Falar sobre o Metal da Bahia sem falar de Krânio Metálico e Zona Abissal, é quase uma heresia, aliás Zona Abissal deve ter sido a primeira banda baiana a lançar LP na história do Metal, depois do Zona vieram os aclamados álbuns do Headhunter D.C. e do Mystifier, mas o Zona Abissal já circulava entre os Headbangers e dava orgulho de ver a produção do disco, apesar de hoje soar um tanto “fraca” no sentido visual e tal, mas para o olhar da época era uma verdadeira obra de arte.
Já o Krânio Metálico era daquelas lendas urbanas, que chegou a tocar fora de Salvador numa época em que isso parecia quase impossível, não bastasse isso, tocaram com os baluartes do estilo como Vulcano e Dorsal Atlântica em São Paulo. Se hoje isso é algo muito difícil, fico imaginando como foi essa experiência naquela época nos idos de 1987? Como deve ter sido as histórias desse show, quem sabe uma hora dessas consigo falar com os remanescentes da banda e consigo esses depoimentos, tão preciosos.
Mas aqui o que nos traz é de fato o Thrash Metal e nenhuma das bandas supracitadas eram, eram sim bandas de Heavy Metal mais tradicionais, mas as bandas que estavam enveredando pelos caminhos da selvageria e brutalidade naquela época era uma banda que iniciou com o nome Massacre e logo depois resolveu mudar para ThrashMassacre diante do sem-número de bandas ao redor do mundo que já possuíam esse nome. Não podemos deixar de dizer que foi um nome muito apropriado e soa muito poderoso até hoje.
A história da ThrashMassacre é bem curta, mas tem muita riqueza e muitos requintes, mesmo que a banda não tenha deixado seu legado sonoro registrado, nem mesmo em uma demo e sim em ensaios perdidos aqui ali, que poucas pessoas tiveram acesso, alguns longos anos mais tarde a banda Headhunter D.C. gravou duas músicas da ThrashMassacre, cada uma em um álbum diferente e tudo indicava que, ou a banda retornaria, ou a Headhunter D.C. faria dez álbuns para poder lançar a discografia da ThrashMassacre também (risos). Nenhuma das coisas aconteceu, nem a banda voltou, nem a Headhunter D.C. lançou dez álbuns.
Para melhor abordar essa parte da história da ThrashMassacre, assim como a cena Thrash dos anos 80 aqui de Salvador, convidei duas figuras muito importantes que fizeram parte dessa história o Sérgio “Baloff” Borges (Headhunter D.C., ex- ThrashMassacre) e Paulo Brasil (Nigrae Lunam, Lamentos, ex-ThrashMassacre) para depor sobre esse assunto numa entrevista bem interessante e esclarecedora. Também aproveitei para perguntar ao Baloff sobre um projeto que o mesmo tinha chamado Exodus Attack, que rendia homenagens ao Exodus, mais especificamente ao álbum “Bonded By Blood”, onde esse projeto se apresentava tocando o álbum na íntegra, assim como surgiu seu apelido “Baloff” por curiosidade, prática muito comum na época quando os headbangers gostavam de ser batizados pelos nomes de suas bandas ou artistas prediletos.
- Salve, irmão! Nos conte como você começou a perceber que estava inserido dentro da cena? Digo no sentido de conhecer pessoas, bandas… andar no meio destas companhias etc.?
