Thrash Metal parte 3

– Velocidade de uma motocicleta, de um tubarão ou de uma locomotiva? Na Alemanha e no Canadá, como o Thrash Metal se desenvolveu?

Dark Reflections

 

A série de artigos do Thrash Metal me faz trazer muitas reflexões sobre as origens do gênero e nos faz refletir, principalmente, sobre aspectos sensíveis sonoros como a velocidade do bumbo X a velocidade da caixa. Pensando de uma forma simplória, eu diria que a velocidade impressa pelo Speed Metal se concentrava no bumbo duplo, já velocidade do Thrash se ateve a alternância entre caixa e chimbal (claro que isso não significa que o Thrash não usou bumbo duplo, estou falando sobre ênfase). Por tanto, antes de falar do Thrash Metal Alemão e Canadense propriamente dito, é necessário fazer uma incursão sobre o Speed Metal, que foi um estilo que surgiu simultaneamente ao Thrash, mas até hoje, existe uma imensa confusão para identificar/diferenciar o que é thrash, speed, power e outros estilos adjacentes.

A verdade é que o Speed Metal veio primeiro que o Thrash Metal e muitas bandas assimilaram o estilo dos bumbos duplos utilizando essa técnica de forma intermitente e, talvez, diferente de outras bandas que usavam os bumbos com outros fins de arranjos, principalmente em bandas como Deep Purple, Nazareth, Sweet e Queen ainda na década de 1970. Por exemplo, Exodus foi uma banda que se formou em 1979 nos rastros do Speed Metal praticados por Motorhead e Judas Priest, que experimentou o uso do bumbo duplo no seu terceiro disco “Sin After Sin” 1977 (Columbia Records). O Judas colocou essa progressão dos bumbos, acentuando uma velocidade a sua música através das canções: “Sinner” e “Call for the Priest” por exemplo. Bom isso que eles fizeram era rápido para a época, nada comparado a velocidade estratosférica que as bandas de metal extremo alcançam na atualidade.

Certamente que esse tipo de utilização do instrumento ficou mais evidente no álbum de 1978 “Satained Class” (Columbia Records) na música “Exiter”, que abre o álbum rasgando os bumbos duplos cheio de personalidade, claro que a técnica de gravação também era diferente e os bumbos nem eram protagonistas ainda, era um detalhe de arranjo que fazia com que a dinâmica da música avançasse e isso dava a impressão que estavam correndo em alta velocidade, como pilotar uma motocicleta em autoestrada. Outro álbum que exemplifica muito essa ideia de speed metal é o “British Steel” 1980 (CBS), certamente esse foi o álbum que marcou a carreira do Judas Priest e serviu de influência para as bandas novas alemãs e canadenses que pretendiam fazer um som rápido, assim como é sempre bom lembrar que a base da velocidade do Thrash era o Hardcore californiano que, como eu disse acima, concentrava sua velocidade na caixa e no chimbal ao contrário do speed que vai concentrar nos bumbos.

O Speed Metal, portanto, foi um estilo praticado pelos precursores do Thrash: Venom, Motorhead, Raven que influenciou diretamente as bandas canadenses e o Accept que vai influenciar as bandas alemãs sobretudo pelo seu álbum “Restless and Wild”, de 1982 (Brain Records) que consagrou a faixa “Fast as a Shark” – rápido como um tubarão. Raven influência Anvil e Exiter, Accept influência Grave Digger e Running Wild, mas não para por aí, é justamente neste momento que teremos, principalmente na Alemanha surgindo bandas que terão uma fusão entre o speed metal e o tipo de som sombrio e satânico que o Venom fazia nesta época conhecido como a New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM). Essa fusão vai dar vazão ao Destruction, Sodom e Tormentor (primeiro nome do Kreator) ou seja, não eram bandas de Thrash Metal e sim de Speed Metal com forte veia voltada para o “Black” Metal, sendo que Destruction, Tormentor (Kreator) e Sodom vão adaptar alguns aspectos das bandas americanas como Slayer, principalmente quanto ao visual e as temáticas (que já vinham do Venom anteriormente).

