sem muitos espaços era extremamente difícil, levando em consideração as bandas que estavam fora do eixo Rio/São Paulo/ Minas, que também era difícil, mas não tanto quanto no Rio Grande do Sul como vimos no episódio passado e ainda pior numa cidade como Salvador, onde existia a hegemonia de um estilo musical muito mais popular e muito mais perverso e abrangente como o Axé. Era fatal que toda vez que fossem fazer alguma crítica a um material lançado por bandas do nordeste, a imprensa especializada do sul/sudeste dava logo um jeito de mencionar que aqui era terra do Axé e que mesmo sendo a terra do Axé se fazia tal estilo (fosse simples banda de rock à qualquer estilo de Metal). Era muito mais difícil ter uma cena sem espaço para shows, com restrição de espaço para encontros, muitas vezes as portas das lojas de discos eram os pontos de encontro e isso gerava uma série de questões problemáticas para os donos das lojas, mas eram espaços de resistência, de demonstração de afeto e amor ao Metal e onde se podia trocar ideias sobre o estilo, conhecer as bandas, falar sobre todo aquele universo e exteriorizar os gostos, aguçar as relações porque era tudo muito “novo” e empolgante.
Em 1995, Mercy Killing lança sua segunda demo contendo três músicas e um novo baterista o Rodrigo, que acabou ficando por um bom tempo na banda. Enquanto nos anos 1980, os espaços eram bem improvisados para shows, em 90 alguns foram mais melhorados e foi possível contar com alguns festivais que colocaram a cena baiana no mapa, no circuito metal nacional, ainda que, em muitos requisitos, ainda perdíamos para outras cidades como Recife e Fortaleza, foram surgindo festivais que se tornaram grande referência como o Garage Rock. O ápice mesmo seria tocar no Clínica Bar, Teatro Nazaré ou Teatro Gamboa aqui em Salvador nos anos 1980, e sempre que aconteciam esses eventos nestes locais, era um feito que a gente só conseguia visualizar com grandes bandas. Já nos anos 1990, outros espaços se alinharam como o Clube Cruz Vermelha, a Escola de Economia da UFBA ou alguns bares da Orla Marítima de Salvador, que tinham espaços amplos, alguns… enfim, alguns lugares se tornaram tradicionais para eventos e onde essas bandas poderiam tocar, não só as de Thrash, como as dos demais estilos de Metal possíveis.
Foi na época do lançamento da segunda demo que o Meercy Killing começou a entrar num processo de desavenças, desentendimentos e aconteceu uma ruptura. Esse material seria para o lançamento do seu primeiro álbum, porém algo não foi bem e isso acabou se tornando uma demo “Linving in my Madness”. Esse material para o primeiro álbum chegou a ser editado e lançado de forma independente, também como demo, mas com todas as músicas e o título: “Under the Acid Rain” em 2001 – na relação de músicos não consta o Carlos Castro nas Guitarras e sim o Martin Mendonça. Como disse, nesta demo a formação já contava com Rodrigo na bateria, depois das desavenças e a saída de Léo Barzi, Rodrigo e Bruno montaram a banda Pandora. A dissolução da banda durou alguns anos, uma década e mais alguns meses, quando Léo resolveu reativar a Mercy Killing já em outro estado.
Daqui para frente, irei abrir o espaço para que o Leonardo fale sobre sua trajetória, opinião e relato um pouco mais da história dele com a Mercy Killing. Quero aqui também deixar registrado a importância de bandas como Mercy Killing, assim como Krânio Metálico, Sepulchral e ThrashMassacre para a pavimentação da cena extrema baiana, até mesmo a banda Zona Abissal, que existiram numa época em que tudo isso ainda era tão “encantado” e existia um amor incondicional pela Música pesada.
- Obrigado por atender meu pedido, meu caro, pra início de conversa, fale um pouco como foi sua iniciação no metal, como você teve contato com esse estilo musical, também como conheceu outras pessoas que ouviam metal etc.?
Léo Barzi: Eu que agradeço e fico honrado pela lembrança. Em casa sempre ouvíamos música, minha mãe gostava de Beatles, Elvis e Jazz, em especial Sarah Vaughan e Art Blakey sempre tocavam, e descobri uns compactos do Nazareth que me chamaram atenção. Logo depois comecei a ouvir “Rock Pauleira” ainda cedo, por volta de 1978, e logo conheci Queen, Black Sabbath, Kiss, Motorhead e Led Zeppelin, que me aproximou dos caras “barra pesada” do bairro para qual me mudei (Mont Serrat) em 1981, que me levavam discos (para comprar ou gravar as fitas cassete) e mostravam coisas novas. Entre 81 e 83 muita coisa aconteceu no Brasil, em especial Rock internacional (pois tivemos shows televisionados do Queen, Van Halen e Kiss). A despeito de já ouvir som mais pesado isso me deixou mais propenso a isso, ainda mais quando um amigo do bairro me levou para assistir o Ratos de Porão no Circo Relâmpago e achei sensacional.