Baloff – Salve Naberius, meu irmão! É um prazer poder dar meu depoimento aqui acerca de minhas experiências dentro de nossa cena Metal Underground! Bom, posso dizer que eu já me considerava fazendo parte da cena Metal local a partir de final de 84/início de 85, quando comecei a conhecer headbangers fora dos limites da minha área residencial, frequentar os primeiros shows e ensaios de bandas locais, adquirir zines e informativos, conseguir gravações de bandas mais extremas à época etc., mas ainda antes disso, por volta de 83, eu já estava me familiarizando com o universo da música metálica através das bandas clássicas do Heavy Metal, o que para mim trata-se de uma obrigatoriedade para qualquer headbanger de respeito – diferente da atual mentalidade de já se inserir nesse mundo ouvindo somente bandas extremas, “pulando” fases importantes da formação de um metalhead e consequentemente deixando um “buraco” em sua bagagem como tal. Sinal dos tempos… – mas, convenhamos, quem hoje realmente liga para isso? (risos)
- Sobre suas memórias, principalmente das bandas, nos fale sobre isso, shows, ensaios, visões da época a respeito do comportamento, inclusive!
Baloff – Cara, o parâmetro que tínhamos àquela época era o que víamos nas revistas, nos clipes e shows das bandas que assistíamos em VHS, então finalmente viver tudo aquilo ‘in loco’ era realmente como um novo horizonte, uma nova dimensão que se revelava diante de nós. A primeira vez que ouvi uma guitarra distorcida de perto, por exemplo, foi no ensaio do Sinal Vermelho, que foi a primeira banda de Heavy Rock/Heavy Metal do subúrbio de Salvador. A banda eram 4 irmãos e um deles, o guitarrista, namorava com minha irmã mais nova, então certo dia ela me levou pro ensaio da banda em Periperi, isso provavelmente no início de 85. Lembro que no meio do repertório os caras tocavam “The Number of the Beast” do Maiden, e aí eu pirei totalmente! A banda já usava de uma certa estética headbanger com cabelos compridos, roupas pretas e tal, mas foi no primeiro show que peguei na vida, do Krânio
Metálico, que fui apresentado como testemunha presencial ao lado mais violento e selvagem do Metal, musical e esteticamente falando, com banda e público usando couro, spikes, correntes e tudo aquilo que a gente ama dentro da estética metálica, enquanto que no lado sonoro o Krânio já desenvolvia um lado mais Speed Metal com letras satânicas e sobre a filosofia headbanger, foi quando passei a bater cabeça além das fronteiras do meu quarto e da sala de casa e finalmente freqüentar o ‘front row’ dos shows de Metal. Foi nessa época também, então com 13/14 anos, que descobri e presenciei as famosas (infames?) rixas entre bangers, punks e carecas, muito comuns naquele período. O “pau comia” de verdade, aliás, costumo dizer que se a “coisa” já não estivesse no sangue, muito provavelmente eu teria pulado fora desse meio quando vi o que acontecia entre jovens de ideologias diferentes, mas o Metal manteve-me forte e perseverante e hoje cá estou para contar a história. É importante salientar que o fato de ter dois primos que fizeram parte de algumas bandas seminais do Punk baiano como Trem Fantasma e Delirium Tremens (Marcelo e Marcos Botelho, respectivamente) também contribuíram bastante no meu desenvolvimento dentro desse universo maldito da música subterrânea. Outro fato bem relevante em minha história foi o show do Vulcano em Itabuna/BA no início de 87, para o qual eu fui junto com um grupo de amigos headbangers do subúrbio o qual chamávamos de Paripe/Coutos Metal Militia, minha primeira “turma” de Metal. Detalhe que na época eu tinha apenas 15 anos de idade e minha mãe teve que tirar uma permissão no Juizado de Menores para que eu pudesse viajar sem meus pais. Um dos shows mais bestiais que já vi na vida – e eu ainda estava “engatinhando” em minha trajetória no Metal underground…
- Como você ganhou o apelido de Baloff, sendo que o Paul Baloff da norte-americana Exodus era um cara extremamente violento no seu lado comportamental, foi nesse sentido ou foi no contexto estético, sobre aparência física? Ou ainda foi outro motivo, o que você pode nos contar sobre isso?