Tormentor, talvez a banda mais Thrash que Sodom e Destruction no início, chegou a lançar duas demos no mesmo ano e era composto apenas por um trio: Rob (baixo), Ventor (bateria/ vocal) e Mile (guitarra/ vocal). Passado algum tempo entrou na banda o Tritze (entrou na banda por volta de 1987 após o lançamento do EP “Flag of Hate” 1986 – Noise Records), após uma série de testes. A banda mudou o nome para Kreator e lançou seu primeiro álbum em 1985 com o título “Endless Pain” (Noise Records). “Endless Pain” é um álbum visceral e emblemático para o estilo, pois ele ainda carrega algumas características europeias no som e um sotaque todo específico do inglês cantado por alemães, além do tom de voz ter uma tendencia mais grave que o tom usado pelas bandas americanas. As bandas alemãs como as citadas faziam um som mais “cavernoso” na voz, tornando as músicas mais sombrias que propriamente violentas, a violência estava encarnada em outros locais mais específicos como as letras e uma execução com doses de crueldade.

 Cabe também dizer que eram músicos muito jovens e que tinham limitações sobre seus instrumentos e o “Endless Pain” foi gravado em 10 dias, o que diz muito sobre a qualidade sonora dele, ainda que seja extremamente espontâneo, ele guarda a atmosfera daquele momento. Aquele álbum já tinham uma narrativa mais fantasiosa, mais próxima dos contos de guerras fantásticas, de horror e de batalhas sangrentas, algo que não ficava muito aparente nas bandas americanas que seguiam a linha do Metallica e Megadeth que abordavam de forma mais próximas do realismo.

Kreator foi uma banda que teve maior êxito na mescla entre o speed e o thrash (que ficam mais evidentes nos seus rifes de guitarra) em seus três primeiros álbuns, porém no “Extreme Agression”, quarto álbum lançado em 1989 (Noise Records), o estilo Thrash aparece de forma mais clara, pois o Mile já está com sua voz muito mais aguda, se aproximando do Thrash Metal americano e os sons estão menos truncados e mais “thrashers”, por assim dizer. “Extreme Agression” chega a lembrar a pressa que o Slayer imprimiu no “Reign in Blood”, não especificamente sonoro, porque as bandas alemãs são muito peculiares nas composições e no sotaque carregado. Provavelmente esta percepção sobre este álbum seja pelo fato dele ter sido gravado nos Estados Unidos com o Randy Burns mesmo produtor de álbuns do Megadeth, Dark Angel, Hellstar etc. Kreator também gravou o “Coma of Souls” nos Estados Unidos e o Tritze saiu depois que o “Extreme Agression” foi lançado. Tritze foi substituído por um ex-guitarrista do Sodom, Frank “Blackfire” Gosdzik, que permaneceria na banda até 1996.

O quarto álbum do Kreator pode ser considerado o divisor de águas da banda, após ter lançado três álbuns muito próximos do speed/black, ainda que houvesse claras presenças do Thrash Metal, o “Extreme Agression” mudou a sonoridade e até o aspecto visual dos discos, desta vez a capa não trazia mais demônios ou lutas sangrentas, era, simplesmente, a foto dos músicos! E não ficou apenas nisso, mas na baixa da tensão e maldade que aparentava ter até o “Terrible Certainty” 1987 (Noise Records).

Sodom foi outra grande banda alemã influenciada por Raven, Tank, Motorhead e Venom, o mais comum na época, onde a banda chegou a rotular seu tipo de som como “witching metal”. Foi por volta de 1982 que Tom Angelripper e Aggressor formaram a banda na cidade industrial de Gelsenkirchen, no oeste da Alemanha. Não levou muito tempo para se juntar a eles um baterista chamado Bloody Monster, que foi rapidamente substituído por Chris Witchhunter, com quem lançaram duas demos, Witching Metal de 1982/83 e Victims of Death de 1984, antes de assinar um contrato com a SPV GmbH.