Portanto, quando o Rock in Rio trouxe bandas mais pesadas, como Iron Maiden e a do Ozzy, já estava completamente viciado em som pesado, tanto que não consegui gostar das bandas mais Hard&Heavy que ficaram populares desde 83, como Motley Crue, Wasp, Twisted Systed e Quit Riot, e passei a ouvir muito Punk/Hardcore, sobretudo após conhecer bandas locais (Dever de Classe e Proliferação) e as de fora (Discharge, Anti Cimex, Fear of War, Crude SS e Vorkriegsjugend).
O contato com o Underground era atípico, conheci fãs de Rock Pesado na Cidade Baixa e passamos a compartilhar informações, inicialmente por publicações especializadas (Somtrês, Pipoca Moderna, Mixtura Moderna, Roll e Metal, por exemplo) e depois cópias do ainda fanzine Rock Brigade. Logo comecei a frequentar lojas especializadas (Cor & Som, Pounding Metal e Maniac), ir para shows de bandas locais (Zona Abissal, Krânio Metálico, Thrashmassacre e Headhunter) e conhecer pessoas com o mesmo gosto musical, agora chamados de Headbangers.
- Como foi formado o Mercy Killing, e como você se integrou a banda (nesse caso, como não sei mesmo como se formou, creio que você seja um dos fundadores e seria a pessoa ideal para contar essa história)
Léo Barzi: Na Pounding Metal acabei conhecendo Bruno “Cachorro Louco” e logo surgiu a ideia de iniciarmos uma banda. Eu não tocava bosta nenhuma (ainda não toco, diga-se de passagem) mas assim que começamos a ensaiar passamos a frequentar a cena e isso fez toda a diferença. Bruno era fissurado em Thrash Metal e sempre foi um músico incrível, me ajudando a aprender sobre o instrumento e música em si, porém, quando a banda passou a ensaiar, já com Fábio “Cannibal” e Duda “Chakal”, percebi que minha influência Punk ia além da música, as letras foram abordando cada vez mais temas políticos e reais, fugindo do lugar-comum, e isso ficou mais claro quando Iuri “Bonebreaker” (nota do editor: Iuri “Bonebreaker” é um importante e lendário baterista de Salvador que já tocou em bandas seminais como Obliteration assim como um artista plástico que realizou trabalhos muito interessantes na cena metal da Bahia) se juntou a nós. Nos desenvolvemos com esse conflito saudável entre Hardcore e Metal, que marcou a primeira fase da banda, e demos a sorte de filmar nossa primeira gig, que além de ser algo da banda é um documento fantástico da época (está disponível no YouTube, inclusive).
- Quais as lembranças que você guarda da cena soteropolitana dos anos oitenta?
Léo Barzi: São inúmeras, normalmente relacionando a camaradagem entre as bandas e integrantes ou até mesmo as tretas, mas no nosso caso sem que isso se tornasse algo negativo ou até violento.
Nota: sei que éramos considerados “posers” por muitos (sendo que boa parte desses caras sempre se preocupavam com imagem, frequentavam outros ambientes que não tinha nada a ver com o Underground – como carnaval – ou simplesmente deixaram de frequentar por se tornarem “adultos” ou religiosos) e isso sempre me soou engraçado e caricato.
Não tínhamos problemas em compartilhar espaços, equipamentos e instrumentos, sempre demos força para bandas iniciantes e evitamos ao máximo as fofocas (mesmo as mais interessantes) e sempre tocamos com bandas de outros gêneros e estilos, nunca foi problema para nós. Portanto, hoje, tenho uma sensação muito nostálgica daqueles tempos, mais difíceis, mas mais autênticos.
- Entre 1988 e 1989, eu adolescente, sempre via na escola em que eu estudava, cartazes de shows da Mercy Killing com outras bandas da cena como Sepulchral, Thrash Massacre, assim como sei que a Mercy Killing, e essa altura, era uma das bandas importantes do Thrash baiano, estou correto?
Léo Barzi: Essa opinião é minha, não sei se os ex-integrantes concordam: sempre foi uma honra inenarrável compartilhar o TEMPO com essas bandas e pessoas, não só eventos e palcos. Acho que por termos um som bem particular, sem tentar imitar muito outras bandas, fomos respeitados e nos tornamos interessantes para muita gente, inclusive fora do nosso estilo, e isso é algo que me impressiona e sempre foi o motivo principal para continuar.