Baloff – Como sempre fui um cara calmo, na minha, pacífico até, ainda que sempre tenha defendido minhas convicções de forma veemente e nunca baixei a guarda pra ninguém nem nas fases mais turbulentas de nossa cena, o lance do apelido foi adquirido mais pelo contexto estético mesmo e não pelo título de “matador de posers” do lendário Paul fucking Baloff – até porque eu nem tinha idade para tal quando fui batizado com o mesmo nome do mestre da violência. Um grande amigo e figura lendária e importantíssima de nossa cena baiana que infelizmente já não está mais entre nós chamado Caius, irmão de Luciano, baixista original do Krânio Metálico, chegou até a mim num show do Krânio e me perguntou se eu conhecia o Exodus. O “Bonded by Blood” havia sido lançado recentemente e eu, recém-chegado no inferno, ainda não conhecia a banda, apenas de nome (via Rock Brigade), então o Caius me recomendou o álbum de forma incisiva e me disse que eu parecia muito com o vocalista da banda. A partir dali todo mundo passou a me chamar de “Baloff”, mas o verdadeiro “padrinho” do meu apelido foi o inesquecível Caius – que inclusive chegou a me chamar pra tocar baixo em sua banda na época, o Metalion, apenas porque eu tinha um visual fudido, cabelo grande e tal, pois na verdade eu tava muito longe de saber tocar o instrumento… (risos!) A partir desse primeiro encontro e conversa com Caius procurei conhecer o Exodus imediatamente e posso dizer que foi amor à primeira audição. Uma verdadeira lição de violência!
- ThrashMassacre foi uma banda dos anos 1980 que encorpava o caldo da cena Thrash Metal de Salvador junto com bandas como Mercy Killing, Sepulchral… nos conte essa história da banda, você chegou a tocar no ThrashMassacre?
Baloff – Sim, eu fui o último vocalista oficial do ThrashMassacre, substituindo Paulo Brasil (editor: um dos caras mais antigos da cena de Salvador, hoje toca em duas bandas: Lamentos e Nigrae Lunam, além de ter sido um dos maiores acervos de LPs de Metal desta cidade, uma verdadeira lenda) entre meados e final de 89. Foi uma breve passagem como membro, sendo minha única apresentação ‘onstage’ com a banda num show com Headhunter D.C. e Chemical Death em Caldas de Cipó/BA, quando cantei duas músicas: “Into the Nightmare” e “Angelkiller”, ambas gravadas anos mais tarde pelo Headhunter D.C. O ThrashMassacre surgiu entre o final de 85 e início de 86, influenciado por bandas como Metallica, Angel Dust, Dark Angel, Whiplash, Assassin, VoiVod, Slayer entre outras. Eu estive no show de estreia da banda na primeira metade de 86, ainda como quinteto, abrindo pro Krânio Metálico no Cine Teatro Solar Boa Vista – inclusive peguei o ensaio desse show com ambas as bandas na casa do guitarrista do Krânio Jorginho, na Barros Reis, e foi a partir daí que me tornei amigo dos caras da banda e algum tempo depois conheci os caras do Headhunter, que dividia o local de ensaio com o ThrashMassacre no bairro da Pituba em seus primórdios. Bons tempos…
- O Headhunter D.C. em seus últimos álbuns começou a regravar material do ThrashMassacre e, me parece, que esse é um projeto fixo do Headhunter D.C., fale um pouco sobre esse “projeto”.
Baloff – A idéia de se começar a gravar músicas do ThrashMassacre em nossos álbuns partiu de mim mesmo, com o intuito de perpetuar seu magnífico material com uma qualidade apropriada, já que a banda infelizmente nunca chegou a gravar um material oficial. Gravamos “Angelkiller” (linkada com a tradicional intro de seu repertório) para o “God’s Spreading Cancer…” de 2007 e “Into the Nightmare” para o “…In Unholy Mourning…” de 2012, ambas em pegadas ‘headhunterizadas’, mas mantendo ao máximo suas características originais. A ideia seria continuar gravando suas músicas em nossos próximos discos até completarmos seu repertório principal de 5 músicas, mas como surgiu a possibilidade de um retorno oficial da banda para a gravação de um full length com essas músicas originais, resolvemos deixar o projeto em ‘stand by’ até vermos o que vai acontecer.