A banda começou a fazer algum sucesso no underground alemão e fez alguns shows em 1984 em Frankfurt ao lado de Destruction e Tankard, foi quando receberam a proposta de gravar seu primeiro EP através da gravadora SPV Gmbh, Manfred Schütz disse que o som deles era tão ruim que venderia muitos discos (risos). Assim entraram em estúdio e gravaram “In the Sign of Evil” 1985 (Devil´s Game subdivisão da SPV Gmbh). É um dos discos mais aterradores da história, aquilo era/é extremamente selvagem e dá tons novos para o speed metal alemão, com tons mais grotescos, baixo arrítmico, rifes sombrios e poderosos, bateria pesada e soando estranha (até hoje), por sinal considero a bateria a principal protagonista deste EP. Tudo neste primeiro registro oficial do Sodom é inovador e cria uma marca especial para a banda no decorrer de sua carreira, ainda que ela se modifique em poucos anos depois deste EP.

“In the Sign of Evil” não teve a participação de Aggressor e vai ser substituído por Grave Violator (recomendado à banda por Mille Petrozza do Kreator), que também não ficaria muito tempo. O material de um álbum completo deveria ser gravado para “In the Sign of Evil”, mas problemas com a gravadora fizeram com que o lançamento fosse trocado para um EP. No lugar de Grave Violator, Michael Wulf entrou, apenas para deixar a banda logo após as gravações do que seria seu primeiro álbum completo, “Obsessed by Cruelty”, de 1986, para se juntar ao Kreator (onde duraria apenas um show).

“Obsessed by Cruelty” foi um álbum que manteve a atmosfera do EP, mas que avançou em alguns aspectos importantes e vai sinalizando as mudanças sonoras que o Sodom vai passar a adotar dali para frente, talvez o que tenha grande relação com as mudanças na formação e sobre o extremo som que o Thrash Metal ensejava naquele momento, qual era justamente o momento de explosão do estilo em termos comerciais, de notoriedade e de expansão progressiva de bandas. “Obsessed by Cruelty”, reza a lenda, teve duas gravações: uma da Metal Blade e outra da Steamhammer. A segunda foi lançada na Europa e tinha a melhor qualidade e poucos países receberam cópias da tiragem da Steamhammer (Austrália em grande parte teve cópias originais importadas por seus bangers, o Brasil quase nada). A cópia que circulou pelo mundo foi da gravadora Metal Blade de baixa qualidade segundo a crítica especializada, e inaceitável para a Steamhammer. Estranhamente a primeira gravação circulou mais que a segunda com alta qualidade.

Bom, é perceptível que as bandas alemãs não iniciaram suas carreiras fazendo Thrash Metal por tanto, elas foram moldando e modificando o som com o passar dos anos, e seu início foi marcado por um processo de fusão do som obscuro e maligno do Venom com a velocidade dos dois bumbos do speed metal mesclado com rifes maldosos, perversos que irão influenciar profundamente a formação das bandas de Death Metal e Black Metal europeias. Sodom, especialmente, vai ser um dos precursores do que iremos conhecer mais no final da década como Black Metal em termos sonoros, assim como irão ser agregados o visual com spikes do Slayer, as calças de couro do Venom, as jaquetas de motociclistas do Motorhead e os corpses paint, é lógico que toda essa carga genética vai impregnar o imaginário do underground durante todas essas quatro décadas.

É no “Persecution Mania” 1987 (Steamhammer) que o Sodom começa a transitar seu som para o Thrash Metal, abandonando o ar maligno encarnado em seus lançamentos anteriores, modificando um pouco sua sonoridade que vai se aproximar muito mais do Thrash norte-americano, porém vai guardar a sua marca pessoal conseguindo dar identidade ao Thrash feito na Alemanha, que ao passo que vai se aproximar do Thrash norte-americano em termos gerais, especificamente ele vai ter características que identificam o que as bandas alemãs tem de melhor execução em suas músicas. Não apenas a música, mas as temáticas do Sodom vão mudar, abandonando o Satanismo e a Blasfêmia voltando suas atenções para a Guerra, Morte, Política etc., ou seja, temas mais relacionados ao Thrash Metal, inclusive os temas mais próximos das bandas da Bay Area.