- A banda ainda continua em atividade, mas você a reformulou em outro estado, como isso ocorreu?
Léo Barzi: Recebi uma proposta de emprego no Paraná e na verdade saí da banda por uns meses, mas como a formação em Salvador não levou adiante e percebi o como fazíamos falta acabei reformulando-a em Curitiba. Até então eu tentei tocar com outras bandas, mas o chamado desse nome não me deixou ficar longe muito tempo – e isso está acontecendo de novo.
- Mercy Killing, me recordo, chegou a fazer um show aqui em Salvador, ainda no início dos anos 1990, anunciando o lançamento do seu primeiro álbum, mas este só veio de fato em 2015 e vocês já não estavam mais sediados na cidade, o que aconteceu entre esse longo tempo?
Léo Barzi: Gravamos duas sessões em 1991, a primeira seria para dividir um LP com uma banda da época, se não me engano a Slavery, mas o selo (Bazar Musical) resolveu fazer dois full lenght, e voltamos para o estúdio para finalizar o lado B. Infelizmente Júnior, que administrava o selo, morreu e não fomos mais contactados para continuar o projeto.
Essa mesma gravação, que acabou virando uma demo (Toxic Death) foi enviada para o selo Whiplash de Natal no final de 91 depois de um bate papo com Luziano, pelo telefone, mas creio que os problemas que o selo e loja passaram não deixaram as negociações irem adiante. Também gravamos em 1995 o que deveria ser um LP, mas a banda se envolveu em uma série de desavenças que culminou com a minha saída. Como Bruno e Rodrigo não tinham interesse em continuar com a Mercy Killing, formando a Pandora, fiquei com o nome e continuei, mas o disco virou uma demo digital logo depois.
Em 2012 eu decidi fazer uma gravação independente e passamos a ensaiar com esse objetivo, mas, é claro, não tínhamos dinheiro. Resolvemos arriscar e fizemos um financiamento coletivo, que deu muito certo, e além de gravarmos e prensarmos o CD com o valor arrecadado, ainda fizemos uma parceria com dois selos para pensar em vinil no exterior. Tivemos vários problemas com isso, mas, no final, o álbum “Euthanasia” foi lançado e até a pandemia as coisas foram muito bem.
- O estilo Thrash Metal existe há quatro décadas e já está em sua quinta, você como um integrante deste cenário nestes mais de 40 anos, como enxerga as transformações do estilo e como você o analisa hoje?
Léo Barzi: Considero o estilo uma referência hoje em dia, pois se levarmos em conta o que virou não tem tanta relação com o que se tocava na primeira metade dos anos 80 (mesmo a Mercy Killing não soava como o Thrash Metal daquele período). Vejo muitas bandas tentando emular o som de alguns álbuns (como o Infernal Overkill – Destruction – ou o Crossover – D.R.I.) e outras tantas misturando o que Metallica, Exodus, Kreator e Testament fizeram com estilos e subgêneros mais modernos e é incrível, pois a garotada mantém a chama viva e, ao mesmo tempo, agita a cena.
Normalmente eu apoio, comprando merchandising e material, sobretudo Lps (a não ser que a banda seja reacionária ou integrantes sejam cuzões), frequento shows e ajudo no que for possível. É o mínimo que podemos fazer, né?
- Com relação aos planos com a banda, com tanto tempo de carreira, vocês ainda pretendem lançar álbuns? Como é o “mercado” do Thrash Metal no Brasil no seu ponto de vista? (em relação a tudo, selos/gravadoras, mídia especializada, público, locais para shows, estruturas, até mesmo agenciamento etc.)
Léo Barzi: O Brasil sempre foi ávido consumidor de Metal e sempre teve bandas fenomenais surgindo, mesmo que os estilos não nos agradem tanto assim, como velhos e resmungões que somos, mas não consigo entender como é tão difícil manter espaços para shows, selos e tudo que está relacionado. Normalmente temos picaretas minando a cena, bandas e público em uma falsa abordagem mainstream e a instabilidade financeira deixando tudo mais difícil.
Mas temos iniciativas realmente Underground que mantêm a coisa funcionando e vez por outra conseguimos aproveitar algo que não parece falso.
A banda está compondo novamente, mas mais uma vez estou distante, então ainda não sei como isso se ajustará (mudei para Alemanha em 2022). Mesmo assim, com nosso ritmo atual, ainda lançaremos algumas coisas antes da idade nos proibir.
Gostaria de aproveitar para agradecê-lo, Anton, pela dedicação ao Underground, não só com a música da Eternal Sacrifice mas com todo o apoio que você sempre dispensou. Espero nos vermos em breve!