- Você também já participou de um renascimento do ThrashMassacre, o que aconteceu para o projeto não ter seguido em frente?
Baloff – Sim, na verdade já foram duas tentativas de um retorno com o ThrashMassacre: uma na primeira metade dos anos 90 e outra mais recentemente, paralelo a outro projeto do qual fiz parte, o Exodus Attack. Infelizmente ambas as tentativas esbarraram na indisponibilidade de um dos membros originais, Kleber Borges, em dar continuidade ao projeto, mas ainda tenho esperança de finalmente podermos fazer essa reunião do ThrashMassacre, gravar um álbum (inclusive com algum material inédito além das composições originais), fazer alguns shows e, aí sim, dar o descanso eterno que a banda merece, mas com seu fudido material registrado para as atuais e futuras gerações de Thrashmetallions.
- Ha alguns anos atrás você se juntou com outros maníacos e criou um projeto chamado Exodus Attack que tocava na íntegra o álbum “Bonded by Blood” do Exodus, como surgiu essa ideia e o projeto, ainda existe?
Baloff – O Exodus Attack era composto pelos mesmos músicos que formavam o retorno do ThrashMassacre: o membro-fundador Kleber Borges no baixo, o baterista Iaçanã Lima (ex-Headhunter D.C. e que uniu-se ao TM ainda em seu primeiro ano de existência, ou seja, quase um membro original), Danilo Coimbra (Headhunter D.C., Malefactor e Divine Pain) e Tony Assis (Headhunter D.C., Insaintfication, ex-Ungodly, ex-Mystifier) nas guitarras e eu. A idéia era justamente pagar tributo ao mais fudido álbum de Thrash Metal da história, “Bonded by Blood”, tocando-o na íntegra. Chegamos a fazer alguns shows na capital e interior, mas assim como aconteceu com o ThrashMassacre, esbarramos na indisponibilidade de alguns membros para se dedicar aos ensaios e shows. Espero que possamos retornar com o projeto algum dia, pois era um enorme prazer para nós tocarmos esse disco do qual somos todos fãs diehard desde sempre.
- A cena Thrash em Salvador era bem ativa, como você enxerga o desenvolvimento da cena de lá pra cá?
Baloff – Sim, se tratava de uma cena ativa e bem energética em que os shows eram grandes ringues de headbanging, pogo, slamdancing e stagedivings! Tínhamos ThrashMassacre, Sepulchral, Mercy Killing, Witchcraft e outras. Não tenho acompanhado muito de perto essa cena atual de Thrash propriamente dita, mas sei que não há mais tantas bandas do gênero por aqui – ao menos que eu esteja realmente desatualizado. Das bandas atuais conheço o Suffocation of Soul, que tem desenvolvido seu trabalho com muita qualidade, competência e seriedade, lançando álbuns e fazendo turnês, representando muito bem o Thrash baiano Brasil afora. Um dos objetivos a serem alcançados com um possível retorno do ThrashMassacre é justamente fazer com que essas novas gerações conheçam a música e o legado dos pioneiros do Thrash Metal da Bahia e uma das primeiras a fazerem esse tipo de som no Nordeste brasileiro e que de alguma forma se inspirem e se influenciem pelo seu Raging Thrash Metal Mayhem e pela sua breve, mas rica história que traz orgulho a todos nós.
Algo que não pode ser esquecido é que, no final dos anos 1980 transitando para a década de 90, Salvador se tornou rota das principais bandas do cenário nacional e aqui o Teatro Nazaré e a Concha Acústica do Teatro Castro Alves, Assim como o Teatro Solar Boa Vista e outros locais se tornaram palco de grandes exibições de bandas como Witchhammer, Taurus, Cólera, Sepultura, The Mist, Metralion etc. conseguiu chegar até aqui na cidade e fortalecer muito os alicerces da cena. Outro fator inesquecível são as lojas especializadas que deram todo suporte não apenas nos trazendo discos, mas sendo pontos cruciais de encontro dos headbangers da época. Diria que a loja mais emblemática desta época foi a Maniac, que ficava bem no centro da Capital no Shopping Orixás Center, que também abrigava a loja Bazar Musical, outra que deu muito apoio as bandas nos anos 1990.