Chegamos também ao Destruction, outra banda que iniciou sua carreira tocando algo mais próximo do Speed Metal maligno proposto pelas bandas que trouxe acima e levou um EP e dois álbuns para começar essa transição do speed para o thrash. Seu nome original era Knight of Demon, mas isso foi alterado depois de algumas semanas. Eles passaram de um som do Iron Maiden para um fortemente influenciado pelo Venom em questão de semanas.

O “Sentence of Death” 1984 (Steamhammer), provavelmente, tenha sido o material mais próximo do speed metal com tons de Venom que o Destruction lançou, transitando de forma mais consistente para uma mescla entre speed e thrash em seu “Infernal Overkill” 1985 (Steamhammer). No EP, Destruction dispôs de uma identidade visual como Sodom fazia, assim como suas prováveis maiores influências na época que seriam Venom e Slayer. A essa altura de 1985, Thrash Metal norte-americano estava muito forte, o estilo estava sendo descoberto e a maioria das bandas undergrounds estavam aderindo aquele que seria o mais pesado e destrutivo estilo que o metal estava apresentando na época, assim como estilo mais popular. O Death Metal também inicia por volta de 1985, momento em que o Thrash vive seu melhor momento, deixando outros estilos em espaços secundários ou mesmo muito undergrounds ainda.

Capa do álbum “Sentence of Death”

Destruction, junto as demais bandas, foi, nos anos 1980, considerada uma das grandes da Alemanha e, talvez, tenha perdido a “mão” durante os anos 90, fazendo álbuns muito estranhos e inclusive renegados por eles mesmos. Aliás, os anos noventa do século vinte foi uma década de decadência do estilo, principalmente por fenômenos musicais ligados a um estilo que ficou conhecido como “Grunge”, naquele momento, parecia que o Metal era algo ultrapassado e que estava se fragmentando, se desfazendo, perdendo um espaço que havia sido conquistado na década anterior. Foi por volta de 1993/94 que o estilo Grunge começou a ocupar esses espaços, ironicamente após uma grande turnê das bandas de Thrash do mainstream da época chamada Clash of the Titans: “Clash of the Titans foi uma turnê voltada ao metal, principalmente ao Thrash Metal, começou em 1990 com uma turnê europeia com o Megadeth, Slayer, Suicidal Tendencies e Testament. A segunda etapa, em 1991, nos Estados Unidos e no Canadá com uma formação um pouco diferente; desta vez com os headliners Megadeth, Slayer e Anthrax e o apoio do Alice in Chains abrindo os shows.

Essa turnê marca o fim da soberania do Thrash Metal sobre o mainstream, o Grunge veio e tomou todo o espaço do metal, as únicas vertentes do metal no Grunge são bandas como o Alice in Chains e Soundgarden, as quais assim como Nirvana e Pearl Jam, dominaram a mídia no mundo da música dos anos 90” April 2010, Jon Wiederhorn 13. «Clash of the Titans Tour: Iron Giants». guitarworld (em inglês). Consultado em 29 de janeiro de 2024

Talvez essa tenha sido a principal causa da derrocada do estilo, com as bandas mais tradicionais mudando radicalmente seu som, a exemplo do Kreator, uma das bandas mais expressivas do thrash metal alemão até então lançar um álbum extremamente estranho, e muito diferente do tipo de som que o próprio Kreator havia consagrado. “Renewal” de 1992 (Noise Records) e “Cause for Conflict” 1995 (Gun Records) são dois discos fora de questão que, sob minha análise, contribuíram para a ruína do que se esperava de um estilo tão selvagem e visceral como era o Thrash Metal e as bandas mais simbólicas do estilo estariam ruindo, assim foi Slayer com “Diabolus in Musica” 1998 (American Recordings) que joga uma pá de cal sobre a cova do Thrash Metal para a cena.