É um depoimento de cunho histórico extremamente importante, porque ele consegue trazer um bando de confirmações sobre a cena, de como isso se construiu e que, de alguma forma, as situações eram bem similares em sua essência, fossem aqui em Salvador ou na Flórida (USA). As condições levavam o amante do Metal a possuir um modus operandi diferente de outros estilos musicais, assim como de conceber seus próprios métodos midiáticos, sua estética, mesmo que essa estética estivesse atrelada a um “tipo” racial que vai se tornar um estereótipo, mesmo que haja as negações e controvérsias, todos os outros contextos raciais irão caminhar para esse mesmo estereótipo! Também ratifica que tivemos muitas dificuldades em conquistar espaços e tenhamos nos refugiados em nichos muito restritos, aqueles espaços conquistados foram muito defendidos e expandidos depois de algum tempo. Se firmar num meio tão hostil era praticamente um ato heroico, pois os obstáculos se multiplicavam e não diminuíam.
Da célula que fez o Mercy Killing se desenvolver, a multiplicação dela vem através da banda Pandora, banda criada da dissidência de Bruno e Rodrigo, guitarra/vocal e bateria respectivamente. A banda conseguiu figurar por muitos anos a cena de Salvador, tocando em shows e festivais e mostrava um som um tanto quanto mais técnico que o produzido pela Mercy Killing que possuía uma essência mais oitentista, mesmo tendo poucas referencias que comparem ao som feito pela Mercy Killing, a Pandora já mostrava melhor suas referencias de Thrash norte-americano mesclando influências muito acentuadas do Death Metal mais elaborado, mais trabalhado como do próprio Death. Somente com uns 10 anos de existência a Pandora lançou seu primeiro registro oficial, a essa altura não era mais comum as fitas cassetes e sim os CDs demo (ainda que houvesse bandas no underground que ainda primavam por essa via de divulgação do trabalho) “The Death of a Friend” saiu em 2006 contendo três músicas, sendo uma delas um cover do Twisted Sister “Destroyer” (música do disco “Under the Balde” 1982, Secret Records).
A banda tinha um bom público na cidade, mas, na minha opinião, levou muito tempo pra expor seu trabalho e ter mais reconhecimento nacionalmente, se tornando uma banda muito “caseira” em um período em que a comunicação já era muito avançada se comparado ao modelo dos anos 80 ou 90, onde tudo era muito mais precário. Pandora foi uma banda que atravessou o milênio com seu som e merecia mais investimento em sua carreira, pois potencial tinha/tem para ser reconhecida num espaço que hoje é ocupado por bandas de Thrash que, inclusive, são muito abaixo do potencial que a Pandora mostrou. Seu primeiro álbum, assim como o álbum da Mercy Killing foi bem tardio, “Four Seasons” só foi lançado em 2013 através da MS Metal Press, e as reportagens da época dizem que o material já estava gravado desde o ano em que a demo foi lançada, 2006. Portanto, com 17 anos de carreira a banda lançou seu primeiro álbum, ganhando boas críticas da imprensa especializada, mas, infelizmente, não tendo a repercussão merecida.
A formação mais conhecida da banda é justamente dessa época entre o EP e o álbum que contava com Bruno Leal – vocalista/guitarrista, Rômulo Lebre – guitarrista, Marcos Cazé – baixista e Louis – baterista (um excepcional baterista que faleceu em 2022 e fez parte de outras bandas de Salvador como Drearylands, The Cross, Mystifier e outras). Nos registros encontrados pela rede internacional de computadores, ainda se encontra materiais da Pandora e tudo indica que a mesma continua em atividade, porém, como habitante desta cidade, faz alguns anos que não ouço falar e nem tem figurado nos eventos ou festivais que vem acontecendo na cidade, assim como não tive acesso a nenhum membro para que pudesse depor sobre a banda e
contar o que tem feito, se há algum plano etc.
Diante da extensão deste texto, escolhi deixar para a próxima semana a sequência onde abordo outras bandas de Thrash Metal aqui de Salvador que iniciaram o movimento na cidade, como ThrashMassacre e Sepulchral, foram bandas que não chegaram a atravessar a década de 80, mas que deixaram sementes muito importantes para o futuro da cena Metalica da Bahia. Por hoje ficamos aqui, sem deixar a lista de recomendações para trás e sem esquecer de nossas pérolas Thrash Metálicas:
Mercy Killing – “Toxic Death” demo 1993
Mercy Killing – “Euthanasia” full lenght 2015 (Independente)
Mercy Killing – “Tales” demo 2017
Pandora – “The Death of a Friend” demo 2006
Pandora – “Four Seasons” full lenght 2013 (MS Metal Press)
Confira essa relíquia, show da Mercy Killing em 1989 com Iure “Bonebreaker” na bateria