Estar em Salvador e ter uma cena ativa era um grande ato de resistência e isso foi repercutido no resto do país onde muitos reconhecem a qualidade da cena e das bandas. Infelizmente, a cena de hoje não é tão maciça quanto nos anos 1990 até meados de 2010, mas ainda resiste em nichos muito distintos. Especificamente a cena Thrash Metal na cidade é estritamente pequena eu diria, conheço ou vejo pouquíssimas pessoas que realmente possuem o espírito primordial do estilo, mas consigo perceber a presença de algumas bandas que representam muito bem o Thrash Metal como Suffocation of Souls e Unkilled, mas dessas tratarei em outro momento.
Ainda trabalhando com a identidade inicial do Thrash Metal aqui na Bahia, mais especificamente em Salvador, trouxe mais um grande depoimento para essa fase da série de artigos, trata-se de uma entrevista que fiz com o segundo vocalista da ThrashMassacre, Paulo Brasil que hoje compõe duas bandas da cena de Salvador, porém em pouco ou nada faz menção ao Thrash Metal, por assim dizer.
- Salve meu grande amigo, o que me traz aqui é a necessidade de registrar histórias importantes para da cena Thrash Metal na Bahia entre os anos 1980 e 90. Claro que figuras como você não poderiam ficar de fora, primeiro por ter feito parte atuante desta cena figurando a banda ThrashMassacre, assim como as lendas sobre seu acervo de LPs e emblemática figura. Durante esse meu trabalho de pesquisas e memórias, pude constatar que as formações dos integrantes das cenas eram muito similares, fossem nos Estados Unidos, na Europa ou no Sul/Sudeste do Brasil, isso tudo era muito similar, jovens de classe média que tinham contato com o rock/metal através de parentes mais velhos, amigos e se identificado com a estética e som. Para começar nosso papo, nos conte como foi o seu início na cena Metal, suas relações interpessoais, como aconteceram e quais foram seus primeiros discos de metal, como foram essas experiencias?
Paulo: Meu primeiro contato com o rock foi através de um cunhado. Estava morando com duas irmãs e estudava no Colégio Nobel. Para um garoto da cidade baixa, de quinze anos que estudava em colégio de freira foi um choque cultural muito grande. Mas foi lá que conheci uma galerinha classe média que tinha acesso à discos importados. Nessa época o meu cunhado fechou uma boate e falou comigo que poderia pegar os discos que quisesse. Então sai de lá com uma pilha de discos. Led, Bad Company, Humble Pie e outros. Daí chegou a NWOBHM e comecei a comprar vinis em lojas de departamento e lojas de discos.
Um dia encontrei, em um shopping um número do fanzine (à época) Rock Brigade com uma banda com um visual incrível na capa. Venom!!! Através da Brigade conheci, pelas resenhas, o Sodom, Destruction, Metallica e outros. Pouquíssima informação rolando e eu não tinha como ouvir essas bandas. Começaram a rolar lançamentos de bandas Hardcore Punk e o som me enlouqueceu! Queria estar em uma banda! Acabei sendo apresentado ao Zona Abissal, que procurava um vocalista, e acabei ficando com eles por um tempo, mais saí por total diferenças musicais. Eles odiavam sons mais extremos.
Uma banda que me chamou a atenção à época foi o Kranio Metálico que fazia um som muito mais brutal e veloz.