Certamente que algumas bandas resistiram no que poderia ser chamado de underground, mas a mesma cena estava se voltando para o Death, Black e Doom Metal com mais ênfase neste momento. Eram os estilos que estavam entregando novas bandas, talentosas e inovadoras, criando subdivisões muito interessantes enquanto o thrash estava trilhando caminhos obscuros e fazendo fusões com RAP, por exemplo. Assim como a inserção do groove (uma incursão rítmica curta que gera uma espécie de swing capaz de deixar o som mais “dançante”).

Para fechar as quatro gigantes alemãs, não podemos esquecer de Tankard, uma banda que conseguiu trilhar um caminho muito pessoal dentro do Thrash Metal sem perder a essência do estilo com o passar dos anos como outras bandas fizeram em suas carreiras. Tankard foi formada em 1982 por três colegas de classe: Andreas Geremia, Axel Katzmann e Frank Thorwarth. Na época, a banda ainda era conhecida como Vortex e/ou Avenger, até o nome Tankard ser descoberto pela banda através de um dicionário. A primeira música da banda foi “Ray Death”, que tratava sobre guerra nuclear. O primeiro concerto da banda foi realizado em sala de aula em 1983. Pelo fato de os integrantes da banda não poderem beber álcool dentro da Instituição, eles esvaziavam caixinhas de leite e trocavam por cerveja. Ainda em seu início, Bernhard Rapprich, então membro da banda, deixa o grupo, pois seu pai, conservador, não o permitia “sair com um bando de bêbados”. Bernhard foi substituído por Andy Bulgaropoulos.

A banda começou tocando covers de bandas como Metallica, Slayer, e de seus conterrâneos do Kreator e Destruction. Em 1984, o Tankard assinou com o selo Noise Records. Durante todos esses anos o Tankard vem construindo uma base de fãs bastante sólida e tem lançado uma série de álbuns reforçando a imagem de “Kings of Bear”. Apesar de trabalharem em outros ramos para seu sustento, a banda consegue se manter “na mira do público e da mídia especializada”, realizando turnês e aparecendo com frequência nos mais populares festivais de verão da Europa.

Capa do álbum “Chemical Invasion” – Tankard

Certamente seu álbum mais conhecido seja o “Chemical Invasion” 1987 (Noise Records), que também chegou a ser lançado aqui no Brasil em 1988 pela Woodstock Disco que, aliás, foi uma das mais populares gravadoras nacionais nos anos 1980 que trazia a nata do underground mundial para serem licenciados no Brasil, nos permitindo conhecer dezenas de bandas incríveis como Tankard e tantas outras.

“Zombie Attack” 1986 (Noise Records), foi seu primeiro álbum e um dos discos mais violentos de Thrash Metal daquela época, mas foi um disco de curto alcance se comparado aos seus conterrâneos do Sodom, Destruction e Kreator. Incontestavelmente, o Thrash alemão bebeu muito da fonte original do estilo, mas se manteve muito integra ao que se propôs até os anos 1990, criando características próprias dentro deste universo musical, com seu feeling e suas nuances.

Já no Canadá podemos trazer duas bandas muito emblemáticas: Razor, uma das bandas que conseguiu construir um som também calcado no Speed Metal, muito provavelmente influenciado por Raven, banda britânica que iniciou o uso dos bumbos duplos dando dinâmica ao som assim como citei no início do artigo, que por sua vez influência as canadenses Anvil e Exiter. Razor foi formada por Stacey McLaren (vocais), Dave Carlo (guitarra), Mike Campagnolo (baixo) e Mike Embro (bateria) reconhecida como sua formação clássica.