E paralelamente surgiu a primeira loja especializada em metal na cidade de Salvador a Pounding Metal o dono era o Dimas, um paulista que sempre achei que veio foragido de lá. Começaram os lançamentos de bandas europeias por aqui e me identifiquei mais com o som das bandas alemãs que surgiam aos montes.
O Thrash Metal americano é bem mais melódico. Curiosamente acontece o inverso no caso do Death Metal. As bandas americanas são mais brutais. O primeiro disco que consegui comprar foi o Ep Haunting the Chapel do Slayer. Depois vieram Venom, Exodus, Kreator, etc. Não me pergunte como, mas consegui comprar todos os lançamentos nacionais na época.
A cena era simplesmente inexistente. Tudo que sabíamos era via Brigade. Quem tinha grana, comprava material importado na Woodstock de SP. Existia na época uma coisa que eles chamavam de Reembolso Postal. Uma modalidade de compra que vc pedia a mercadoria e pagava nos correios depois que chegava. A postagem e o produto em si. Era uma loucura. O cara pedia no impulso e depois ficava desesperado atrás da grana pra pagar antes que estourasse o prazo para devolução. Outra realidade.
- Como você chegou a integrar o ThrashMassacre e qual suas memórias dessa época? Você teria, hoje como explicar o porquê de a banda não ter seguido, falar um pouco da cena em si, shows, espaços e oportunidades?
Paulo: Não lembro exatamente como, acabei em contato com uns caras de um bairro de classe média alta chamado Pituba. Eram os caras da Thash Massacre, ainda com o vocalista Lúcio, um carinha filho de pais que tinham grana e tinha acesso à muito material de bandas Thrash Metal. Principalmente americanas.
Lucio saiu e eu entrei nos vocais. A formação era: Kleber (baixo), Yaçanã (bateria) e Eclésio (guitarra). Finalmente parecia ter encontrado o som que procurava fazer. Ensaiávamos na casa do batera em um quarto amontoado de livros e revistas e registrávamos os sons em um pequeno gravador de fitas K7. As principais influências eram Exodus e Slayer. O Headhunter (ainda sem o D.C.) também ensaiava lá no mesmo dia pois o batera era o mesmo nas duas bandas. Foi aí que conheci Eduardo Falsão. O primeiro vocalista. Uma irmandade que perdura até os dias de hoje. Fizemos um primeiro som com a nova formação em uma espelunca no bairro de Amaralina. Nós e o Headhunter. Foi brutal. Depois abrimos para o Witchammer de BH em um show antológico em um teatro (Nazaré) sendo este o primeiro som com uma banda de “fora” em Salvador. Headhunter também tocou. Éramos como uma gang. As duas bandas sempre estavam juntas. As coisas começaram à mudar quando o guitarrista e eu passamos a ter desentendimentos. Ele não aceitava que eu tivesse substituído o primeiro vocalista. Lucio tinha um vocal mais melódico, na linha americana e o meu vocal é mais na linha alemã. Estamos falando de Thrash Metal nos anos 80 certo? E o cara tinha amizade com Lúcio e não nos dávamos bem.
Fiquei puto e sai. Não sei te dizer por que eles não seguiram. Eu já estava fora. Os shows foram poucos e totalmente underground. Uma nova realidade estava se formando. E na periferia estava se formando uma outra cena foi muito interessante. Existe um tape com ensaios do Thrash Massacre dessa fase. Inclusive tocamos Angel Killer.
- Você, quando nos conhecemos nos anos 1990, estava muito envolvido na cena Death/Black Metal, ainda lhe conhecendo, sei que você apreciava outros estilos dentro do universo do Metal, houve de fato um afastamento da sua pessoa da cena Thrash? A cena daqui de Salvador se mostrou muito mais voltada para essa vertente mais Death/Black/Doom e isso foi um fator determinante para você?
Paulo: Sim! Nos anos 90 eu estava totalmente envolvido com sons mais extremos. Death e Black Metal, sem esquecer do surgimento do Grind. Essa foi a minha fase radical. Estava basicamente ouvindo apenas sons brutais. O Thrash Metal estava massificado e não me atraía mais. Com exceção de bandas como Slayer e Dark Angel as bandas de Thrash não me interessavam mais. Tive a sorte de acompanhar o surgimento de todos os sub estilos do Metal e nessa época apenas buscava brutalidade, vocais podres e danação. Me afastei totalmente da cena. Não tive contato com os caras da banda desde então. A cena local mudou. Muitas bandas tocando Death ou Black Metal. Algumas bandas de Grind. Sim, foi um fator determinante.
- Você chegou a tentar montar outra banda de Thrash Metal após ter saído da ThrashMassacre?
Paulo: Não! Fui fazer vocais no Sepulchral. Que já tinha influências de Death Metal. Fiz apenas uma apresentação com eles. Nessa época decidi apenas acompanhar os acontecimentos. Fiquei recluso por um tempo.
- Após todos esses anos, você ainda tem contato com aquelas figuras da cena Thrash baiana? Até mesmo os ex-integrantes da ThrashMassacre, a amizade permaneceu intacta?
Paulo: Não. Não tenho contato com os caras do Thrash Massacre. Ainda tenho contato com Eduardo Falsão, grande irmão.
- Hoje você atua em bandas com temáticas mais sombrias, mais místicas e de sonoridade mais pesadas e profundas como Nigrae Lunam e Lamentos, mas você ainda se interessa pelo Thrash Metal? Você consegue acompanhar as bandas, conhecer bandas novas e consumir essa linha de som?
Paulo: Ainda nos anos 90 surgiram bandas fazendo um som arrastado e doentio. Surgia o Death Doom com os três maiores expoentes/ pioneiros: My Dying Bride, Paradise Lost e Anathema. Para mim foi um achado! Um som realmente mórbido. Uma atmosfera totalmente diferente de tudo que havia no underground. Depois descobri bandas como Candlemass, Trouble, Solitude Aeturnus e o Doom me arrastou para o oceano lamacento. Não ouço Thrash Metal com frequência. Claro que gosto dos discos clássicos do estilo. Não gosto de bandas atuais que reciclam esse som e forçam um revival altamente sintético. Hoje estou 100% focado em fazer Doom. É o que me alimenta. Continuo ouvindo muito Death e Black Metal além de sons Hard e progressivos dos anos 70. Mas, uma vez que você começa a trilhar os caminhos do Doom Metal. Não há retorno.
Essa é uma história que merecia muito ser contada, levando em conta que, por muito tempo, nós da Bahia e do Nordeste, talvez até hoje, sempre fomos muito maltratados pelo eixo onde o poder econômico, o desenvolvimento demográfico (diga-se de passagem, engrossado pelo êxodo) e influência política, criou um espaço de exclusão de nossa cultura. Ainda que essa cultura não fosse tão genuína, tão próxima da nossa ancestralidade como o Metal universalizou, aqui se fez e se faz Metal de alta qualidade, tudo que veio a acontecer nos anos noventa por aqui em se tratando de Thrash Metal, não foi nada de diferente do resto do mundo, a decadência do estilo naquela década foi generalizada. Aliás, essa abordagem já fiz em outros episódios da série sobre essa decadência. Mas é muito significativo trazer o depoimento e fragmentos, registros daquele período inicial e cheio de grandes descobertas sem deixar de agradecer pela imensa colaboração de Léo Barzi, Sérgio “Baloff” e Paulo Brasil, pelas palavras e pelo acervo digitalizado das fotos, cartazes, recortes e materiais preciosos que não podem ser esquecidos e sim acervo dignos de um documento oficial.
Infelizmente, os registros sonoros dessas bandas não chegaram a contento, por isso não terei material a recomendar, mas deixo aqui a música que a Headhunter D.C. gravou em seu álbum “God´s Spreading Cancer” 2007 (Dying Music) um cover para “Angel Killer” música da banda ThrashMassacre.