A banda chegou a lançar dois álbuns no mesmo ano, tal era a explosão do estilo em meados da década de oitenta “Executioner´s Song” e “Evil Invaders” o primeiro em abril e o segundo em outubro de 1985 via Viper (gravadora da banda na época). Razor era o que poderíamos dizer, uma banda que misturava bem o speed e o thrash metal, marcando em seus registros o que deixaria evidente que as bandas de Thrash dos anos 80 eram únicas, cada banda poderia ser reconhecida por sua música sem que o ouvinte confundisse uma das outras, assim como identificar de onde eram aquelas bandas, entender que elas eram de países fora do eixo norte-americano, mesmo com toda influencia presente nas suas composições. O primeiro registro do Razor é o EP “Armed and Dangerous”, de 1984 (Voice Records). A imprensa, na época, dizia que o ep do Razor era a sua genuína demonstração de velocidade e selvageria, que o primeiro álbum não foi capaz de fazer por causa da polidez exigida pela gravadora Viper, os músicos gostariam que seu primeiro álbum soasse como “Armed and Dangerous”, mas seu set de gravação foi totalmente editado, com cortes que tirariam a essência do que os músicos haviam composto e enchendo o álbum de atmosfera provocada por “reverbs”. De qualquer modo “Executioner´s Song” era um disco bárbaro, feroz, dizimador como o espírito do Thrash Metal, do movimento suburbano norte-americano encarnado pelos Canadenses do Razor.

Todo esse histórico tornou o Razor um dos pioneiros do metal veloz, com um som extremamente rápido. A banda se desfez em 1992 e voltou a gravar um CD, “Decibels”, em 1997 (Hypnotic Records) retomando sua carreira, mas sem lançamentos expressivos nem novos álbuns depois do “Decibels”. O segundo álbum após seu retorno foi lançado apenas em 2022 sob o título “Cycle of Contempt” via Relapse Records.

Certamente a mais famosa banda do Thrash Metal Canadense tenha sido o Voivod, banda extremamente esquisita, porque produzia um Thrash Metal muito mais truncado, beirando o jazz, transformando seu som em algo mais técnico e menos direto que de costume das outras bandas, assim como a identidade visual da banda, que era mais suja levando em consideração a arte de suas capas, por exemplo.

“O Voivod começou em 1981, quando o guitarrista Denis D’Amour (Piggy) procurava vários músicos para formar uma banda, até encontrar Jean-Yves Thériault (Blacky), que concordou em tocar baixo em sua banda. No entanto, Blacky não sabia tocar baixo na época, mas Piggy era musicalmente adepto, então colocou Blacky sob sua proteção. Mais tarde, Blacky contratou Michel Langevin (Away), que era amigo do colégio, como baterista. O projeto não durou, porém, porque “tudo deu errado porque ninguém sabia tocar”, segundo Away. “Piggy era o único músico de verdade””

Blacky e Away precisavam de tempo para desenvolver suas habilidades e, como resultado, a banda se separou por um ano. Após a reforma em novembro de 1982, o Voivod tornou-se oficialmente Voivod depois de contratar Denis Bélanger (Snake) como vocalista em janeiro de 1983. A formação completa fez seu primeiro show em 25 de junho de 1983, e tocou versões cover de Judas Priest, Motörhead e Canções do Venom, bem como seu próprio material. Este show também foi gravado em sua primeira demo Anachronism’, que creditou os membros da banda como Snake – “throat, scream, insults, mike torture & weapon operator”, Piggy – “burning metal-axe, electro-motive force & tremolition”, Blacky – “blower bass, pyromania and shit” and Away “thunder and death machine, horror and visions”, um tipo de identificação que vai ficar muito marcada após o Sodom e, mais tarde outra banda Canadense, o Blasphemy.

Depois de gravar uma série de demos, Voivod foi descoberto pelo proprietário da Metal Blade Records, Brian Slagel. A banda concordou em gravar sua música “Condemned to the Gallows” para sua compilação Metal Massacre V, e Slagel ofereceu à banda um contrato de gravação com sua gravadora. Em 1984, o Voivod entrou em estúdio para gravar seu primeiro álbum, resultando em “War and Pain” 1984 (Metal Blade), aquele de estética esquisita.

“Rrröööaaarrr”, gravado no L’Autre’ Studios em Montreal (CAN) entre outubro e novembro de 1985, seguiu em 1986, o primeiro pelo selo alemão Noise Records e licenciado para Combat nos USA. Uma extensa turnê pelos Estados Unidos foi realizada para promover o álbum, em parceria com os experimentalistas Celtic Frost (banda suíça que começava a impressionar a cena com seu poderoso álbum de estreia “To Mega Therion” 1985) e o Running Wild – speed metal alemã – ao longo de junho. A banda então se juntou a Possessed e Deathrow para shows europeus em novembro, adicionando os punks English Dogs para o encerramento do London Electric Ballroom.

Depois do “Rrröööaaarrr!!!” Voivod passou a trabalhar no seu terceiro álbum e passou a ser uma banda consagrada dentro da cena Thrash Metal que, a essa altura, era uma cena grande e efervescente. Voivod fez turnês com Kreator pela Europa, o que estreitou muito os laços de amizade entre eles, além de receber convites para tocar com Megadeth e grandes festivais, um destes seus equipamentos foram confiscados pela alfandega e ele não puderam se apresentar. “Killing Technology” 1987 (Noise Records) foi um álbum que marcou a trilogia mais exitosa da banda que estava em seu auge, fazendo turnês e ficando cada vez mais notória, tanto na cena europeia como na norte-americana, que era onde as coisas mais aconteciam.

No final de 1987, Voivod entra em estúdio para gravar seu quarto álbum “Dimension Hatröss”, 1988 (Noise Records) o que teria sido o disco mais criticado pela imprensa especializada dado ao excesso de experimentalismo que a banda impregnou naquele disco. Tudo estava muito encaminhado para a turnê de divulgação do novo álbum quando Piggy foi diagnosticado com um tumor cerebral cancerígeno. Quando os cirurgiões alertaram que a cirurgia era necessária provavelmente reduziria suas habilidades na guitarra, Piggy optou por recusar uma operação e, em vez disso, investiu suas energias na banda. Assim, o grupo firmou uma aliança com a Vio-lence para os shows norte-americanos de encerramento do ano.

A banda seguiu com seu legado, uma das poucas que não deram pausa na carreira, mas que foram entrando no ostracismo junto com estilo nos anos noventa. No meu ponto de vista, Voivod também terá sido uma das responsáveis pela ruína do Thrash, graças ao seu experimentalismo exagerado, a desconfiguração inicial do seu som e um pouco de arrojo que ultrapassavam as barreiras sobre o que poderíamos entender como algo que merecia ser mais preservado, ao invés disso, Voivod iniciou uma incursão por novos voos por domínios do progressivo ficando a fúria do Thrash Metal de lado, não só no quesito sonoro como no lírico.

No Canadá, certamente a banda que ficou mais famosa foi a Annihilator, uma banda que chegou a vender três milhões de discos em sua carreira, isso é muito se comparado com o que o Metal representava, principalmente em se tratando de uma banda fora do eixo EUA e Europa. Annihilator foi fundada por Jeff Waters, um pródigo guitarrista que inicio sua incursão no instrumento aos 13 anos e aos 18 formou Annihilator.

Com o cantor John Bates, Jeff compôs e gravou a primeira música do grupo, “Annihilator”, nunca lançada e precisou ainda tocar outros instrumentos como a bateria, porque não tinha ninguém para fazê-lo. Após compor a primeira música do grupo, Jeff percebeu que era preciso formar uma banda de verdade, com baterista e baixista, então foram chamados Paul Malek e Dave Scott, respectivamente e gravaram a primeira demo, “Psyco Metal Kills”, que continha algumas versões para as músicas “Crystal Ann”, “Burns Like A Buzzasaw Blade”. Passado algum tempo, o baterista foi demitido e substituído por Richard ‘Death’ e, quatro semanas depois, todos os integrantes se separaram.

Em 1986, Jeff voltou ao estúdio para gravar uma a demo “Phantasmagoria” tocando novamente todos os instrumentos, mas, desta vez, com a ajuda do baterista Paul Malek. O guitarrista decidiu então se mudar de Ottawa para Vancouver, onde gravou parte do primeiro álbum “Alice In Hell” com Ray Hartmann (bateria) e Dennis Dubeau (vocal). Com a formação da nova banda, o grupo conseguiu um contrato com a Roadrunner Records.

Porém, antes de se acertarem, o grupo sofreu mais modificações. Dennis foi substituído por Randy Rampage e entraram ainda Dave Davis (guitarra) e Wayne Darley (baixo). Após a reestruturação da banda, o álbum “Alice in Hell” foi lançado em 1989 e rendeu duas boas turnês para o Annihilator – na Europa o grupo abriu o show do Onslaught e nos Estados Unidos para o Testament. No ano seguinte continuaram o trabalho com o álbum “Never, Neverland”, já com novo vocalista Coburn Pharr. Annihilator era uma banda que primava por uma qualidade sonora, e dava para perceber muita influência da NWOBHM, principalmente de Mercyful Fate, pois eles sempre investiam em excelentes vocalistas que estavam mais próximos do que o Anthrax fazia que as demais bandas de Thrash que se concentravam mais em berros e gritos que em “melodia” no vocal.

Voivod e Annihilator foram bandas, talvez, mais conhecidas aqui no Brasil que Razor, mesmo que ambas tenham sido lançadas em território nacional, Razor eu não estou tão certo, ainda que pertencesse ao selo Roadrunner que tinha alcance aqui na época.

Essa então foi a terceira parte dos artigos sobre Thrash Metal e muito provavelmente a parte um pouco mais longa, porém necessária! Na próxima irei abordar a explosão do Thrash Metal a partir de 1985, trazendo bandas como Dark Angel, Nuclear Assault, Death Angel, Onslaught, Sacred Reich entre outras. Para não perder o costume, vai aí mais uma lista de álbuns seminais e básicos para compreender o estilo Thrash Metal em sua mais pura essência:

Discografia Recomendada:

Kreator – “Endless Pain” 1985 – Noise Records

Kreator – “Pleasure to Kill” 1986 – Noise Records

Kreator – “Flag of Hate” EP 1986 – Noise Records

Sodom – “In the Sign of Evil” EP 1985 – Evil´s Game

Sodom – “Obsessed by Cruelty” 1986 – Metal Blade Records/Steamhammer

Sodom – “Persecution Mania” 1987 – Steamhammer

Destruction – “Sentence of Death” EP 1984 – Steamhammer

Destruction – “Infernal Overkill” 1985 – Steamhammer

Destruction – “Eternal Devastation” 1986 – Steamhammer

Tankard – “Zombie Attack” 1986 – Noise Records

Tankard – “Chemical Invasion” 1987 – Noise Records

Razor – “Executioner´s Song” 1985 (Viper)

Razor – “Evil Invaders” 1985 (Viper)

Razor – “Malicious Intent” 1986 (Viper)

Voivod – “War and Hate” 1984 (Metal Blade Records)

Voivod – “”Rrröööaaarrr!!!” 1985 (Combat Records)

Voivod – “Killing Technology” 1986 (Noise Records)

Annihilator – “Alice in Hell” 1989 (Roadrunner Records)

Annihilator – “Never, Neverland” 1990 (Roadrunner Records)

Precurssores:

Judas Priest – “British Steel” 1982 (CBS)

Accept – “Restless and Wild” 1982 (Brain Records)

 

Referencias:

Wiederhorn, Jon. Barulho infernal: a história definitiva do heavy metal/ Jon Winderhorn & Katherine Turman; [tradução: Denise Chinem]. São Paulo Conrad Editora do Brasi, 2015

April 2010, Jon Wiederhorn 13. «Clash of the Titans Tour: Iron Giants». guitarworld (em inglês). Consultado em 29 de janeiro de 2024

Gilmore, Mikal; Gilmore, Mikal (11 de julho de 1991). «Heavy Metal Thunder: Slayer, Megadeth and Anthrax». Rolling Stone (em inglês). Consultado em 29 de janeiro de 2024

Gilmore, Mikal (28 de junho de 2012). Night Beat: A Shadow History of Rock & Roll (em inglês). [S.l.]: Pan Macmillan

www.metal-archives.com consultado em 29 de janeiro de 2024

Get Thrashed: a história do thrash metal (documentário) disponível em https://www.youtube.com/watch?v=JepHTgRiV7E consultado em 27 de janeiro de 2024

Observação: estas mesmas referências também servem para as duas partes anteriores do artigo.